MULHERES SÍMBOLOS
(Nísia Floresta)
Joacil de Britto Pereira
Não foi só no campo da solidariedade humano e do ardor patriótico que a mulher brasileira se destacou, na porfia do bem comum.
Refiro-me a uma figura das mais valorosas de quantas engrandecem os fatos de nossa história. Ela representa o traço de união das virtudes femininas, destinadas a prestar os serviços de humanidade, compatíveis com o seu sexo e, ao mesmo tempo, fulgurou como uma intelectual de primeira plana, que venceu todos os preconceitos e discriminações de uma época.
Focalizo Nísia Floresta, que defendeu, intransigentemente, os seus direitos diante dos homens e lutou sem cessar pela emancipação feminina, no Brasil. É admirável como reuniu, em sua rica personalidade, tantas qualidades, raras numa só pessoa.
Nascida em 12 de outubro de 1809, no sítio Floresta, em Papari, antiga capitania, hoje Estado do Rio Grande do Norte, no lar do advogado português Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa e de sua esposa Antonia Clara Freire, aquela menina carregava o seu insuspeitado fadário de ser uma das mais destacados vultos da pátria.
Nísia Floresta
A sua primeira infância nada revelou de extraordinário. Correu normal e obscura como passam as crianças do nosso Nordeste. Recebeu, em casa, a instrução rudimentar das primeiras letras. Depois, hauriu os parcos conhecimentos da educação do tempo, num município onde não havia sequer uma escola pública. Seu pai foi o seu primeiro mestre e lhe abriu os horizontes do espírito. Assim, viveu dos dez anos aos quinze de idade, de 1819 a 1824. Começou, porém, a se impor pelo talento privilegiado, a poucos.
Mais tarde, mudou-se para Goiana, no interior de Pernambuco, situada quase a igual distância do Recife e da capital paraibana. Aquela cidade se apresentava como um centro bem mais avançado. Ali, os pendores de Nísia mais se afirmaram. Berço de homens notáveis, alforriou escravos antes da Lei Áurea. Decerto era a influência salutar do conselheiro João Alfredo. Desabrocha, lá a alma daquela jovem, ao calor dos belos sentimentos e das boas idéias. Manifestou-se a escritora e eclodiu o seu patriotismo.
Transferiu-se para o Recife, onde até 1821, não havia uma só livraria. Mas, já havia bom número de escolas públicas e um ambiente de estudos. Familiarizou-se com os clássicos portugueses, em contato com certos intelectuais. Demonstrou preferência por Castilho; devotou-se ao aprendizado do latim. As suas inclinações poéticas levaram-na a descobrir Horácio e Virgílio. Declamava os seus versos. E, como autodidata, aprendeu o francês, primeiro a traduzir, depois até a falar. Chegou ao ponto de verter uma obra inglesa para o idioma gaulês.
Como um pássaro, que deseja voar mais alto, transferiu-se para o Rio de Janeiro. E lá, aos vinte e oito anos, tornou-se professora de francês, de latim e de italiano. Um fenômeno essa moça nordestina, capaz de lecionar também outras disciplinas, já com uma vasta cultura.
O seu pai, sempre foi um homem aberto e não deixava a filha submissa aos preconceitos que trazia a mulher escravizada ao homem. Mesmo assim, convenceu-a a casar-se com Manuel Alexandre Seabra de Melo. Ela o abandonou, em 1824, quando preferiu acompanhar os pais que se mudaram para Pernambuco. As perseguições políticas não lhes permitiram mais viver no Rio Grande do Norte. Já em 1819 tiveram de sair e foram residir em Goiana, onde nasceu um outro filho do casal, Joaquim Pinto Brasil.
Fixaram residência, posterior sucessivamente desta feita se transferiram para aquele Estado, em Recife e em Olinda. Nesta última cidade, Nísia conheceu Manuel Augusto de Faria Rocha. Por ele apaixonou-se e lhe entregou o coração, quando ele era ainda estudante de Direito. Formou-se na velha faculdade, em 1832. Estudioso, tornou-se pessoa culta e viveu dedicado à esposa e às letras, na sua encantadora mas curta vida de apaixonado marido de uma mulher ardente e também apaixonada.
Depois de concluir os seus estudos na Faculdade de Direito de Olinda, o casal seguiu para o Rio Grande do Sul, onde já morava o irmão de Augusto, Antonio Rocha Faria. Nísia já era mãe de dois filhos. O primeiro chamava-se Augusto. O segundo, uma menina, recebeu o nome de Lívia, nascida em 1832. O terceiro foi Augusto Américo, que veio ao mundo em 1833. Em 29 de agosto desse mesmo ano, morreu o seu esposo e amigo, deixando a viúva envolta em eterna saudade.
Mudou-se para a Europa, em busca de cura para a filhinha enferma. No Velho Continente, morou na Itália, na Alemanha, na Inglaterra e na França. Em toda parte, carregada de tristeza, invocava o esposo “que não fez mais que passar um momento sobre a terra, para derramar em seu ser o encanto de uma felicidade cujo segredo ele levou para o céu”.
Em Roma, no dia do aniversário do marido morto (30 de abril de 1858), Nísia escreveu ainda com o coração traspassado de dor, essas belas palavras:
“Jovem colosso de virtudes; tu te abastece na tua vigésima quinta primavera sob a mão inexorável da morte, quando os mais belos destinos, o amor e a pátria te sorriam, com sorrisos mais sedutores! E eu renunciando, desde então, a toda felicidade pessoal, não encontrei senão na minha ternura por nossos filhos, e na felicidade de outrem, consolações e forças para transpor, sem ti, este deserto tão penoso e tão longo, de isolamento do coração”.
Nísia Floresta Brasileira Augusta - esse o seu nome completo - foi uma genial figura humana, sobretudo mulher, esposa amantíssima, mãe exemplar; também educadora de muitos méritos, poliglota, tradutora, escritora, deixou densa obra literária de valor.
Destacou-se, ainda, como abolicionista ardorosa e como nacionalista desassombrada que denunciou o perigo estrangeiro. Seu grito de guerra: “Ou se acaba com o regime dos estrangeiros terem privilégios no Brasil, ou o nosso país nunca chegará aos seus verdadeiros destinos”.
Audaciosa, tornou-se a campeã do feminismo, no país, numa época de terríveis discriminações.
Para combater o cólera-morbos, ceifadora de mais de seis mil vidas, alistou-se como enfermeira voluntária, em 1855, no Rio de Janeiro.
Que mulher extraordinária!
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