ANDRÉ DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
E A CONSPIRAÇÃO DOS SUASSUNA (1801)
Olavo de Medeiros Filho
Olavo de Medeiros Filho
Pretendo, nesta breve exposição, comentar alguns episódios de um acontecimento político ocorrido em Pernambuco, conhecido como a CONSPIRAÇÃO DOS SUASSUNA, precursora da Revolução Republicana de 1817.
Compulsando o volume CX dos “Documentos Históricos da Biblioteca Nacional”, editados pelo Ministério da Educação e Cultura, o pesquisador deparar-se-á com importantes revelações sobre uma devassa ocorrida em Pernambuco, em 1801, instaurada para apuração de responsabilidades na chamada Conspiração dos Suassuna, ou Inconfidência de 1801.
Conforme pude constatar, três personagens participantes da Conspiração dos Suassuna reapareceriam em 1817, no Rio Grande do Norte, como protagonistas da Revolução Republicana.
Em 1799 surgia na localidade de Itambé, lindes da Paraíba e Pernambuco, o Aerópago de Itambé, fundado pelo naturalista paraibano Manuel de Arruda Câmara. O Aerópago foi um centro irradiador da ideologia da Revolução Francesa. Originárias do Aerópago de Itambé, surgiram então em Pernambuco diversas outras sociedades secretas, sob a capa de Academias, a saber: Academia do Paraíso, Academia do Cabo, Academia Suassuna e Academia Pernambucana, compreendendo esta e Pernambuco do Oriente e a Pernambuco do Ocidente.
Segundo foi divulgado à época, tais sociedades secretas chegaram a cogitar da implantação de uma República sob a proteção do imperador francês Napoleão Bonaparte.
A Academia Suassuna foi fundada por Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, no seu Engenho Suassuna, em Santo Amaro de Jaboatão. Francisco de Paula, conhecido como coronel Suassuna, possuía dois irmãos, também envolvidos na Conspiração de 1801: José Francisco e Luís Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque. Os irmãos Suassuna eram filhos do cel. Francisco Xavier Caetano de Magalhães e de Dona Filipa Cavalcanti de Albuquerque.
Em 1801, os irmãos Suassuna ocupavam cargos de destaque na capitania de Pernambuco. Assim, Francisco de Paula comandava as Ordenanças do Cabo. Era ele natural de Itabaiana, casado, morador no seu engenho Pantorra, da freguesia do Cabo. Em 1801, contava Francisco 32 anos de idade. José Francisco era capitão do Corpo de Artilharia da Praça do Recife, encontrando-se em Lisboa, à época em que ocorreu a devassa. Luís Francisco, o terceiro irmão Suassuna, era natural de Santo Amaro do Jaboatão, solteiro, capitão, com 29 anos de idade, morando no seu engenho Suassuna.
Na casa de sobrado dos irmãos Suassuna, em Recife, ocorriam umas reuniões suspeitas, muito concorridas, o que ensejou uma delação feita por José da Fonseca Silva e Sampaio, que revelou o fato de que naquelas reuniões, “se tratavam ideias facciosas e revolucionárias sobre liberdade e mudança de governo”. Estaria em marcha uma conspiração que tinha por objetivo, como já mencionei anteriormente, implantar em Pernambuco uma República sob a proteção de Napoleão Bonaparte. A conspiração, na realidade, não ultrapassou o plano das ideias, não chegando a concretizar-se em atos de rebeldia. A delação abortou o movimento ideológico, ocorrendo então a prisão dos principais acusados.
Por ocasião da devassa de 1801 em Pernambuco, foram inquiridas oitenta testemunhas, inclusive André de Albuquerque Maranhão, apontado por três depoentes como sendo uma das pessoas que entravam com mais frequência na casa dos Suassuna, gozando ademais de muita familiaridade e particularidade com José Francisco de Paula e seus irmãos.
Figuraram também como testemunhas na devassa, José Inácio Borges, “branco, casado, porta-bandeira do Regimento de Linha de Olinda, de 25 anos de idade” e João Alves de Quental “branco, solteiro, morador nesta Vila (Recife), caixeiro de Francisco de Paula Cavalcanti, de 26 anos”.
André de Albuquerque Maranhão, José Inácio Borges e João Alves de Quental participariam, dezesseis anos depois, de fatos relacionados com a Revolução de 1817 no Rio Grande do Norte.
Através do depoimento prestado por André de Albuquerque Maranhão, fica definitivamente esclarecida a dúvida existente, relacionada com o ano do nascimento do senhor de Cunhaú. Ao depor perante as autoridades encarregadas da devassa, no dia 27 de maio de 1801, André de Albuquerque Maranhão declarou-se “branco, solteiro, capitão-mor da Vila Flor e da Vila de Arez da Capitania do Rio Grande do Norte, fidalgo cavaleiro, que vive de agricultura, de 28 anos de idade”. Portanto, teria ele nascido no ano de 1773. Ao falecer, em 1817, contava 44 anos, e não 40 como indicado no seu termo de óbito, registrado em um dos livros pertencentes à Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande.
No seu depoimento, André de Albuquerque Maranhão também esclarece ter residido na Vila do Recife, nos anos de 1800 e 1801, ali levado pelo trato dos seus negócios. Informava André, que saía do Recife “logo de manhã a tratar deles e muitas vezes nem ao jantar se recolhia”.
Um outro norte-rio-grandense, também depoente na devassa de 1801, foi o padre Inácio Pinto de Almeida Castro, irmão de Miguel Joaquim de Almeida Castro, conhecido na historiografia potiguar sob a denominação de frei, depois padre Miguelinho. Em depoimento prestado aos 27 de maio de 1801, o padre Inácio, que nascera em Natal a 30 de agosto de 1766, declarava-se “sacerdote do hábito de São Pedro, vigário na freguesia de Santo Amaro de Jaboatão, onde é morador, natural da cidade do Rio Grande do Norte, comarca da Paraíba, de idade de trinta e quatro anos”. Em 1817, Inácio Pinto de Almeida Castro, que pertenceu notoriamente à Maçonaria, participaria da Revolução Pernambucana.
Em consequência da conspiração, Francisco e Luís Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque gemeram no cárcere quatro anos. José Francisco esteve preso de junho de 1801 a maio de 1802, apesar de nada ter ficado comprovado, no curso da devassa, que pudesse incriminar as pessoas daqueles irmãos Suassuna, no tocante ao trato de “ideias facciosas e revolucionárias sobre liberdade e mudança de governo”. Corre a versão popular de que houve a preponderância do poder social e econômico da família, que teria comprado a peso de ouro a absolvição dos acusados, livrando-os do cárcere, do desterro ou mesmo do patíbulo.
André de Albuquerque Maranhão retornou ao seu Engenho Cunhaú, onde recebeu em 1810 a visita do britânico Henry Koster, renomado autor de “Travels in Brazil”.
Um dos irmãos Suassuna, José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, depois de reconciliado com o governo português, governou a capitania do Rio Grande do Norte, no período de 1806 a 1811. Henry Koster nos fornece uma impressão muito favorável do governador José Francisco de Paula, a quem conhecera quando de sua passagem por Natal, no final de 1810. O antigo conspirador de 1801 exerceu um proveitoso governo na nossa capitania, segundo a unânime opinião dos nossos historiadores.
A Rebelião Republicana de 1817, no Rio Grande do Norte, foi liderada pelo coronel de milícias André de Albuquerque Maranhão, Senhor do Engenho Cunhaú, aquele mesmo frequentador da casa dos Suassuna nos anos de 1800-1801.
No dia 25 de março, no Engenho Belém, localizado no atual município de São José de Mipibú, André de Albuquerque prendeu o governador da capitania. Incidentalmente, o governador deposto era aquele mesmo José Inácio Borges, que fora chamado a depor na devassa de 1801. Em 1817, José Inácio furtou-se aos compromissos assumidos com os chefes revolucionários de Pernambuco. Segundo o historiador Câmara Cascudo, Borges foi “desde os primeiros momentos, um adversário da revolução de 1817, que ele chamou, com justiça, árvore sem raízes”.
No curto período de 29 de março a 25 de abril de 1817, André de Albuquerque Maranhão chefiou o governo republicano instaurado no Rio Grande do Norte.
Um outro participante daquela conspiração de 1801, que se encontrava residindo em Natal naquele ano de 1817, foi João Alves de Quental, o antigo caixeiro de Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque. Quental achava-se convertido em prestigioso proprietário em Natal, onde exercia um destacado emprego público e explorava uma olaria no bairro da Ribeira, à margem do Potengi.
Como sabemos, André de Albuquerque Maranhão foi ferido a golpe de espada, na manhã do dia 25 de abril, fato que coincidiu com a sua deposição pelas tropas realistas, que encerraram assim o seu curto período governamental iniciado no dia 29 de março. André veio a expirar na madrugada do dia 26 de abril, no cárcere da Fortaleza dos Reis Magos.
João Alves de Quental foi protagonista de um triste episódio descrito por Isabel Gondim, ocorrência que envolveu o cadáver do inditoso André de Cunhaú:
“Quando foi posto em terra o cadáver, no primitivo corredor da igreja matriz, onde teve sepultura, um cavalheiro monarquista, J. A. de Quental, para melhor assinalar-se, por certo ao seu partido, tomando as esporas, subiu ao corpo da ilustre vítima que pisou com a sola dos seus sapatos e esporeou-o, como fazia à própria cavalgadura, ato de canibalismo com que o desumano monarquista queria persuadir que cortaria à esporas as entranhas dos patriotas, a quem dava também a alcunha de cavalos. De procedimento tão digno alardeava depois, provocando o ressentimento da família do inditoso Albuquerque, a qual pretendeu vingar essa afronta depois, quando houvesse modificação na fase política”.
Dentre todos os conspiradores de 1801, envolvidos na Revolução Republicana de 1817 no Rio Grande do Norte, somente André de Albuquerque Maranhão manteve-se integralmente fiel aos ideais republicanos defendidos nas academias secretas de Pernambuco.
O prematuro desaparecimento de André foi providencial para os participantes da Rebelião de 1817, pois, sobre um único protagonista desabaram as incriminações feitas pelos demais envolvidos no crime de lesa-majestade. André de Albuquerque levou para o túmulo, segredos que poderiam acarretar a desgraça de certos monarquistas exaltados, que pupularam depois de 25 de abril... O assassínio de Andrezinho livrou muita gente envolvida na rebelião, de cair nas mãos da implacável justiça real...
O cadáver daquele herói revolucionário jaz no primitivo corredor da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande, na Praça André de Albuquerque em Natal. O referido corredor corresponde ao central dos dias atuais.
Requiescat in pace!
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Publicado na Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, nº 25, vol. 37, Natal, janeiro de 1996, págs. 133-136.
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