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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS SECAS DO NORTE


Dr. Adolpho Bezerra de Menezes


Há muito tenho em mente tratar minuciosa e detidamente da questão que serve de epigrafe a este pequeno trabalho.
A falda de tempo, porém, e a circunstância de parecerem removidas as causas das secas, visto terem as estações corrido regularmente nestes últimos 32 anos, me embargaram os desejos.
Hoje não disponho de mais tempo, mas tendo infelizmente desaparecido a circunstância indicada, sendo a ocasião oportuna pra tratar-se de tão importante questão, resolvi por mãos à obra, na ideia de que não será de todo inútil esse meu fraco esforço.
Não me tendo aparelhado com os estudos científicos que a matéria requer, e nem mesmo com os dados práticos, que são as contraprovas essenciais dos princípios da ciência, compreende-se que o meu fim não é colher glórias pelo bem acabado do trabalho, senão levantar a lebre para que os mais peritos a possam correr no interesse de seus nomes, porém, mais particularmente, no interesse dos infelizes que são hoje vitimas do abandono em que se tem deixado um objeto de tanta magnitude.
Este trabalho, eu o dividi em duas partes distintas que compreendem as duas principais faces da questão que lhe serviu de motivo. São: a parte que trata das medidas ora reclamadas para se debelar o flagelo que assola as províncias do Norte; e a que trata da investigação e dos meios de remoção das causas que determinam o aparecimento desse flagelo.
Curar do presente e prevenir o futuro.
Se as ideias que nele emito, sem estudo prévio, e dominado somente pelo pensamento de aproveitar a oportunidade, merecerem alguma atenção dos homens competentes e dos que têm a direção dos negócios públicos, terei o incentivo, não só para discuti-las, como para, mais tarde, imprimir-lhes o cunho do estudo e da reflexão de que ora carecem.
Se, porém, passaram desapercebidas, como é de presumir, ficarei contente com a satisfação intima de ter procurado ser útil, na de minhas forças, ao meu país e aos que estão sofrendo torturas físicas e morais, que mal podem avaliar os que apenas lhes ouvem a narração.
Para se poder fazer ideia precisa do que seja uma seca, dessas que são o extermínio de populações inteiras, é necessário que se tenha prévio conhecimento das estações normais, na zona em que se dá aquele fenômeno.
Entre os rios S. Francisco e Parnaíba, no imenso território que compreende parte das províncias da Bahia, de Pernambuco e do Piauí, e a totalidade das que lhes ficam no centro – o Ceará, o Rio Grande do Norte e a Paraíba, não se conhecem as quatro estações do ano, como nos demais países.
Ali, em tempos regulares, não há senão duas estações bem caracterizadas: a das chuvas, que é conhecida pelo tempo de inverno; e a da falta de chuvas, conhecida pelo tempo de seca.

Dr. A. Bezerra de Menezes

Em toda aquela vasta região, as águas do céu só caem durante a primeira estação, que regula, mais ou menos, pelo tempo que vai de janeiro a junho, sendo muito frequente começar em fevereiro, e até em março, na aproximação do equinócio.
Nos meses restantes do ano não cai gota d’água, pelo que as árvores se despem de suas folhas, os rios interrompem seu curso, deixando a distâncias depósitos d’água, chamados poços, onde se conservam todas as espécies de peixe, e os campos ficam cobertos de capim seco, que serve de pasto aos animais.
Se em qualquer ano chover regularmente durante quatro meses de inverno, a lavoura daquela ubérrima zona está abundantissima; o pasto para os animais de criação não faltará; e não faltando esses dois elementos do bem-estar e da riqueza daqueles povos, tudo terá ocorrido como em poucos lugares do mundo.
Por este ligeiro quadro reconhece-se: que, no Norte, ao invés do Sul do Brasil, deixa regularmente de chover de 6 a 8 meses por ano; e que essa seca normal não faz sentir o menor incomodo ou prejuízo.
E muito pelo contrário, prejuízo haverá se na estação da seca, e muito antes do inverno, houver chuvas temporãs; porque essas, não dando para criar-se pasto novo, lavam o que havia – fazem-no por isso, apodrecer – e por tal arte reduzem os animais à penúria de alimentação.
Há, portanto, diferença profunda entre as condições meteorológicas do Sul do Império e do Norte até Piauí.
No Sul chove todo o ano; e se deixar de chover por um mês tudo sofre. No Norte chove, quando muito, metade do ano: e se acontecer chover, na outra metade, é que haverá dano.
No Sul há uma primavera constante. No Norte as galas da natureza somente se ostentam por 4 a 6 meses, não se divisando, no resto do tempo, senão campo que, por ilusão ótica, parecem cobertos de fumaça, e em que apenas se destacam, quebrando a tristonha monotonia daquele panorama, fitas de alegre verde, que demarcam o percurso dos rios, ora transformados em longas estrias brancas de areia.
Agora que já conhece o leitor, pela sucinta descrição que ai fica, o que são e como se sucedem as estações do Norte; vejamos o que é a seca, essa que, mais que um guerra de extermínio, leva a miséria, a desolação e a morte ao seio de imensas, ricas e felizes populações.
Suponhamos que, passando a estação seca de um ano, de 6 a 8 meses sem chuva, como foi dito, chega o tempo próprio destas para a renovação da colheita e dos pastos; e que, em vez dessa estação, ansiosamente esperada, prolonga-se a seca por todo o tempo que devia ser de inverno, e vai emendar com a seguinte estação seca, que devia seguir-se à das chuvas, que não houve.
Suponhamos, mesmo, que o inverno não foi completamente sem chuvas, mas que estas não foram suficientes, nem para criar o novo pasto, nem para fazer vingar a nova lavoura.
Temos, então, que, durante três estações seguidas, isto é, por ano e meio, deixará de cair chuva, ou só cairão insuficientes.
É nestas condições que se dá o que se chama a Seca do Norte, esse flagelo daqueles míseros povos, que se traduz pela morte dos animais de criação, à falta de pastos; pela penúria d’água, porque os mesmos poços dos rios secam; pela emigração dos povos dos sertões, onde faltam todos os elementos de vida, para as costas do mar, onde podê-los-ão obter; pela morte, à fome e à sede, na longa e árida travessia; pela acumulação nas cidades marítimas de toda a população dos centros, que logra escapar à vida dolorosa; pela peste, que sempre se desenvolve no meio dessas aglomerações humanas, que não têm, nem podem ter, os cômodos e as condições higiênicas; pela miséria geral e até pela prostituição em larga escala, porque há, nesses tempos calamitosos, quem especula com as desgraças de um povo inteiro, para fazer fortuna; assim, como há almas danadas, que coagem a inocência faminta a vender-lhes a honra por um pedaço de pão!
Oh! É preciso ter assistido a essas cenas, ter passado no meio delas, para poder fazer ideia de todo o seu horror!
Quantas famílias ricas e felizes não se viram, em 1845, reduzidas em suas fazendas por não terem um grão de farinha; e forçadas pela fome a deixarem o lar; e, sem meios de condução, fizeram a pé, velhos, donzelas e crianças, o longo caminho para uma cidade marítima; e nesse caminho comeram, como cães, ossos e couros de animais mortos; e, no termo de tão horrenda viagem, depois de terem apertado aos seios os cadáveres dos inocentes e caros filhinhos, vitimas da inanição, passaram por dor maior: a de verem suas caras filhas, educadas com todo o zelo e amor, prostituídas à... fome!
Só quem, viu, como o que escreve estas linhas, o quadro lúgubre e aterrador de uma seca, é que poderá fazer juízo do que é esse flagelo, que Deus suscita de tempos em tempos, e que agora vai pesar sobre os desgraçados habitantes das províncias do Norte.
A seca para esses povos não é somente a perda da fortuna que a uberdade inexcedível de seu solo em poucos anos restabelece.
A seca é principalmente para eles a morte, que não tem reparação, e a perda da honra que vale por mil mortes.
À vista do lutuoso espetáculo, que deixei esboçado, não há coração que se não confranja;. Não há espírito que se não eleve ansioso à procura dos meios de sanar tão grandes males.
Não de trata da ruína de um particular, a que, alias, não pode ser indiferente uma sociedade bem constituída. 
O mal, de que se trata, afeta profundamente os mais vitais interesses de todo o país; há de necessariamente influir sobre todos os que nele vivem, nacionais ou estrangeiros.
Quatro províncias do império e grande parte de mais duas arcam com a miséria, e serão reduzidas a grandes desertos, em troca da imensa produção, que daí nos vem, se o governo central, que é a única força real de nossa terra, e se os povos das outras províncias, felizmente livres do flagelo, não estenderem àqueles desgraçados, pronta e eficazmente, suas mãos protetoras.
O auxílio tardio e insuficiente nem previne os males, nem remedeia a maior parte deles.
Com muito menos esforço e sacrifício se consegue, intervindo a tempo, o que todos naturalmente desejam, do que se adiarmos para mais tarde as medidas de salvação.
E quem perderá mais com o desbarato que se nos anteolha.
Certamente não será a circunscrição batida pela seca, mas o país, em globo, que verá paralítico um de seus mais valentes braços, na luta pelo progresso e pelo engrandecimento comum.
Pelas noticias que nos chegam do norte, vemos: que o pânico é geral, mas que a fome apenas começa a fazer sentir seus estragos.
E não pode ser de outro modo, porque os habitantes dos sertões, que são os que sofrem da seca, premunem-se, todos os anos, com gêneros trazidos das serras, que é onde se faz a lavoura, tanto quanto lhes têm para esperarem pela colheita do ano seguinte.
Sendo assim, devem eles ter recolhido aos seus depósitos fruto da colheita de 1876, tanto quanto chegasse até poderem colocar, nesses depósitos, os gêneros da colheita do ano corrente.
Ora, a colheita de um ano não é preparada, nem os sertanejos a podem transportar das serras, senão depois de passadas as águas, senão depois de junho, quando os caminhos já estão francos aos cargueiros.
Logo, em sua maior parte, pelo menos, as populações do centro ainda têm provisões.
E, pois, a emigração que começa não é ainda o efeito da necessidade presente, senão o resultado de prudente prevenção.
Certos de que não lhes é mais dado esperar, em seus lares, a renovação de suas provisões, os povos dos lugares centrais começam, enquanto é tempo, sua retirada para os lugares onde possam haver os recursos necessários à vida.
Se lhes fosse dada a esperança de socorros, mesmo fracos, naqueles lares ou proximamente, nada podê-los-ia arrancar deles; porque tem ali os precisos cômodos de que se verão completamente privados nessas cidades de refúgios e porque, não saindo, evitariam os perigos e sofrimentos de uma penível viagem, com todos os penates, e os que ainda são maiores, os da localização em lugar estranho e no centro de uma massa enorme de gente desconhecida a faminta.
Há, pois, ainda, meio de evitar-se a calamidade da emigração, que é seguramente maior que a da seca.
E ao governo não é indiferente deixar que os povos dos sertões permaneçam em suas localidades, ou emigrem para as cidades marítimas; visto como essa emigração trará a aglomeração, e a aglomeração multiplicará a miséria e produzirá epidemias, que arrasarão aquelas cidades.
Para quem quisesse despovoar províncias inteiras, não haveria meio mais seguro do que fazer concentrar toda sua população em quatro ou cinco pontos, embora lhe fossem aí distribuídos, mesmo em profusão, os recursos de alimentos necessários à vida.
Nas atuais emergências, se o governo não julga a seca do Norte, coisa de pouca monta para o país, que certissimamente não julga, se quer prover do melhor modo para que seus estragos sejam o menos que for possível, parece-me que o expediente a tomar é: providenciar com a maior prontidão e energia, no sentido de evitar a emigração.
Como, assim, perguntar-me-ão os que julgam as coisas sem estudá-las por todas as faces?
Como poderá o governo prender, no centro dos sertões, as populações que, não contando mais com os necessários recursos, se aparelham para desertarem dali?
Vou responder em poucas palavras, porque me dirijo, neste ponto, unicamente aos honrados ministros da coroa, e para eles não preciso descer a deduções.
Se o governo, ocupado com a política, atento às parlengas do parlamento, deixar correr o tempo, até que os últimos depósitos de viveres do ano passado se tenham esgotado; e se, depois, ou mesmo antes disso, mandar viveres para as cidades marítimas das províncias invadidas pela seca; o governo nem só não terá poder para reter os povos dos sertões, como ainda terá sido o primeiro a atai-los a essas cidades, onde tiver estabelecido os seus celeiros.
Nesta hipótese, as poucas cidades marítimas da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará recolherão em seu seio toda a população dessas três províncias.
Ora, só o Ceará, cuja população é de 800 mil almas, e cujas cidades marítimas são apenas quatro, verá acumulados, em cada uma daquelas cidades, pelo menos, 100 mil emigrantes.
Nesta hipótese, as condições de vida encarecerão para os habitantes das próprias cidades, que precisarão esmolar também; as condições de saúde serão péssimas, como já ficou dito e é bem sabido; e o governo terá de manter, ou de deixar morrer à fome mais de 400 mil almas, só naquela província.
Ora, quanto será preciso para manterem-se, por espaço de um ano, mais de 400 mil pessoas?
Que o diga a Inglaterra, a quem pesou tão grave encargo, e de que se saiu dignamente, não deixando que houvesse a lamentar grandes desgraças, quando a fome assolou milhões de almas em suas possessões da Índia.
Dispêndio imenso, superior às forças da nação, e, apesar dele, perdas inúmeras senão pela fome, ao menos pelas epidemias; tais serão as consequências da hipótese figurada.
Vejamos, porém, a questão por outra face.
Desprendendo-se dos enleios políticos, o governo sente que o país está ferido gravemente, e que lhe corre o imprescritível dever de acudir com todas as forças a curar-lhe a chaga.
Atento a tão imperioso dever, não se limita a salvar aparências, procura, com sentido interesse, salvar mais de um milhão e meio de brasileiros; estuda os vários modos de velar-lhes auxilio; e prefere fazer maiores sacrifícios, contanto que colha melhores resultados.
Conhecendo todos os males da emigração e da aglomeração dos povos acossados pela seca, adota o plano de distribuir seus recursos de modo que os habitantes de uma província não precisem recorrer a outra nem congregarem-se em quatro ou cinco pontos da mesma província.
Nesta hipótese, e tomando por exemplo a província do Ceará, que melhor conheço, o Governo faria celeiros na Capital, no Aracati, em Sobral e na Granja; e daí proveria depósitos filiais em S. Bernardo, Riacho do Sangue, Icó, Inhamuns, Quixeramobim, e mais um ou outro ponto que, com Baturté, Ibiapada e Cariris, forneceriam recursos a todos os sertões.
Nesta hipótese, mesmo que alguma gente precisasse deixar sua vivenda, curto caminho teria de atravessar, e as acumulações seriam em pequena escala, em razão da multiplicidade dos pontos de recursos.
E se a distribuição fosse feita, pelo mesmo plano, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, os povos dessas três províncias, que são as mais flageladas, sentiriam, sim a perda de bens da fortuna, que ao Governo não é dado livrá-los desse mal; mas certamente não sofreriam as lúgubres consequências da emigração em massa e da acumulação dessas massas em determinados lugares.
Muito bem, dir-me-ão. A coisa teoricamente não pode ser mais insinuante; mas praticamente, quem nos garante sua exequibilidade?
Como poderá o Governo fazer chegar viveres aos depósitos centrais, através dos sertões assolados pela seca?
Em 1845, última seca que tivemos, e da qual guardo triste memória, a vila da Maioridade, hoje cidade da Imperatriz, no Rio Grande do Norte, foi sempre suprida de gêneros alimentícios, vindos dos portos de Açu e de Mossoró, distantes daquela vila cerca de 40 léguas, de completo sertão.
Com isto quero provar que, se em 1845 a indústria particular pôde vencer o sertão, com os recursos que este lhe forneceu, e que são: o joá e o xiquexique, rama e espinheiro que nunca faltam, e que são excelente alimento para os animais de carga; com maioria de razão podê-lo-á vencer o Governo, que dispõe de outros meios, e hoje que tem, para alimento das bestas de carga, a alfafa, que em 1845 não era conhecida.
Creio que entre as duas hipóteses, que figurei sobre o modo de socorrerem-se os flagelados da seca, não há de vacilar na escolha da segunda; mas inútil será sua adoção, se o Governo deixar que o pânico de uns e a necessidade de outros produzam o mal da emigração, antes de chegar o remédio.
Se assim, acontecer, não vejo força humana capaz de frustrar a maior catástrofe, que poderia sobreviver ao país na atualidade.
Veja o Governo que sofre sua consciência pesa hoje a maior responsabilidade.
Lembre-se do modo heroico como procedeu, há bem pouco tempo, o governo britânico, em circunstâncias análogas.
Não queira por uma hora de descanso, entregar à morte, pela fome ou pela peste, milhares de brasileiros que deixaram após si milhares de outros ainda mais infelizes.
Do que ficou dito se tira o remédio para o presente; mas é intuitivo que tal remédio não cura o mal pela raiz.
A cura radical seria o banimento das condições que determinam as secas, isto é, o emprego de meios que garantam as chuvas todos os anos.
Essa é a questão que importa com o maior empenho; porque, se é urgente curar dos efeitos, não é menos necessário remover as causas.
E a província do Ceará, principalmente, merece bem alguns sacrifícios de parte da nação; porque incontestavelmente é uma das estrelas da nossa constelação política que maior esplendor lhe dá.
Não somente o solo dessa província é dos mais férteis que se conhecem, tanto que com quatro meses de chuva, por ano, produz abundância tal, como não há em outra parte do Brasil; como ainda o gênio ativo e empreendedor de seus filhos os torna uma das exceções preciosas do gênio brasileiro em geral.
O cearense foi o primeiro e único, no Brasil, que resolveu o magno problema do trabalho livre.
A indústria agrícola, hoje explorada em larga escala naquela província, é feita, há muitos anos, sem a intervenção do braço escravo.
O cearense foi o primeiro, no país, que adotou o sistema métrico decimal.
Quando a própria Corte lutava com dificuldade para introduzir no uso público aquele sistema cientifico, já o Ceará o tinha generalizado por toda a sua população.
O cearense, enfim, tem feito o seu progresso, que já é notável pelo desenvolvimento de suas indústrias, por seu próprio esforço, como um verdadeiro povo americano.
E a prova é que, lutando com inúmeras dificuldades naturais para o desenvolvimento de seus elementos de riqueza e engrandecimento, tem-nos explorado paciente e tenazmente, ao ponto de já ser hoje, um dos principais produtores de café, de algodão e de borracha, sem que o governo o tenha auxiliado, sequer, com o melhoramento de seu porto, por onde se faz um importante comércio com o estrangeiro.
Uma província que marcha assim, por seu próprio impulso, na vanguarda do progresso da nação, não é, por certo, matéria vil que não mereça dessa nação algum sacrifício, para ajudá-la a sacudir o julgo fatal de uma força, que não está em seu poder repelir; e que, abatendo-lhe o ânimo viril, retarda-lhe a marcha, prejudicando, há um tempo, seu próprio engrandecimento e o engrandecimento do país; porque a grandeza do Brasil é a soma das grandezas de cada uma das províncias que o constitui.
Ensaiemos, pois, todos os que prezamos uma grande causa e um nobre povo, nossas forças no intuito patriótico de descobrirmos a fonte do mal que o vexa, e no de removermos esse mal, que a todos nos afeta.
Duas são as condições gerais, reconhecidas pela ciência, para que haja chuva: aglomeração na atmosfera, de uma certa massa de vapores aquosos e existência, no lugar dado, de uma temperatura mais baixa do que aquela em que tais vapores se formaram.
Daí resulta que se não houver vapores na atmosfera daquele lugar, embora sua temperatura seja baixa, não haverá chuva; e que também não havê-la-á, se, existindo embora grandes massas de vapores, a temperatura for mais elevada do que a em que esses vapores se formaram. É conveniente saber que os vapores aquosos se formam em todas as temperaturas, desde 0 e mesmo abaixo de 0, até a da ebulição da água.
Desses princípios decorre que, nas regiões onde não houver grandes massas d’água a atmosfera só conterá vapores de empréstimos, transportados de outras regiões.
E mais que, se essas regiões de onde saem os vapores não tiverem o mesmo clima da que os recebe, haverá aqui chuvas constantes, se elas forem mais quentes; e muito rara e dificilmente havê-las-á se forem mais frescas.
Estabelecidos os princípios, apliquemo-lhos. A zona compreendida pelo S. Francisco e Parnaíba não tem rios de corrente perene – não tem lagos – durante 6 a 8 meses no ano não tem de onde se formem vapores próprios; está, pois, na dependência das vizinhas de onde os recebe por empréstimo.
Ora, as vizinhas são as do Sul, naturalmente mais frias, ou por sua posição geográfica ou pela grande abundância de rios e de lagos, que lhe refrigeram a atmosfera; e a do Norte, que, apesar da elevação de sua temperatura, conta imensos rios, a par de inúmeros lagos, de onde se eleva uma evaporação constante.
Temos, pois, que os vapores trazidos do Sul, só por exceção encontrarão, em sua passagem pela zona de que se trata, a condição essencial para sua condensação.
Se as províncias da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará só tivessem suprimento do lado do Sul, poderíamos assegurar que, só por singular coincidência, teriam chuvas.
Felizmente, demora ao N. delas o grande vale do Amazonas, região, cálida, mas rica em excesso de massas de água.
Os vapores que se formam nessa vasta região formam-se, pois, em prodigiosa quantidade e em temperatura geralmente elevada; e, portanto, quando atirados para a zona que compreende as províncias citadas, facilmente encontrarão aí a condição precisa para condensarem-se e darem chuva.
Se houvesse ventos constantes do Norte no tempo em que o sol, descaindo para os trópicos, faz baixar a temperatura daquelas províncias, poderíamos assegurar que os invernos ali seriam infalíveis.
E tanto é verdade que, no tempo da seca, isto é, na estação calmosa do ano, qualquer que seja o vento reinante, não cai nem gota d’água.
É que a temperatura elevadíssima daquela estação não permite a condensação dos vapores que passam, oriundos do Sul ou do Norte, mas em todo o caso sempre formados em temperatura relativamente mais baixa.
E tanto é verdade, que, no tempo fresco, se o vento dominante é Sul, pouco ou nada chove; e se é Norte, chove abundantemente.
É que o vapor do Sul vem em temperatura ainda mais baixa, ou quando muito igual a das três províncias, naquela estação; e que o do Norte vem, como é natural, em temperatura mais elevada, ainda que seja 1 ou 2 graus.
E tanto é verdade, finalmente, que ainda quando se acumulam grandes massas de vapores, que prometem dar chuva, e que começam mesmo a condensarem-se, tudo se desfaz, desde que o vento Norte é substituído por outro, como tem acontecido este ano, segundo no-lo afirmam os jornais.
Temo, pois, que as chuvas, na região que nos ocupa, não são o resultado da condensação de vapores próprios; são chuvas de empréstimo, que lhe vêm principalmente do Norte; e que, portanto, é preciso que se dê uma verdadeira coincidência, para que elas caiam; e vice-versa: que a falta daquela coincidência, determinará a falta de chuva e, consequentemente, a seca.
Vejamos, agora, o que seria, se as chuvas nas províncias, ora flageladas, em vez de serem de empréstimo, fossem próprias.
É de primeira intuição, em face dos princípios já firmados, que, se a zona compreendida entre os rios S. Francisco e Parnaíba houvesse de que se formar grande e constante massa de vapores, não só dispensaria essa zona os empréstimos, tendo de seu; como sendo tais vapores formados em sua temperatura elevadíssima, dariam infalivelmente chuva, sempre que essa temperatura sofresse qualquer alteração para a baixa.
E, como todos os anos, o afastamento do sol produz necessariamente um sensível abaixamento, seria de rigor que todos os anos houvesse chuvas, durante a estação fresca, qualquer que fosse o vento reinante.
Assim, os vapores próprios não precisam, para chuva, da coincidência acima dita; estão, por assim dizer, sempre à mão, para a ocasião oportuna.
A atmosfera está carregada de grandes massas formadas no tempo do calor, massas que, embora os ventos carreguem, se refazem imediatamente – entra o tempo do fresco – a temperatura abaixa – chegou a oportunidade – o material estava preparado-o efeito se manifesta forçosamente.
Pelo empréstimo, se o fato se der, de serem os vapores, que atravessam a zona em questão, em sua estação fresca, formados em mais baixa temperatura, teremos seca.
Pelo empréstimo só haverá inverno, ou chuvas, quando na estação fresca passarem vapores formados em temperaturas mais altas.
Compreende-se bem que são casuais, ou providenciais, as condições de inverno em semelhante zona.
Pela formação de vapores próprios, tudo é diferente.
Nem faltarão vapores no tempo próprio – nem poderão esses vapores ficar inertes; porque oriundos de uma temperatura mais elevada, hão de necessariamente condensarem-se em temperatura mais baixa.
Compreende-se, pois, que, em tal caso, o inverno, longe de ser casual, ou providencial, é a consequência de uma lei natural, que não falha, que não pode falhar. O inverno é um fenômeno fatal.
Em resumo:
A causa das secas periódicas do Norte é a falta de vapores próprios; é, consequentemente, a falta de grandes massas d’água que os produzam.
Ficou dito:
A causa das secas do Norte é a falta de vapores próprios; é, consequentemente, a falta de grandes massas d’água que os produzam.
Logo, o meio de acabar com semelhante flagelo não pode ser curto senão o de fazer-se, na zona compreendida pelo S. Francisco e Parnaíba, grandes depósitos d’água, que nivelem, sob esse ponto de vista, como sob o ponto de vista meteorológico são niveladas as províncias da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará com as do Maranhão, do Pará e do Amazonas.
Eis o remédio do grande mal; eis a medida de futuro, que abrirá àquela região, talvez a mais fértil do Brasil, ricos e esperançosos horizontes.
Nem foi outro o alvitre lembrado por Lesseps para remover as secas da Argélia; alvitre que não teve execução, por causa da guerra da Prússia, que embaraçou-lhe a iniciação e deixou-o como em esquecimento.
Lesseps propunha formar no centro do Saara um imenso lago, cuja bacia, tendo nível inferior ao do oceano, receberia deste os preciosos sortimentos, por meio de um canal.
E, além de já ser esse modo reconhecido ultimamente pelos homens profissionais, como o remédio eficaz do mal das secas nas regiões como a nossa, temos ai dois fatos, um que pouco conhecem, e outro que já é bem conhecido, os quais provam, com a experiência, a verdade do principio em questão.
O primeiro deu-se no Ceará e por isso tem uma significação especial.
O finado senador Alencar, desejoso de ser útil à sua província natal, aproveitou o ensejo de presidi-la, creio que em 1838, para lhe prestar o maior serviço que lhe podia ela dever – a debelação das secas.
Compreendendo, ao que parece, do mesmo modo por que eu compreendo, a verdadeira causa daquele fenômeno, aplicou sua atenção para o mesmo fim que eu proponho – criação de fontes para vapores próprios.
Nesse intuito, deu pleno desenvolvimento à lei, pela qual a província garantia 5$ por braça linear de açude de pedra e cal; e 2$500 por braça de açude de terra.
Os habitantes dos sertões, levados por esse interesse, que não valia pouco, porque, tendo pedreiras de cal à porta e por toda a parte, faziam sem dispêndio os açudes e recebiam a contribuição da província, aceitaram a ideia com satisfação, e puseram mãos à obra.
Lembro-me que em pouco tempo a estatística oficial consignava a criação de 600 ou 800 açudes, que valiam pela criação de outros tantos lagos perenes de 1 e 2 quilômetros de extensão e de 2 e 3 metros de profundidade.
Essas represas traziam três grandes vantagens, que certamente, não escaparam à grande inteligência daquele ilustrado e benemérito brasileiro: davam os vapores para as chuvas, seu fim principal; forneciam água em abundância para os animais de criação, o que não se dava antes delas; e fertilizavam as margens dos rios, acima, e abaixo, onde, mesmo pelo tempo seco, se faziam grandes plantações de cereais e frutas.
Com a retirada de Alencar, seus sucessores, estranhos à província e somente ocupados com a política, abandonaram a nobre ideia a seu destino, e a lei das subvenções ou foi revogada, ou deixou de ter execução.
A ideia, porém, tinha feito caminho, como sói acontecer a tudo o que é de si grande; e a criação dos açudes continuou, mesmo sem subvenção; porque o povo, embora não compreendesse o intuito cientifico, experimentou, entretanto, a grande utilidade que ela lhe trazia, sob os outros dois pontos de vista indicados.
Senão com o mesmo ardor, ao menor com incessante desenvolvimento, foi a iniciativa particular levantando novos açudes, ao ponto de quase não haver fazenda que não tenha um, como nos diz o ilustre e incansável Sr. Senador Pompeu.
Este é o fato; agora seus efeitos.
Apesar de não compreender aquela medida senão uma das seis províncias da zona árida batida pelas secas, o que quer dizer que seus efeitos perderam-se na imensidade da mesma zona.
Apesar de, mesmo na província, onde teve aplicação, não compreender, como é fácil julgar, senão a milésima parte da sua extensão.
Notou-se, entretanto, o seguinte: Do meado do século passado para cá, que é o período sobre que se tem conhecimento seguro, houve, além dos anos escassos de chuvas, estas secas bem caracterizadas: 1772, 1778, 1792, 1809, 1817, 1825, uma outra cuja data me escapou, a 1845.
Por este quadro vê-se que os intervalos de uma à outra seca eram diminutos, regulavam de 6 a 14 anos.
Pois bem, vieram as medidas de Alencar, e, conquanto em proporções mínimas, a província começou a ter sua estações mais regulares – seus invernos mais longos e nutridos – e as secas se espaçaram tanto que, de 1845 para cá, é a deste ano a primeira que aparece.
E, assim mesmo, o povo explica o fenômeno atual pelo arrasamento dos açudes, causado pelas descomunais enchentes do ano passado.
O que seria, se, em vez de 2.000 açudes o Ceará contasse 10, ou 100 vezes esse número, para o que tem proporções, visto ser todo o seu solo cortado de rios; o que explica o fato da compacidade de sua população?
O que seria, se, em vez de só aplicar-se aquela medida ao Ceará, se tivesse feito extensiva a todo o sertão da Bahia, de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Piauí?
Se isso fosse, dar-se-ia o mesmo que no Maranhão, no Pará e no Amazonas, onde, apesar de um clima ardente, nunca faltam as chuvas, devido só às grandes massas d’águas que possuem.
O segundo fato é o do Artois em França.
Essa antiga província da velha monarquia dos Capetos sofria os mesmos rigores das nossas províncias do Norte.
Não tinha fontes de evaporação que lhe dessem atmosfera aquosa própria: vivia de chuvas de empréstimo; era o Saara da França.
O governo daquela grande nação, compreendendo a causa do mal, empenhou-se em removê-la; e, nesse intuito, mandou abrir em larga escala poços artesianos, e, a favor deles, fez vasta plantação de arvoredos.
Hoje o Artois é o celeiro da França.
Fica, pois, fora de dúvidas, que o meio mais, eficaz de debelar as secas do Norte é criar, ai, na mais larga escala, grandes depósitos d’água, como imaginou e deu principio de execução o Senador Alencar; e, mais fazer acompanhar essa medida de outras, que garantam a conservação de matas existentes e que promovam a plantação de novas, na maior proporção possível, como fez o governo francês no Artois e como o imortal José Bonifácio praticou, com vantajossíssimo resultado, em Portugal.
São estes incontestavelmente os meios.
Agora o modo de executá-los.
É obvio, pelo nosso sistema administrativo, que às municipalidades cabe o encargo de realizar, em seus respectivos territórios, as duas grandes medidas salvadoras.
Mas também é óbvio, pelo sistema de centralização que tem sufocado todas as forças vivas do país, que aquelas corporações, amesquinhadas material e moralmente, não têm senão a força precisa para completarem a sua própria ruína.
Ao governo, pois, e só a ele, que tem chamado a si todo o poder e vitalidade da nação, e sem cujo bafejo nada vinga, e se vinga não frutifica, cabe de rigor aquele e nobre encargo.
Entretanto, força é confessar: nem o governo dispõe dos recursos necessários a tamanha empresa; nem, que dispusesse, pode prover daqui à execução do grande plano.
Só os poderes locais, que são os mais interessados, poderão convenientemente desempenhar a difícil missão.
A meu ver, diante desse desencontro entre o poder real e a verdadeira competência, só há um meio para chegarmos ao fim que desejamos: é a coalizão dos poderes geral, provincial e municipal.
Faça-se uma lei incumbindo ao governo do país, ao das províncias e às Câmaras Municipais da magna tarefa.
Prescrevem-se as atribuições de cada um na matéria. Determine-se de onde devem sair os recursos e a parte que deve cada um ter, quer na sua aplicação, quer na execução das outras medidas para o mesmo fim.
E tudo irá bem, dando quem pode dar e trabalhando quem não tem o que dar.
Sobretudo, não se esqueça o elemento, talvez mais poderoso de sucesso – a iniciativa individual – de que tão benéfico resultado tirou o Senador Alencar.
Com efeito, não é preciso demonstrar a impossibilidade, para o Estado, de arborizar somente, quando não fosse preciso alargar, também, a grande zona entre o São Francisco e o Parnaíba.
Assim como não é preciso demonstrar quão fácil se lhe tornará realizar esses dois imensos serviços, entrando, apenas, como auxiliar do particular.
Mas, qual o melhor modo de alargar a zona batida pelas secas, em razão da falta d’água de represa ou de correntes perenes?
Em meu fraco entendimento, julgo que não há de vacilar na escolha.
A zona em questão presta-se à criação de açudes, por toda a parte, em número infinito, e com insignificante despesa; entretanto, o poço artesiano será de muito mais difícil e dispendiosa construção, porque terá de descer muito no seio da terra, para encontrar a corrente, liquida subterrânea daquelas paragens, se contudo a encontrar facilmente.
Um açude, todo o fazendeiro está no caso de fazer; o poço só pode ser feito por quem tenha habilitações especiais.
Um açude pode ser feito em dias; um poço precisa às vezes de anos.
Pode-se cobrir a zona, em questão, com açudes, em 10 ou 20 anos; para chegar-se ao mesmo resultado, por meio de poços, será preciso o decuplo desse tempo.
O açude produz uma massa d’água extensa, larga e profunda; o poço produz, apenas, uma corrente, como um ribeiro, que naquelas regiões áridas desaparecerá, não longe do ponto onde se acha colocado.
Se no Atóis empregou-se de preferência o poço, a razão é simples: foi porque a zona árida ali era diminuta e, por conseguinte, para destruir a ação da causa das secas, bastava a arborização.
No Brasil as condições são completamente diferentes.
A nossa zona árida é, talvez, maior que toda a França; portanto a arborização somente não equilibrará as suas condições meteorológicas com as das restantes do país; e portanto, sem as grandes massas d’água, que os poços não dão, pouco ou mais se colherá só da arborização.
A preferência, pois, ao sistema dos açudes é condição indispensável de êxito, além de ser de economia e de pronta execução.
Quando muito, empreguem-se os poços onde de todo em todo não houver probabilidade de levantar açudes; mas isso creio bem que não sei dará senão em muito poucos pontos.
Termino aqui as ligeiras considerações, que, de momento, colecionei neste pequeno trabalho, como simples e único propósito de ser útil a inúmeros desgraçados, provocando a discussão dos meios de aliviar-lhes os sofrimentos e de livra-los, por ventura , de futuras calamidades.
Antes, porém, de depor a pena, peço vênia ao leitor para dizer duas palavras mais, sem referência às secas, mas de algum interesse para o meu Ceará, torrão abençoado, de que o braço inteligente e infatigável de seus filhos tem feito uma nova Holanda.
E a expansão de minha alma pela terra que me guarda o berço, junto ao túmulo de meus venerandos pais.
Formará este apêndice a terceira parte do pequeno trabalho que tenho trazido até aqui, e que dedico especialmente ao meu ilustrado e virtuosos irmão, o Dr. Manoel Soares da Silva Bezerra.
O Ceará nunca teve o bafejo do poder que é tudo no Brasil; e apesar disso, e talvez por isso, tem-se elevado às alturas das primeiras províncias do império.
Só esse fato lhe devia valer as simpatias dos grandes da Nação; quanto mais que, no interesse da comunhão, está aquele esforço, pouco comum à nossa raça e à nossa gente.
O Ceará nada pede, porque está acostumado a vencer todas as dificuldades, a vencer a própria natureza, por si só, por seu único esforço.
Mas o governo deve ponderar a magnitude da empresa e a força hercúlea, que precisa empregar aquele povo, para chegar ao seu desideratum.
O governo deve considerar que tanto mais rápido for o desenvolvimento daquela província, quanto mais depressa resultarão para o país vantagens reais, que ele não auferiria, não só pelo lado da renda pública e da riqueza que ela representa, com pelo estimulo que o fato deve produzir nos outros povos do império.
O pai deve distribuir seus cuidados e haveres igualmente por seus filhos; mas, se dentre eles algum se distingue por suas qualidades morais e por seu amor ao trabalho, é razoável que esse obtenha mais algum favor, até porque é com ele que mais deve contar, para o ajudar nos encargos que lhe pesam.
O Ceará é um filho distinto na Nação, que não lhe estende a mão pedindo preferências; que constrói ele próprio os fundamentos de sua futura grandeza.
Mas tem muito que lutar para chegar a seu destino; e muito ganharia a Nação, se, a favor de algum auxilio seu, se acelerasse a marcha daquele surpreendente progresso. Não é aos descuidados e inertes que se deve estender a mão protetora.
E nem o que precisa o Ceará, para defrontar-se dos óbices que lhe tolhem o passo, é coisa que defraude suas irmãs.
Província criadora e agrícola ao mesmo tempo, tendo os centros de sua maior indústria muito distante dos portos do mar, compreende-se que o grande desenvolvimento dessas importantíssimas indústrias depende principalmente de meios fáceis e baratos de transporte, e de portos francos e seguros de exportação.
Os importantes centros de Ibiapaba, do Cariri, do Baturité, que são os principais da província, pelo lado da indústria agrícola, exportam seus gêneros em costas de cavalos.
Sabe o governo a magnitude do comércio que faz só o porto da capital; e portanto calculará ele quanto não avultaria mais esse comércio de importação e exportação, quanto não seria mais proveitoso aos lavradores, e rendoso ao Estado, se, em vez do transporte animal, através de longas distâncias e por caminhos péssimos, o que dificulta, limita e encarece a produção, houvesse o transporte a vapor.
E, por igual, se a capital, ao menos, tivesse um porto regular.
Duas, pois, são as necessidades urgentes daquela importante província – um porto seguro e franco na capital e estradas de ferro econômicas que liguem aquele centro comercial aos principais centros agrícolas da mesma província.
A cidade de Fortaleza já faz grande comércio com o estrangeiro, a maior fará quando tiver estradas férreas para o centro.
Pois bem; essa importante cidade comercial do império, cabeça de uma província que, de dia em dia, conquista um lugar distinto entre as demais, não tem um abrigo para os navios que a procuram.
Esses navios, que ousadamente demandam aquele ponto da nossa costa, lançam ferro em uma pequena enseada, chamada hiperbolicamente – porto – onde o mar bate com fúria, levantando ondas, como em costa bravia.
Estou certo que a província, assim como tem vencido outras dificuldades ao seu progresso, logrará, por si mesma, vencer mais esta.
Mas até lá, quanto não perderá na sua indústria e em seu comércio, e quanto não perderá com ela a nação brasileira?
Se há despesas produtivas, nenhuma sê-lo-á mais do que se fizer com aquele melhoramento.
É um empréstimo a curto prazo e a grande juro; porque na marcha que leva a província e pela qual, só no período de 1845 a 1868, sua renda geral elevou-se, de cerca de 120.000$ a 2.000:000$000, é óbvio que o Estado terá, em outro igual período, o dobro daquela renda.
O Ceará, desde que fez a revolução no seu sistema de trabalho, ainda não estacionou; caminha sempre e mais rápido será o seu andamento, se às suas forças se juntar um sopro do poder central.
Dote-a o governo como porto da capital e com três únicas estradas férreas: a de Baturité, já em andamento por iniciativa particular; a da Capital ao Cariri, pelo vale do Jaguaribe; e a da Ibiapaba para o porto do Acaracu.
Fala-lhe simples favor, e a província se colocará em condições tais, que em pouco tempo terá levado a riqueza a todos os pontos de sua superfície, sem mais nenhum outro sacrifício do Estado.
Sei que as condições financeiras do país não dão para a pronta execução de todo esse plano, que embora não seja gigantesco, é, contudo, dispendioso.
Sei disso; mas não é preciso que o Estado faça já tudo o que se requer; nem que faça toda a despesa que semelhante plano reclama.
Minhas ideias sobre esta matéria já são suficientemente conhecidas.
A iniciativa particular é a minha grande alavanca de progresso.
Mas como a iniciativa particular, entre nós, ainda não se levantou pujante; e nem se levantará, enquanto estiver ai a tremenda barreira, erguida pelo governo, com a lei de 1860, é preciso que o mesmo governo a açude eficazmente.
Garanta a província 3 1/2% sobre o capital necessário para aquelas estradas e para o porto da Capital, e endosse o governo geral aquela garantia, dando, por sua parte, a de outros 3 1/2%, que nem faltarão particulares que tomem a si aquelas empresas, nem faltarão capitais estrangeiros para realizá-las.
O fato de empresas nossas, subvencionadas, ou com juro garantido pelo governo, não encontrarem capitais fora do país, não infirma a minha asseveração.
O estrangeiro confia na garantia do governo do Brasil, no que ele não confia é na administração nossa das empresas para que lhe pedem capitais.
Sejam as companhias estrangeiras, fiquem livres da paternal tutela do nosso governo, tenham o juro garantido de 7%, e nada embaraçará o embarque de seus capitais.
E quanto despenderão em juros anualmente o tesouro geral e o provincial, com as três estradas indicadas, visto que o porto é natural que se prefira fazer diretamente?
A estrada do Cariri poderá ter a extensão de 380 a 400 quilômetros, cujo custo, atento à vantajosa disposição do solo, não pode exceder de 12.000.000$000.
A da Ibiapaba poderá ter 180 quilômetros, de 5.000.000$ de custo.
E a do Baturité terá 120 quilômetros de 4.000.000$ de custo.
Ao todo, 700 quilômetros calculado com exagero, custando também pelo alto: 21.000.000$000.
Temos, então que o encargo anual da província e do Estado será 1.470.000$: digamos 1.500.000$; isto na hipótese de não haver um real de renda liquida.
Mesmo porém, nessa hipótese, perguntarei:
Quando se gastam milhares de contos por ano, com subvenções a companhias estrangeiras de navegação e com cabos submarinos, de proveitos muito menos sensíveis para o país; não valerá a pena correr-se o risco de gastar-se anualmente 1.500 contos com empresas que, pelo menos, vão render ao país, indiretamente, somas muito superiores, quais os que resultam do aumento da produção e do seu correspondente no comércio?
O Estado não está no caso de um particular, que não mete em linha de conta de suas vantagens, em empresa que comete os benefícios que delas aufere o público; somente contando a renda material que arrecada.
O Estado atende menos ao lucro material que aufere, do que às vantagens que, do dispêndio que faz, colhe o público.
Será sempre digno de louvor o governo que, em matéria de melhoramentos públicos, deixar de parte o cálculo das cifras da receita, para só atender às vantagens que devem resultar de tais melhoramentos.
Será sempre abençoado o governo que, alongando a vista, quebrar as cadeias que tolhem a marcha de um grande povo, como é o cearense, pelas sendas do Progresso, que tão corajosamente tem trilhado, confiado só no gênio e em sua inflexível vontade.
Se eu fosse ministro, não queria , para eternizar minha memória, mais do que colocar um povo tal em posição de afrontar o futuro, tendo-se assenhoreado de todas as forças, que lhe garantem o bom resultado de seus esforços.
Nem aquele povo e nem o país inteiro esqueceriam jamais o meu nome, quando, depois de atravessar as misérias da vida, chegasse o tempo do verdadeiro descanso.
Meu Ceará, - Estas mui longe; e aqueles que se lembram de ti e sonham com tuas grandezas, são mui pequenos e mui fracos.
Os nossos grandes homens só olham em torno de si; só veem até a altura de suas cabeças; e só ambicionam as glórias do momento. Trabalhe, pois, para diante, como tens trabalhado até aqui; porque auxilio, só deves esperar Daquele que sempre ajuda aos que trabalham.
Não desanimes com o abandono em que te deixam. Teu braço de ferro não é dos que descaem diante das dificuldades.
Esforço e coragem; e maior será tua glória; e maior quinhão de glória caberá aos que se prezam de serem teus filhos.

Rio de Janeiro, 13 de maio de 1877.

Dr. A. Bezerra de Menezes



FONTE: BEZERRA DE MENEZES, Adolpho. Breves considerações sobre as secas do norte. Fortaleza: Tipografia Brasileira de Paiva & Cia., 1877.



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