DR. FRANCISCO PINTO DE ABREU
Antônio Fagundes
(Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do RN)
O Rio Grande do Norte é devedor de merecida homenagem à memória do Dr. Francisco Pinto de Abreu, Consideramo-nos o menos autorizado para tecer considerações sobre esse nosso patrício, porquanto muito pouca aproximação com ele mantivemos.
Ao ingressarmos no curso secundário do antigo Ateneu Norte-rio-grandense, lá o encontramos no exercício de Diretor daquele tradicional estabelecimento, A idade de 11 anos, bem caracterizada pelo sistemático desinteresse votado aos assuntos de máxima importância, como soem ser os das atividades escolares, levava-nos a preferir as dissipações do tempo na frequente audição de anedotas, pilhérias, piadas e... nas contínuas gazetas às aulas, de sabor tão agradável, aliás, para a garotada trêfega e irresponsável.
Outros contemporâneos, de idade mais avançada, esclarecidos e conscientes dos efeitos benéficos na cultura ilumanística e da perfeita formação da personalidade, que se aproximavam dele confiantes e sequiosos das luzes emanadas daquele espírito privilegiado, poderiam fazê-lo com justeza e tocados pela sensibilidade na memorização das dezenas de episódios desse passado que, certamente, lhes seria essencialmente caro. Além do mais, ter-se-iam depoimentos vivos, preciosos, de valor insuperável daquele espírito de escol tão amigo e interessado pelo futuro da gleba potiguar.
No decorrer dos anos, pelo manusear dos jornais e revistas de então e, mormente, pelo contato com as leis e regulamentos do ensino do Estado, sentimos o calor do entusiasmo que lhe inflamava o coração nas frequentes e profícuas atividades desempenhadas com os edificantes propósitos de bem servir ao Rio Grande do Norte.
Dai o motivo destas ligeiras considerações.
Nascido em Campina Grande, Estado da Paraíba, - a cidade princesa da Borborema, no dizer dos campinenses mais ligados pelo coração à gleba nativa.
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Recife, turma de 1892, logo revelou-se, de par com os superiores dotes intelectuais, o orador fluente, de imaginação fértil e largos recursos, o jornalista de linguagem escorreita e amena, de estilo primoroso e empolgante.
Promotor interino de Recife, efetivo de Olinda, transferiu-se para aquela Comarca em caráter efetivo exercendo, posteriormente, as funções de Curador Geral de órfãos e, em seguida, as de Juiz Distrital.
NO RIO GRANDE DO NORTE
Em 1895, veio para o nosso Estado, onde o aguardavam funções de relevância na administração pública e na vida política, deixando patentear em todas elas a superior elevação de espírito e comprovada eficiência.
O Rio Grande do Norte recebeu-o com ufania, mercê das evidentes revelações da capacidade intelectual e da cultura humanística e jurídica sobejamente demonstradas durante as atividades exercidas em Pernambuco. E ele soube corresponder com absoluta plenitude à expectativa e à confiança dos poderes públicos de nosso Estado. Aqui enraizou-se de tal modo que se considerava norte-riograndense de coração.
Diretor da Instrução Pública, em 1895, Juiz de Direito da Comarca de Ceará Mirim, posteriormente Lente de Matemáticas, em seguida da cadeira de Francês, do velho Ateneu e seu Diretor desde 1901.
Deputado à Assembleia Legislativa de 1901 a 1903, exercendo-lhe a Vice-Presidência por eleição de seus pares.
Em 1905, foi chamado pelo Governo para efetuar uma reforma no curso do tradicional Ateneu, adaptando-o às exigências da lei federal que modificara substancialmente o ensino médio no país.
Advogado de nomeada, militou nos auditórios da Capital e das cidades do interior. As causas mais importantes surgidas no foro, cíveis ou comerciais, eram-lhe confiadas, logrando sempre favoráveis sentenças, graças às insofismáveis interpretações das hermenêuticas.
Algumas tornavam-se até ingratas, ante o intrincado das circunstâncias do que se ia revestindo a marcha processual.
No setor do direito criminal parecia residir a sua predileção de advogado, visto o interesse amplamente demonstrado de amparar a causa dos oprimidos e menos afortunados. Destes, os que se viam a braços com os tribunais, encontravam no Dr. Pinto de Abreu o franco e desinteressado acolhimento.
Em se considerando o ponto de vista literário propriamente dito, vemo-lo proferindo discursos importantes, conferências históricas e científicas, revelando a vasta cultura que lhe ornava a inteligência, o estilo primoroso, a linguagem escorreita e vibrante, granjeando -frequentemente os mais justos e calorosos encômios.
O discurso oficial que recitou no então Teatro 'Carlos Gomes', a 12 de junho de 1906, na sessão solene do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, por ocasião da festa cívica realizada por iniciativa do Instituto em homenagem à memória de Frei Miguelino, no transcurso do 89° aniversario do seu martírio, é oração que empolga pelas imagens, pelos conceitos e pela exuberância do patriotismo.
Jornalista dos mais apreciados, fora assíduo colaborador dos periódicos de Natal e de outras cidades dos Estados vizinhos. O jornal A REPÚBLICA, órgão do Partido Republicano, que obedecia à orientação do Dr. Pedro Velho, nele encontrara frequente cooperador e poderoso auxiliar.
Crônicas, odes, poemas, sonetos, hinos ilustravam as colunas dos órgãos das associações culturais da Potiguarânia.
Vale ressaltar, nesse particular, o Hino a Augusto Severo, celebrando a catástrofe do PAX e exaltando o heroísmo do malogrado aeronauta rio-grandense.
Esse poema, recebido com justos elogios pela crítica literária, disseminou-se com estranha amplitude. Depois de musicado, cuja melodia se tornara igualmente empolgante, tornou-se o Hino Oficial do Grupo Escolar que havia de perpetuar a memória daquele inolvidável potiguar.
Graças à frequente execução promovida pelos, alunos do Grupo, irradiaram-se, poema e melodia, pelas, cidades do interior onde iam chegando os novos métodos de ensino.
BIBLIOGRAFIA
Vasta é a sua bibliografia. Discursos, conferências e estudos científicos, em volumoso acervo, deixou-os inéditos.
Em face da precariedade dominante na imprensa local, não lhe foi possível dar letra de forma senão a número reduzido de suas importantes produções literárias.
Dentre estas, cumpre salientar as seguintes: "Cartas ao Povo", "Amador em Literatura", "A Decadência", "Espinhos e Pétalas", "Frutos e Flores", "Ideias e Máximas", "Discursos", "Pátria" (poemeto), "Pela República", "Poesias", "Notas Jurídicas", "Razoes e Decisões" (direito), "Exercícios de Numeração" e "Leituras Primárias" são trabalhos didáticos em que o autor revelou acentuado pendor para o magistério, através dos métodos que lhes imprimiu. "O Problema do Ensino" e "Musa Infantil", são dois outros trabalhos em que estão patentes os naturais pendores do autor para os misteres do ensino.
O PEDAGOGO
Bem visíveis eram as simpatias do Dr. Pinto de Abreu pelo magistério e pelos assuntos atinentes à educação.
No Recife, havia fundado dois educandários — o Colégio Spencer e o Instituto Moderno. Talvez tenha sido o magistério a sua real vocação, tardiamente acordada por circunstâncias estranhas e desconhecidas.
Quando, em 1908, o Governo do Rio Grande do Norte sentiu a imperiosa necessidade de promover a substancial reforma do ensino primário oficial, nele encontrou a colaboração entusiástica e eficiente, capaz de traçar os novos rumos da reforma que se fizera imperativa.
Criou-se a Escola Normal de Natal, destinada à formação dos novos professores e, bem assim, Grupos Escolares nas sedes dos municípios do interior.
O Dr. Pinto de Abreu codificou este importante serviço público. Ele próprio o executava com especial desvelo, à maneira dos didatas experimentados, carinhosamente, tal como o exigia a delicadeza daquela árdua tarefa. É essa, a nosso ver, a fase áurea da sua atuação no Rio Grande do Norte.
A reforma tornava-se imprescindível diante dos arcaicos métodos e processos ainda usados, inclusive o sistema disciplinar baseado nos castigos físicos - palmatoadas, reclusão em quarto escuro, detenção por longo tempo na casa da escola, permanência de pé durante horas, etc., que aviltavam sobremodo e despertavam a revolta. Ao mesmo tempo, era mister ter-se em consideração os antigos mestres escola no que se lhes referia à situação moral-social em consequência do contínuo e afanoso labor durante dezenas de anos seguidos.
Alquebrados pela idade, na sua quase totalidade matronas que, se usufruíam certo conforto moral pelas considerações que lhe dispensavam as famílias em consequência do muito que fizeram pela felicidade dos seus filhos, tornavam-se credores, todos eles, do reconhecimento da sociedade e do Governo, desde que os parcos vencimentos longe estavam de corresponder àquele trabalho anônimo realizado, aliás, com ternura quase evangélica.
O Governo os afastara assegurando-lhes a integridade dos vencimentos da atividade, providência muito aquém da justiça que se impunha.
O Dr. Pinto de Abreu fora chamado pela segunda vez para a direção da Instrução Pública a 1° de julho de 1908 e nessas elevadas funções permaneceu até dezembro de 1910.
Ele próprio assumiu a direção da Escola Normal. Do Rio de Janeiro, mediante contrato com o Governo do Estado, chegou o Professor Ezequiel Benigno de Vasconcelos Júnior, antigo e experimentado preceptor da então Capital Federal, a quem foi confiada a direção do Grupo Escolar Augusto Severo, onde se havia de processar a experimentação dos novos métodos de ensino e realizar a prática dos normalistas.
Chamando a si a orientação técnica do novo sistema de ensino, o Diretor da Instrução expedia circulares ditando os rumos do novo sistema escolar. Ele próprio comparecia ao Grupo dirigindo e orientando a prática dos normalistas e as atividades dos docentes, corrigindo-lhes os erros, notando-lhes as deficiências e estimulando-os para o fiel desempenho da nobilitante função que abraçaram.
Era de ver-se a maneira pela qual o fazia, o carinho e o interesse em resolver os problemas criados pela exigência do serviço, a solicitude com que atendia aos normalistas e a brandura quase paternal que usava no trato com as crianças do Grupo Escolar.
Vale considerar igualmente, no intuito de bem formar os novos professores, as frequentes preleções eivadas de profundo estímulo e salutares conselhos, frutos da experiência, com o objetivo de fazer despertar as vocações para os misteres do ensino, certo de ser esta a condição primordial para o 'êxito da sua missão. O amor à profissão, malgrado as vicissitudes, os espinhos e as dificuldades nascidas da incompreensão de muitos, eram os assuntos das tertúlias frequentemente mantidas com os alunos-mestres.
Aqueles que tiveram a fortuna de ouvir-lhe as lições edificantes, os sábios, prudentes e oportunos conselhos, as doces persuasões, hão de tê-los conservado durante as longas atividades da vida prática e, quiçá, continuarão a memorá-los possuídos da sensibilidade natural de quem, na retilínea da vida, encontrara quem lhes amainasse os óbices e lhes dirigisse os passos na linha tortuosa de uma profissão essencialmente eivada de escolhos.
Poder-se-ia dizer sem lisonja que o Dr. Pinto de Abreu fora o Pestalozzi potiguar, mercê do entusiasmo e da confiança com que pregava os princípios do método intuitivo no ensino primário.
É de salientar-se que, Bacharel 'em Direito, jamais realizando curso de Pedagogia, ciência, aliás, então ainda pouco desenvolvida e escassamente divulgada, senão em sintéticos compêndios por si mesmos deficientes para o alcance dos objetivos visados. Mal se falava até então de Spencer, Pestalozzi, Froebel, Montessori, Herbart, autores conhecidos naquela época. Os normalistas manuseavam ' "Compêndio de Pedagogia Escolar', da autoria do Dr. F. Pinheiro Bittencourt, resumidas explanações de Psicologia e Pedagogia que não correspondiam às exigências do curso de professor.
O Grupo Escolar ensaiava a disciplina do afeto, não sem estranheza de grande parte da população, a denominada Pedagogia do Amor, seguida pelo notabilíssimo Dom Bosco, de tão surpreendentes resultados, com o qual esse emérito educador conseguiu transformar crianças abandonadas, viciadas, tidas por incorrigíveis, e até crianças delinquentes, em cidadãos normais, úteis a si e à coletividade. O Dr. Pinto de Abreu compreendia o valor das emoções do prazer e o afeto do preceptor na educação das crianças. Considerava este o mais salutar e o mais eficiente sistema disciplinar.
Em abono às nossas assertivas relativas ao pendor natural do Dr. Pinto de Abreu para o magistério, reportemo-nos ao seu "Musa Infantil", coleção primorosa de poesias genuinamente infantis, elaboradas com sentimento e carinho, denunciando personalidade afeita às lides com os rebentos da sociedade, no intuito de formá-los para a felicidade da família e grandeza da Pátria comum, Ele próprio, no Grupo Escolar, ditava essas poesias, ensaiava-as cora as crianças, ensinando-lhe a inflexão da voz, a pontuação e a gesticulação adequada a cada ideia, a fim de emprestar-lhes viveza e ajustá-las ao idealismo que as ditou. E que júbilo experimentava ao evidenciar o êxito dos pequerruchos!
A dedicatória desse relicário de ternura para com as crianças expressa, com justeza, o amor e a delicadeza com que olhava os problemas da infância. Não será demais transcrevê-la, cara melhor apreciação dos leitores.
Ei-la: — "Tenho lá no céu três anjinhos louros. Se não os houvesse beijado, talvez não fizesse esses versos". Este livro é dos meus filhos. Mas, como são generosos, lhes pedirei que repartam essa? flores desmaiadas com os meninos do meu país".
Cumpre notar que, em nosso curso primário, no Colégio Diocesano Santo António, usamos, por determinação do corpo administrativo desse estabelecimento, os "Exercícios de Numeração", da autoria do Dr. Pinto de Abreu, cujo exemplar ainda hoje conservamos. Sua disposição didática constituiu, naqueles tempos, auxiliar poderoso na aprendizagem da leitura e escrita dos números mais extensos.
São esses os traços mais vivos da personalidade do Dr. Pinto de Abreu, o docente, o pedagogo, o entusiasta pela nobilitante causa da educação.
TORNANDO A OUTRAS FUNÇÕES
Afastando-se do ensino, em 1911, foi nomeado Secretário do Estado ainda no Governo Alberto Maranhão.
Em 1913 era distinguido com a nomeação de Consultor Jurídico do Estado, cargo vitalício do qual se afastou em 1916, porque lhe foram reduzidos os vencimentos de 50%, tornando-se-lhe, era consequência, insustentável a subsistência.
VOLTANDO A RECIFE
Ante a situação que lhe foi criada no Rio Grande do Norte, voltou a Recife, abrindo consultório de advocacia naquela cidade.
O Governo de Pernambuco foi buscá-lo, pouco depois, para confiar-lhe o elevado cargo de Secretário Geral do Estado. Mais tarde, o seu acentuado pendor para o magistério levou-o à Escola Normal do Recife, onde exerceu as funções de Lente em concomitância com as de Diretor do estabelecimento. Ali encontrou-o o ato do Governo que o aposentou, assegurando-lhe os proventos, integrais da atividade.
A 11 de junho de 1951, falecia nessa cidade. Perdera não somente o Estado de Pernambuco, mas ainda e especialmente o Rio Grande do Norte, um dos maiores amigos e dos mais abnegados servidores.
Pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, do qual foi um dos sócios fundadores tendo exercido os cargos de Secretário e de Orador.
Fez parte de várias outras instituições culturais desta e de outras Unidades da Federação, a todas emprestando o brilho da sua cultura invulgar e privilegiada inteligência cooperador eficiente e decidido das instituições sociais e culturais, pioneiro da mais importante reforma do ensino primário potiguar, servidor incansável em diversos setores da administração pública do Estado, que o Rio Grande do Norte é devedor de significativa e honrosa homenagem.
Nunca será tarde para o resgate de uma dívida.
Aqui fica o pequeno tributo de nosso apreço e nossa homenagem à sua memória. Resta-nos aguardar a benevolência dos que possuem fontes de informação mais completas e que, estamos certo, o fariam com brilho e maior precisão.
FONTE:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Volumes LVI-LVII-LVIII, Anos 1964, 1965 e 1966. Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1971, p. 51-59.
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