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sábado, 11 de maio de 2013

LIMITES DO SERIDÓ COM OESTADO DA PARAÍBA


José Augusto Bezerra de Medeiros

A determinação dos limites da zona do Seridó com as regiões vizinhas da Paraíba não foi sempre um ponto pacífico e tem também a sua história.
O Seridó, como toda a Capitania do Rio Grande, pertenceu, sob o ponto de vista judiciário, à comarca da Paraíba, segundo o alvará de 18 de março de 1818, quando El Rei julgou necessário, tendo em vista "os graves prejuízos que ao seu serviço, ao interesse e segurança pública e à boa administração da justiça" decorriam da anexação judiciária das duas Capitanias, dar autonomia ao Rio Grande, criando a comarca de Natal, que passou a superintender a vida forense de todo o território riograndense.
Mas, as populações paraibanas de Pombal continuaram a considerar da sua Capitania certos trechos do território do Seridó. Alguns iam além e achavam mesmo que o todo o Seridó devia pertencer à Paraíba.
Ainda recentemente um historiador ilustre, Coriolano de Medeiros, afirmou que "já pertenceram, à Paraíba, sem que se saiba que motivo justificou a mutilação, toda a ribeira do Seridó e territórios dos atuais municípios riograndenses: Acari, Jardim, Caicó, Serra Negra" ("Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba", pág. 54).
A Vila Nova do Príncipe fora criada em 31 de julho de 1788, instalando- se a sua Câmara Municipal autônoma, em virtude da autorização expressa do Governador de Pernambuco, Dom Tomás José de Melo, ao Ouvidor geral Andrade Brederode, mas só depois da criação da comarca de Natal, em 1818, é que as reclamações paraibanas começaram a aparecer mais insistentes e constantes. O Alvará de 1818 diz na sua íntegra o seguinte:

José Augusto Bezerra de Medeiros

Alvará de 18 de Março de 1818
Cria a nova comarca do Rio Grande do Norte, da Capitania do mesmo nome:
"Eu El Rei faço saber aos que este Alvará virem, que tomando em consideração os graves prejuízos que ao meu real serviço, ao interesse e segurança pública e à boa administração da justiça, necessariamente resultam de se achar a Capitania do Rio Grande do Norte anexa à comarca da Paraíba por não ser praticável que um só Ministro, a quem é sumamente custoso corrigir bem a comarca da Paraíba, pela sua grande extensão, tenha juntamente a seu cargo aquela Capitania, que também abrange um vasto e dilatado território, e possa fazer nela, nos competentes tempos e na forma devida, as correições tão necessárias para se manter pela influência saudável da autoridade e abrigo das leis, a segura fruição dos direitos pessoais e reais dos povos e querendo dar as providências próprias para que possam os habitantes da mesma Capitania gozar dos vantajosos proveitos de uma vigilante polícia e exata administração da justiça, evitando-se as desordens e perigosas consequências da impunidade dos crimes tão frequentes em lugares administrados por juízes leigos, quando não são advertidos nas anuais correições: Hei por bem determinar o seguinte:
1º - A Capitania do Rio Grande do Norte ficará desmembrada da Comarca da Paraíba e formará uma comarca separada, que sou servido criar com a denominação de comarca do Rio Grande do Norte, tendo por cabeça a cidade de Natal e os limites que se acham assinados para a mesma Capitania.
2º - O Ouvidor que eu houver por bem nomear terá a mesma jurisdição que o da comarca da Paraíba e observará o mesmo regimento no seu distrito, guardando todas as mais leis, ordens e regimentos que são dados aos Ouvidores deste Reino do Brasil.
3º - Vencerá o mesmo ordenado, propinas e emolumentos que vence o Ouvidor da Paraíba; e na sua comarca lhe pertencerão os cargos e jurisdições que lhe costumam ser anexos na forma das minhas reais ordens.
4º - Para satisfazer plenamente as suas obrigações sou servido criar para este Ouvidor os Ofícios de Escrivão e Meirinho; e as pessoas que forem neles providas os servirão na forma das leis e regimentos que a este fim se acham estabelecidos, e vencerão os salários, caminhos e reza que percebem os da Comarca da Paraíba.
E este se cumprirá como nele se contém. Pelo que mando à Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens; Presidente do meu Real Erário; Conselho da minha Real Fazenda; Regedor da Casa da Suplicação; Governadores e Capitães Generais, Ministros e mais pessoas, a quem pertencer o conhecimento deste Alvará, o cumpram e guardem não obstante qualquer decisão em contrário que hei derrogado por este efeito corrente: Valerá como carta passada pela Chancelaria, posto que por ela não há de passar, e que o seu efeito haja de durar mais de um ano, sem embargo da lei em contrário. Dado no Palácio da Real Fazenda da Santa Cruz em 18 de março de 1818, Rei com guarda.
Tomás António de Vila Nova Portugal. Alvará pelo qual Vossa Majestade há por bem criada a nova comarca do Rio Grande do Norte, desmembrando-a da comarca da Paraíba tudo na forma acima declarada.
Pra Vossa Majestade ver. João Cordeiro de Campos o diz.

Sobrevindo reclamações na execução dessa medida legal, e tendo por objetivo evitar dúvidas maiores, e acertar definitivamente a situação, que se agravou em virtude dos constantes conflitos, o Padre Brito Guerra, em 1831, já então deputado geral, e representante direto dos interesses seridoenses, sugeriu à Câmara a que pertencia, a adoção de uma providência, a seu ver, solucionadora da questão que se prolongava: a demarcação do distrito da Vila Nova do Príncipe.
O projeto do deputado Guerra foi levado à Assembleia a 26 de julho de 1831, julgado objeto de deliberação e mandado imprimir com urgência, tendo a sua discussão adiada em 26 de agosto do mesmo ano.
Nessa emergência, o Senado votou medida mais pronta e radical: a fixação em textos claros dos limites que extremariam as zonas que deviam ficar para uma e outra Província.
Era assim atendido o ponto de vista do Padre Guerra, o qual, ao ser recebido pela Assembleia a proposição vinda do outro ramo do Poder Legislativo, em sessão de 27 de setembro de 1831, solicitou urgência para a sua discussão, urgência que a Câmara concedeu, votando afinal as medidas indicadas pelo Senado com uma medida a mais, esta de autoria do deputado Guerra.
Esta a origem parlamentar da lei de 25 de outubro de 1831, cujo teor é o seguinte:

Decreto de 25 de outubro de 1831.
Marca os limites da Vila Nova do Príncipe, da Província do Rio Grande do Norte.
A Regência, em nome do Imperador e Senhor D. Pedro II, há por bem sancionar, e mandar que se execute a seguinte Resolução da Assembleia Geral Legislativa:
Art. 1º - A Vila Nova do Príncipe da Província do Rio Grande do Norte continuará na posse de todo o território, que lhe foi assinado no ato de sua criação em 31 de julho de 1788; ficando o dito território dentro dos limites da comarca, e sujeitos os moradores dele ao Governo Civil e Militar e à administração da Fazenda da sobredita província, com exclusão, porém, de toda a Freguesia dos Patos, tal qual atualmente existe, e daquela parte da do Cuité que sempre pertenceu à Província da Paraíba, na qual ficam compreendidas tanto esta parte da do Cuité, como a dos Patos.
Art. 2º - Fica assim entendido o Alvará de 18 de março de 1818. (a) José Lino Coutinho, do Conselho do meu Império; Ministro e Secretário do Estado dos Negócios do Império o tenha assim entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1831, 109 da Independência e do Império, (aa) Francisco de Lima e Silva - José da Costa Carvalho - João Braúlio Muniz, José Lino Coutinho.

Como se verifica dos seus próprios termos, o decreto legislativo visou a objetivos largamente conciliadores, passando para a Paraíba toda a freguesia de Patos e parte da de Cuité por serem mais próximas daquela província, e para a do Rio Grande do Norte os territórios que lhe ficavam mais vizinhos.
Contra essa obra legislativa tem se arguido que fora fruto do prestígio pessoal do Padre Guerra e prejudicial aos interesses paraibanos.
Em 1834, a Assembleia Provincial da Paraíba representava à Câmara Nacional, pedindo a revogação da lei de 1831. O mesmo fazia a Câmara da Vila de Patos.
Por sua vez, a Assembleia do Rio Grande do Norte dirigia aos poderes gerais uma representação na defesa dos interesses da Província, acompanhando-a dos votos expressos pelas populações da Vila do Príncipe e da Vila do Acari (ambas no Seridó), sustentando a necessidade de manter a validade da lei de 1831 e proclamando a sua justiça e benemerência.
Vale a pena reproduzir na íntegra os três documentos, que lançam luzes sobre a matéria.
Ei-los:

a) A representação à Assembleia ao Rio Grande ao Norte

REPRESENTAÇÃO

Cópia - Augustos e Digníssimos Representantes da Nação. A Assembleia Legislativa Provincial do Rio Grande do Norte, vê-se constrangida na imperiosa necessidade de vir, na conformidade do art. 11, § 9, da lei das reformas, representar esta Augusta Assembleia Geral contra as pretensões da Província da Paraíba, que trabalha por destruir a lei de 25 de outubro de 1831. As representações juntas dos juízes de paz, guardas nacionais, e moradores do termo da Vila do Príncipe, e bem assim as da Vila de Acari, endereçadas à Assembleia Provincial pelas Câmaras respectivas, instruídas de assinatura dos povos, vem ser presentes a esta Augusta Assembleia, a quem compete a decisão de negócio tão importante. A dita Lei, Augustos e Digníssimos Senhores, sanou os imensos males que sofriam os povos da Vila do Príncipe, que sendo desde a sua criação, em 31 de julho de 1788 pertencentes a esta Vila e Província do Rio Grande, principiaram a ser incomodados pela do Pombal da Província da Paraíba, em o ano de 1822, em consequência do Alvará de 18 de março de 1818, que a mesma Lei entendeu a favor do Rio Grande, tendo-se contentado e satisfeito ambas as Províncias, conservando-se em perfeita harmonia. Esta lei, pois, tão salutar, e operada com conhecimento de causa, ouvidos os Presidentes, Conselhos do Governo, autoridades e Povos de uma e outra Província, é hoje agredida pelo capricho de pessoas mal intencionadas, que se nutrem com a discórdia, e males de seus semelhantes. Um pouco de fermento basta para corromper uma grande porção de massa! No mais perfeito estado de sossego, e prazer, em que se achava a Província do Rio Grande, gozando pacificamente da posse do seu território, e bendizendo a Assembleia Geral pelos bens que com aquela lei lhe outorgou, eis que o gênio do mal inventa meios, e forma planos para transtornar, destruir e derrocar toda a Província. Um só homem, agasalhando-se ativamente em um ponto dos seus limites, é capaz de plantar a semente da discórdia e atear o incêndio. Empregando com habilidade as poderosas armas da sedução contra pessoas incautas, ele tem podido levar os inales a toda a Província. O Rio Grande, pobre e pequeno, como é, decerto sucumbiria à força de tamanho combate, que lhe apresenta outra Província maior, mais rica e mais poderosa, e se não buscasse sua confiança na sabedoria e dignidade da Augusta Assembleia Geral Legislativa. Valendo-se, pois, a Assembleia Provincial de recurso que lhe franqueia a lei; vem pedir e representar a esta Augusta Assembleia Geral se digne de tomar em sua consideração, e sabedoria, as representações juntas das Câmaras, autoridades e Povos da Província do Rio Grande do Norte a favor da sobredita lei de 25 de outubro de 1831, com a qual estão satisfeitos e conciliados os interesses de uma e outra Província, ficando ambas no gozo da sua paz e posse dos seus direitos. São estes, Augustos e Digníssimos Senhores representantes da Nação, os votos e sinceros desejos da Assembleia Provincial do Rio Grande do Norte. Paço da Assembleia Provincial, em 17 de março de 1835. (aa) João Teotônio de Souza e Silva, Vice-Presidente - Joaquim Xavier Garcia de Almeida, II Secretário - José Nicácio da Silva, 2º Secretário.

b) A da Vila de Acari

Cópia - Os abaixo-assinados, juízes de paz, inspetores, guardas nacionais e proprietários, moradores nos limites deste município, vêm mui respeitosamente expor a V. Sa os seus sentimentos, e reclamar pelos seus direitos, para que, merecendo a atenção, as suas vozes sejam tomadas em consideração e levadas ao conhecimento da Augusta Assembleia Geral Legislativa por intermédio de V. Sa a fim de lhes acudir com o pronto remédio. Passam a expor. Desde a criação da Vila do Príncipe em 31 de julho de 1788, que o território em que habitam os suplicantes se compreendia dentro dos limites desta Vila, pertencendo à Freguesia do Seridó, pelo Alvará de 18 de março de 1818 que criou em comarca a Província do Rio Grande, suscitaram-se dúvidas: todos os povos oprimidos, e forçados a obedecerem para a Vila do Pombal da Província da Paraíba, reclamaram uma e muitas vezes queixando-se de tais vexames, e não querendo de maneira alguma, se passasse de sua Vila do Príncipe e Freguesia mais próxima e de tudo mais cômoda, para pertencerem à do Pombal, e Paraíba, em tudo mais difícil e mais prejudicial aos interesses desses povos; até que finalmente a Augusta Assembleia Legislativa sabia e prudentemente determinou e decidiu esta questão com a Lei de 25 de outubro de 1831, que sanou todos os males destes povos; dando para a Província do Rio Grande os que lhe ficam mais vizinhos; e para a da Paraíba toda a freguesia de Patos e parte de Cuité, por se aproximarem mais da Paraíba. Com esta salutar medida, e lei de paz, e conciliação, todos estes povos exultaram de prazer e renderam mil graças à Augusta Assembleia Legislativa, que se apiedou dos seus males e os tornou seguros de opressões. No meio do maior sossego e repouso, apareceu inesperadamente o gênio do mal e com um pouco de fermento vem perturbar e transtornar toda a ordem. A Freguesia de Patos, por querer ser Vila e com mão armada pela intriga, assoprada por aquele gênio luciferino dirige-se ao Conselho da Paraíba, e este lembra-se de representar contra aquela nossa utilíssima e exemplaríssima lei. Aparecem intrigas; aparecem desgostos; aparecem males, que progredirão ao infinito se não forem oportunamente atalhados. É pois do dever dos suplicantes reclamar já e já pelos seus direitos, protestando que de modo algum se desligarão de sua Província do Rio Grande do Norte onde estão satisfeitos em todas as repartições para fazerem parte dessa Vila dos Patos, pertencente a outra freguesia, à outra Província e a outras autoridades que lhes não convêm.
Longe dos suplicantes a insubordinação; querem à risca observar a lei; querem e são contentes em pertencer à Província do Rio Grande do Norte, e jamais se afastarão deste seu estado de obediência e adesão à sua Província. É pois a razão que têm os suplicantes de representarem e pedirem a V. Sª. queiram atalhar todos estes males, levando ao conhecimento da Augusta Assembleia Legislativa o procedimento dos inimigos da ordem, que vêm perturbar o repouso e bem-estar dos suplicantes. P. P. a V. S. se dignar de lhes deferir como requerem. E. R. M. (aa) Caetano Camelo Pereira, juiz de paz do distrito e muitas outras assinaturas com as firmas reconhecidas pelo escrivão interino João de Araújo Pinheiro, a 20 de abril de 1834, Vila do Acari.

c) A da Vila do Príncipe

Cópia - Meus Senhores. É com a maior dor e consternação que os abaixo-assinados juízes de paz, guardas nacionais e mais moradores do termo do município desta Vila do Príncipe, compreendidos nestas as ribeiras do Sabugi, Espinharas e Piranhas, pertencentes a este município e freguesia, vêm representar a V. Sa as suas queixas para por intervenção de V. Sª obterem da Augusta Assembleia Legislativa o remédio do seu mal, confiando que V. Sª providenciarão quanto antes, garantindo os seus direitos de propriedade e municipalidade, que vão sendo invadidos por homens avessos ao bem-estar da Província do Rio Grande do Norte a que têm a honra de pertencer. A lei de 25 de outubro de 1831 que veio sanar os males que afligiam os povos residentes neste território pelas contestações e pretensões da Vila de Pombal na Província da Paraíba, é o objeto hoje das máquinas desses homens inimigos avessos à Província do Rio Grande. Esta lei salutar baseada nas representações, e mil vezes repetidas queixas destes povos foi o melhor bem que até hoje eles receberam da Sabedoria e Equidade da Augusta Câmara Legislativa. Ela veio contentar a todos decidindo as dúvidas, e explicando no seu 2º artigo o Alvará de 18 de março de 1818, que deu motivo a toda bulha e desordens por ter sido feito sem conhecimento das localidades, e interesses dos povos de uma e outra Província, de uma e outra Vila. Ora, contra esta lei salutar, tão sabiamente baseada e de tanta paz e utilidade, para os povos respectivos, aparecem hoje homens ambiciosos, e desordeiros, seduzindo os representantes e alguns homens incautos, arranjando assinados até por crianças para fazerem uma turba-multa, a fim de deitarem abaixo a lei e destruir toda ordem e bem-estar dos representantes, que acostumados a esta Vila e Freguesia desde a sua criação em 1788 por lhe ser mais vizinha, mais cômoda e em tudo mais proporcionada, aos interesses dos representantes e Povos respectivos e mais poderão sofrer os males de só passarem para outra Província e Município mais longínquo, e em tudo mais contrário aos cômodos e interesses dos Povos. Consta que vão representar e já representaram em Cortes contra a sobredita lei, e como não obtiveram da Augusta Assembleia o resultado que desejavam, reforçam agora a sua intriga por todos os meios.  Não pode chegar a mais a ambição dos homens! V. Sª. que devem defender, e providenciar tudo quanto é de bem deste município, dignem-se de tomar em consideração semelhante desordem para que não prevaleçam contra este município e consequentemente contra a Província do Rio Grande, as máquinas dos desordeiros e resultem males intermináveis. Os Representantes não querem mudar de Freguesia nem de Província e protestam ser fiéis e subordinados em todo o tempo à Lei. A esta lei devem eles o seu bem-estar, contra esta lei nada lhes serve. Seria o mais absurdo que se pudesse conceber, admitir semelhante ideia. É pois por estas razões e pelo caráter de firmeza, sinceridade e honradez, que os Representantes reclamam, pelos seus direitos, queixando-se das estorces, violências e arguciosas seduções dos intrigantes e ambiciosos, por que V. Sa deem quanto antes as providências, e façam obstar os males que lhes estão iminentes. Assim o esperam do Zelo e Patriotismo desta ilustre Corporação: com o que receberam justiça, (aa) José Timóteo de Souza, juiz de paz (e outras muitas assinaturas em original), reconhecidas pelo tabelião do Príncipe - Antônio do Rego Leite Araújo. Vila do Príncipe, 21 de janeiro de 1835.

Não reproduzo aqui também, como seria de interesse, as representações de origem paraibana, por não haver conseguido cópia de nenhuma delas.
Todas essas representações, de fonte paraibana ou de fonte norteriograndense, foram enviadas à Comissão de Estatística da Câmara, a qual em 9 de setembro de 1835 emitiu o seguinte parecer, assinado pelos Deputados J. A. Bhering e Albuquerque Cavalcanti:

"A Comissão de Estatística examinou a representação que a esta Augusta Câmara dirigiu a Assembleia Provincial da Paraíba do Norte, em que mostra a conveniência de se revogar a resolução de 25 de outubro de 1831, que fixou os limites entre esta e a Província do Rio Grande do Norte; outro sim, examinou a mesma Comissão outra representação da Assembleia Provincial do Rio Grande do Norte, em que expõe a necessidade de ser inalterada a sobredita resolução pelas vantagens que dela resultam aos povos limítrofes das duas Províncias. A Comissão tomando na devida consideração todos os documentos comprobatórios de duas pretensões diametralmente opostas achou em último resultado de suas observações, que a resolução de 25 de outubro de 1831, bem longe de ser oposta aos interesses e comodidades dos Povos, sobre que representam as duas Assembleias Provinciais, é pelo contrário apoiada não só em um longo "Nós abaixo-assinados" dos mesmos povos, os quais asseveram à Assembleia Provincial da Paraíba haverem sofrido nos seus cômodos e interesses comerciais, com a adoção de semelhante medida, mas também, no voto unânime das deputações da Paraíba e do Rio Grande na Legislatura translada, em que foi considerada a mencionada resolução  como remédio o mais eficaz, para exterminar de uma vez os males que sofriam aqueles povos. A Comissão entende que, à vista das razões expendidas, não é necessária a revogação da resolução em questão, e que neste sentido se responda as sobreditas resoluções Provinciais."

Antes mesmo desse parecer, em 1834, nas sessões de 16 e 18 de julho, os deputados Guerra (Rio Grande do Norte) e Veiga Pessoa (Paraíba) discutiram e explanaram a matéria, cada um lançando mão dos elementos de que dispunha para a defesa dos seus pontos de vista. Do discurso do Sr. Brito Guerra temos nos Anais do Parlamento esta larga notícia, da qual se verifica, no entrecortado dos 'apoiados', que a Câmara estava do seu lado:

Sr. Brito Guerra - Conheço bem a minha Freguesia, mas, falarão por mim a verdade, a razão, justiça, a lei. Eis aqui. (Leu a resolução de 25-10-1831). Pois, então, Sr. Presidente, existe alguma razão para ser derrogada esta lei; Existe direito à Câmara da Vila dos Patos para representar ao Conselho Geral da Província da Paraíba contra o termo da Vila do Príncipe. É injusto o parecer da Comissão que não anui a uma tal representação infundada, e manifestamente contrária ao bem estar dos povos respectivos da Vila do Príncipe; eu vos analisá-lo. (Lê.) E mostro exuberantemente as razões em que se fundou o parecer, contrariando a representação da Paraíba e Câmara dos Patos.

Depois continuou dizendo:
Como se quer deprimir o Rio Grande do Norte para exaltar a Paraíba? Que utilidade pública resulta de tirar do Rio Grande do Norte para dar a Paraíba? Não é o Rio Grande Província do Brasil? Não tem ajudado com o seu contingente a este Império? Há pouco eu vi que ele em poucos anos tem concorrido cora 34,481 quintais de pau-brasil para ajudar a amortizar a dívida pública. Entre as razões que expende o Conselho da Paraíba, disse que os dízimos do Rio Grande não avultarão, etc. Não se dá uma razão mais frívola: quando fosse atendível, então provaria contraproducentemente!
Eis aqui a tabela demonstrativa do preço, a que chegarão este ano os gados do dízimo do Rio Grande. Vejam pois a que preço chegaram. As secas em um ano fazem esmorecer os povos, em outro o bom tempo e melhor estação os animam, como neste que chegaram a 9.900; os do Açu a 9.920; os do Apodi a 9.810 e os dos mais em proporção. Logo, não subsiste tal razão alegada pelo Conselho da Província.
E quanto ao comércio, que também menciona, não sei o que quer dizer com isso. Quem o impede? Ele não é franco para onde se quer ir? Os gados, couros, sola, queijos desses sertões de uma e outra Província vão para Pernambuco; os algodões ou para Paraíba ou para Pernambuco, conforme querem os proprietários: nenhum embaraço há; não se tornarão estrangeiros.
E por que razão a Província da Paraíba não impede aos que dos seus limites levam para o Ceará e Aracati a lã e outros, gêneros? Assim como os da Província do Rio Grande, que moram por serra do Martins, e Apodi os levam para Aracati, como lhes parece. Donde vem que o Ceará tem estado a dever ao Rio Grande mais de 30 contos de réis; e ainda agora há pouco, confessou dever mais 8.637$264. A mesma Paraíba é devedora ao Rio Grande de uns poucos de contos de réis. Quem é que impede o comércio? Srs. sejamos justos, façamos justiça aos rio-grandenses. A minha Província não merece ser deprimida, defraudada, e sufocada pela da Paraíba.
É pobre sim, porém, benfazeja; com o seu fraco contingente ela tem ajudado a outras mais ricas em quadras bem perigosas.
Lembrem-se os Srs. Deputados da quadra de 24 quando agasalhou, favoreceu e acolheu benigna aos mesmos que vinham de outras hostilizados, e perseguidos pelos concidadãos.
Lembrem-se das desordens do Ceará, a quem os rio-grandenses foram acudir, principiando a prestar serviços no rio do Peixe, limites da Paraíba e postando-se em campo ainda primeiro que os desta, com perda de seus bens e riscos de suas vidas.
Na mesma desordem de Panelas o Rio Grande lá tem também sua gente em defesa da liberdade.
Apelo para o testemunho dos Senhores Deputados que hoje têm assento nesta Casa, e que foram presidentes do Rio Grande e do Ceará.
Apelo para os senhores de Pernambuco, e mesmo para o senhor que acaba de ser ou ainda é presidente da Paraíba que deve disto estar bem informado.
Eu me não admiro, Srs., de que o Conselho da Paraíba fizesse esta representação, ele não se lembraria de a fazer, se certo 'espírito maligno não fosse tentar a Câmara dos Patos, e mover as massas para ir incomodar ao Conselho com essa impertinência!
O que me feriu, foi a expressão de um senhor deputado que notou perfídia nos honrados ex-deputados pela Província da Paraíba, na passada Legislatura, e que não defenderam, antes guardaram silêncio sobre os direitos de sua Província recebendo mal o dinheiro da Nação, tudo por uma combinação. Ora, Srs., esta Câmara toda não viu a oposição que eles fizeram? E que só cederam depois que eu ofereci a emenda que conciliou os interesses de uma e outra Província? Sr. Presidente, o ódio que aparece não é contra a lei; é sim, contra o suposto autor dela!
Eu não fui, como está demonstrado, quem primeiro ofereceu este projeto, sim, quem ofereceu esta emenda que deu a Paraíba todo esse território que hoje se tem arvorado em Vila.
Se eu hoje não fora deputado pelo Rio Grande não apareceria essa luta, mas que culpa tenho de que a minha Província reunisse em mim os seus votos? Entenda-se pois de onde vem todo o mal!
Nunca em meus dias briguei com alguém, e agora por desgraça me vim encontrar com tais arengas! Esta lei, Senhor Presidente, causou tanto júbilo àqueles povos, que renderam mil graças ao corpo legislativo por havê-la decretado!
Em uma palavra, só o gênio do mal seria capaz de atiçar e promover semelhantes questões!
Continuou a mostrar que a Província da Paraíba já se acha mais aumentada em população, riqueza, vilas e comércio, do que a do Rio Grande, e que era justo que se dessem as mãos, e não fossem dissidentes, querendo a maior sufocar a menor.
Dirigiu o seu discurso a todos os Srs. Deputados e especialmente os da Província da Paraíba, e perorou dizendo — "contente-se pois a Vila dos Patos (segundo meu fraco entender) com o território que a Vila do Príncipe lhe cedeu".
Prospere a Província da Paraíba com a sua riqueza e alta categoria a que se acha elevada; e deixe viver e respirar um pouco a pobre Província do Rio Grande dentro dos limites que lhe marcou a lei. Voto pelo parecer da Comissão."

Da resposta do representante da Paraíba, em discurso proferido, dois dias após o do representante Potiguar, cabe fazer o seguinte resumo:

"O Sr. Veiga Pessoa disse que não podia deixar de se opor à medida proposta no requerimento do Sr. Henrique de Rezende porque, não podendo ter efeito senão em grande espaço de tempo, não ia desde já sanar as desordens dos povos que não queriam reconhecer as autoridades locais da Província do Rio Grande; ao que era preciso acudir quanto antes e por isso se lembrara de uma e outra medida que diferindo ura pouco daquela, providenciava logo essas desordens; mas para propô-la queria que a Câmara fosse mais bem informada para o que tinha de fazer um requerimento e por isso não podia deixar de falar na questão em a qual principiou desde já dizendo: "Que tendo já falado sobre a mesma segunda vez o deputado pelo Rio Grande que defendeu o parecer da Comissão, sem que saia do círculo de alguns argumentos inexatos e repetidos, nada tenha adiantado de favorável à sua causa, a execução da súplica que pela sua Província dirigiu à Câmara e que portanto ele se via obrigado a responder a esses mesmos argumentos repetidos.
E continuou a deter que deixaria de falar mais naquela questão, se o dever de deputado pela sua Província, e a convicção de sua justiça o não obrigassem. Todavia para não tornar a questão fastidiosa, devendo ao mesmo tempo formar o juízo da Câmara sobre o que ele deputado já havia dito em outra sessão, faria uma breve recapitulação disso que já havia dito.
E era que o parecer tinha sido injusto em ter desatendido a representação do Conselho Geral da Província da Paraíba; 1º — Porque a Comissão em seu parecer não fez mais do que increpar a representação de injusta, repetir os trâmites por que passou a resolução, contra cuja execução representou o Conselho; 2º — porque, enquanto a inexatidão, o parecer increpa o Conselho de inculcar prejuízo nos direitos nacionais, e nas fortunas e bens dos povos, quando o Conselho mostrou que dos gados dízimos coletados no último ano pela Província da Paraíba nas duas ribeiras Sabugi e Pinharas deram 9$000 pagos, a metade em prata e a metade em cobre, sem falar no prejuízo que sofreu a tesouraria da Paraíba que, segundo lhe constava, era de 12 ã 14 contos e que tomando o termo médio e o preço de 9$000 vinham dar essas ribeiras pelo menos 1.500 cabeças de gado, no que, pela diferença, de preços, perdia a Nação quase 4 contos, cujo prejuízo se não podia deixar de atender, a não se satisfazer o capricho, atento ao apuro das finanças em que se achava a Nação, tantas vezes reclamado nas Câmaras. O Conselho mostrou mais que a Santa Casa de Misericórdia, tendo a sua instituição o direito nos dízimos miúdos daquelas duas ribeiras com a sua desmembração sofreu um grave prejuízo."

E assim prosseguiu o representante paraibano, concluindo por julgar desconhecidos os direitos da sua Província.
Ao discutir em 1835 o parecer da Comissão de Estatística da Câmara, o primeiro orador a ocupar a tribuna foi o mesmo Sr. Veiga Pessoa, cuja oração é assim resumida nos Anais:

"O Sr. Veiga Pessoa, em um longo discurso, combate o parecer da Comissão, por inadmissível, e por fúteis razões nele apresentadas, e demonstra que não fala nesse negócio senão como deputado do Brasil; e a favor dos Povos da Paraíba por ver a justiça que lhes assiste, pois que esta Província nada mais quer do que aquilo que de justiça lhe deve dar; e declara mais o ilustre deputado que a Província do Rio Grande do Norte não tem o comércio que tem hoje a Paraíba; que finalmente ele deputado, nesta matéria só quer mostrar a sua imparcialidade para que a Câmara conheça de que lado está a justiça da causa que se discute, e conclui oferecendo a seguinte emenda que é apoiada: "Os habitantes do território que pertencia à Província da Paraíba, e que pela resolução de 25 de outubro de 1831 ficou pertencente a do Rio Grande do Norte, podem com plena liberdade manifestar à qual das referidas Províncias quer pertencer, para que o Governo nomeará dois engenheiros hábeis, os quais com dois delegados, nomeados cada um pelos respectivos presidentes das sobreditas Províncias seguindo sempre a linha mais reta, por cordilheiras e serras, ou de rios e lugares notáveis, atendendo igualmente às comodidades e interesses comerciais dos mesmos habitantes. Outrossim, os mesmos engenheiros levantarão uma planta dos lugares limítrofes das referidas Províncias desde a costa até os fins das mesmas. Esta deliberação será quanto antes comunicada por via do Governo, aos dois Presidentes das referidas Províncias, os quais por via das Câmaras que mais vizinhas forem a estes Povos, farão publicar por editais a medida acima, a qual terá princípio quanto antes.
Paço da Câmara dos Deputados, ... de outubro de 1835 — José Maria Ildefonso Jacome da Veiga Pessoa.

O Sr. Sebastião do Rego emenda o parecer da seguinte maneira:

A Assembleia Geral Legislativa Resolve:
Art. 1º — Havendo contestações entre duas Províncias do Império sobre ajuste e fixação dos seus respectivos limites, o Governo Supremo nomeará dois engenheiros para procederem aos exames necessários, e fazerem, com atenção à comodidade e interesse dos povos, a linha divisória, intervindo árbitros de cada uma das Províncias interessadas, nomeados estes pelos Presidentes.
Art. 2º — O resultado destes trabalhos, reduzido a plano aproximado à igualdade das Províncias, será submetido à aprovação da Assembleia Geral Legislativa.
Art. 3º — As despesas feitas para o mencionado fim serão pagas pro-rata pelas rendas provinciais, salvo os vencimentos dos engenheiros, que o serão pelas rendas gerais.
Art. 4º — Ficam derrogadas todas as leis e disposições em contrário.

O assunto continua em debate que é assim resumido: O Sr. Henrique de Resende:
Vota pela emenda oferecida pelo Sr. Sebastião Rego.
— O Sr. Veiga Pessoa sustenta a sua emenda, contra o Sr. Sebastião Rego que vai demorar o negócio, por ter de ir ao Senado.
O Sr. Albuquerque Cavalcanti, membro da Comissão, respondeu ao Sr. Veiga Pessoa, e vota pelo parecer, O Sr. Brito Guerra faz longo discurso. Vota pelo parecer, contra as emendas.

Resultado Final:
Aprovação do parecer da Comissão de Estatística e rejeição de todas as emendas.
A solução dada aos limites do Seridó com a Paraíba pela lei de 1831, ratificada em 1835 pelo Poder Legislativo Nacional, permanece inalterada até a presente data.
Afigura-se-me que foi justa e certa.
E a perfeita harmonia em que vivem as duas unidades administrativas do Nordeste, traduz de modo seguro e irrecusável a plena satisfação de ambas, Rio Grande do Norte e Paraíba, na posse pacífica dos territórios que as suas populações ocupam, e os seus Governos dirigem, secular e fraternalmente unidos, em bem dos destinos comuns.

Fonte:
Seridó. 2 ed. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1980, p. 61-74.

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