MANIFESTO PUBLICADO NA REVISTA NICTHEROY EM 1836
Domingos José Gonçalves de Magalhães
I
A literatura de um povo é o desenvolvimento do que ele tem de mais sublime nas ideias, de mais filosófico no pensamento, de mais heroico na moral e de mais belo na natureza; é o quadro animado de suas virtudes e de suas paixões, o despertador de sua glória e o reflexo progressivo de sua inteligência.
E, quando esse povo, ou essa geração, desaparece da superfície da terra, com todas as suas instituições, crenças e costumes, escapa a literatura aos rigores do tempo para anunciar às gerações futuras qual fora o caráter e a importância do povo, do qual é ela o único representante na posteridade. Sua voz, como um eco imortal, repercute por toda parte, e diz: em tal época, debaixo de tal constelação e sobre tal ponto do globo existia um povo cuja glória só eu a conservo, cujos heróis só eu conheço. Vós, porém, se pretendeis também conhecê-lo, consultai-me, porque eu sou o espírito desse povo e uma sombra viva do que ele foi.
Cada povo tem sua história própria, como cada homem seu caráter particular, cada árvore seu fruto específico, mas esta verdade incontestável para os primitivos povos, algumas modificações, contudo, experimenta entre aqueles cuja civilização apenas é um reflexo da civilização de outro povo. Então, como nas árvores enxertadas, vêm-se pender dos galhos de um mesmo tronco frutos de diversas espécies.
E, posto que não degenerem muito, os do enxerto brotaram, contudo algumas qualidades adquirem, dependentes da natureza do tronco que lhes dá o nutrimento, as quais os distinguem dos outros frutos da mesma espécie. Em tal caso, marcham a par as duas literaturas e distinguir-se pode a indígena da estrangeira.
Em outras circunstâncias, como as águas de dois rios, que em um confluente se anexam, as duas literaturas de tal jeito se aliam que impossível é o separá-las. A Grécia, por exemplo, tinha uma literatura que lhe era própria, que lhe explica suas crenças, sua moral, seus costumes, uma literatura toda filha de suas ideias, uma literatura, enfim, toda grega.
Domingos José Gonçalves de Magalhães
A Europa de hoje, ou tomemos a França, ou a Inglaterra, ou a Itália, ou a Espanha, ou Portugal, apresenta o exemplo da segunda proposição. Além da literatura que lhe é própria, dessa literatura filha de sua civilização, originária do cristianismo, nós aí vemos outra literatura, que chamamos enxertada, e que não é mais do que uma lembrança da mitologia antiga e uma recordação de costumes que não são seus. E não só as duas literaturas marcham a par, como muitas vezes o mesmo poeta se vota à cultura de ambas e, como diz Tasso, falando do mágico Ismeno:
Anzi sovente in uso empio e profano
Confonde le due leggi a se mal nota.
Para prova da terceira proposição, no caso em que as literaturas de modo tal se mesclam que não é possível separá-las, vemos, na literatura romântica da Espanha, uma mistura de ideias cavalheirescas e arábicas, restos da antiga civilização dos Árabes; algumas vezes ela é cristã na sua matéria, é arábica quanto à forma.
Mas não são estas as únicas modificações que entre os diversos povos experimenta a literatura; outras há que, da natureza mesmo [sic] do homem, da civilização e do progresso, dependem. Porque seja qual for a modificação que sofra a literatura, há sempre algum acordo entre ela e as circunstâncias peculiares e temporárias do povo a que pertence e da inteligência que a produz. Assim, a literatura é variável como são os séculos; semelhante ao termômetro que sobe ou desce, segundo o estado da atmosfera.
Por uma espécie de contágio, uma ideia lavra às vezes entre os homens de uma mesma época, reúne-os todos em uma mesma crença, seus pensamentos se harmonizam e para um só fim tendem.
Cada época representa então uma ideia que marcha escoltada de outras que lhe são subalternas, como saturno, rodeado dos seus satélites. Essa ideia principal contém e explica as outras ideias, como as premissas do raciocínio contêm e explicam a conclusão. Essa ideia é o espírito, o pensamento mais íntimo de sua época; é a razão oculta dos fatos contemporâneos.
A literatura, abrangendo grande parte de todas as ciências e artes e, sendo elas filha e representante moral da civilização, é mister um concurso de extensos conhecimentos para se puder traçar a sua história geral ou particular e não perder-se de vista a ideia predominante do século, luminoso guia na indagação e coordenação dos fatos, sem o quê a história é de pouco valor e seu fim principal iludido.
Aplicando-se agora, especialmente ao Brasil, as primeiras questões que se nos apresentam são: qual é a origem da literatura brasileira? Qual o seu caráter, seus progressos e que fases tem tido? Quais os que a cultivaram e quais as circunstâncias que, em diversos tempos, favoreceram ou tolheram o seu florescimento? É, pois, mister remontar-nos ao estado do Brasil depois do seu descobrimento e daí, pedindo conta à história - e à tradição viva dos homens - de como se passaram as coisas, seguindo a marcha do desenvolvimento intelectual e, pesquisando o espírito que a presidia, poderemos apresentar, senão acabado, ao menos um verdadeiro quadro histórico da nossa literatura.
Mas, ante de encetar a matéria, uma consideração aqui nos demora e pede o caso que a explanemos. Lugar é este de expormos as dificuldades que na execução deste trabalho encontramos.
Aqueles que alguns lumes de conhecimento possuem, relativos à nossa literatura, sabem que mesquinhos e expassos [sic] (escassos) são os documentos que sobre ela se podem consultar. Nenhum nacional, que saibamos, ocupado se tem até hoje de tal objeto. Dos estrangeiros, Bouterwech, Sismonde de Sismondi e Mr. [sic] Ferdinand Dinis alguma coisa disseram. O primeiro, apenas conhecia Claudio Manuel da Costa, de quem alguns extratos apresenta; o segundo, inteiramente se pautua pelo primeiro e a menção que faz de alguns Brasileiros fora mesmo excluída do plano da sua obra sobre a Literatura do Meio dia da Europa, se nela não entrasse como um apêndice à história da literatura portuguesa. No resumo da história literária de Portugal e do Brasil, por Mr. [sic] Ferdinand Dinis, posto que separadas estejam elas, e porventura mais extenso desenvolvimento ofereça a segundo, contudo basta um lance d‘olhos para ver-se que ainda está longe de ser completa, servindo apenas para dar uma ideia a estrangeiros.
Eis tudo o que sobre a literatura do Brasil se tem escrito até hoje, se só por isso nos guiássemos, na impossibilidade em que ficaríamos de nada poder acrescentar; teríamos preferido traduzir esse pouco, o que de nada serviria para a história. Empenhados em dar alguma coisa mais meritória, começamos por estudar a nossa história e, desde aí, encontramos grandes embaraços para o nosso escopo. Necessário nos foi a leitura do imenso trabalho biográfico do Abade Barbosa, para podermos achar, por acaso aqui e ali, o nome de algum Brasileiro distinto no meio desse aluvião de nomes colecionados, às vezes com bem pouca crítica. Ainda assim, convinha ler suas obras; eis aí uma quase insuperável dificuldade.
Embalde por algumas delas, de que tínhamos notícia, investigamos todas as Bibliotecas de Paris, de Roma, de Florença, de Pádua e de outras principais cidades da Itália que visitamos. Foi-nos preciso contentar-nos com o que pudemos obter. Acresce mais que, dos nossos primeiros poetas, até ignoramos a época do seu nascimento que tanto apreço damos nós aos grandes homens que nos honram, desses homens cuja herança é hoje nossa única glória. Essa dificuldade já foi reconhecida pelo ilustre editor do Parnaso Brasileiro*, cujo trabalho, tão digno de louvor, muito serviu-nos. Enfim, depois de um longo e enfadonho estudo, vimo-nos quase reduzidos, sem outro guia mais que nosso próprio juízo, a ler e analisar os autores que pudemos obter, esperando que o tempo nos facilite os meios para o fim a que nos propomos.
Todos estes tralhos e obstáculos, mencionamos, não com o fito de realçar o mérito deste bosquejo, mas sim para merecer desculpa das muitas faltas e penúrias que se notem e, outrossim, para que, à vista de tal incúria e mendigues [sic], mais zelosos sejamos em pesquisar e conservar os monumentos de nossa glória para a geração de uma futura, a fim de que nos não exprobre o nosso desmazelo e de bárbaros não nos acuse, como, com razão, o poderíamos fazer em relação aos nossos maiores.
Nós pertencemos ao futuro, como o passado nos pertence. A glória de uma Nação que existe, ou que já existiu, não é senão o reflexo da glória de seus grandes homens. De toda a antiga grandeza da pátria dos Cíceros e dos Virgílios, apenas nos restam suas imortais obras e essas ruínas que tanto atraem os olhos do estrangeiro, e, no meio das quais, a moderna Roma se levanta e se enche de orgulho. Que cada qual se convença do que diz Madame e de Staël: “a glória dos grandes homens é o patrimônio de um país livre; depois que eles morrem, todos participam dela”.
O aparecimento de um grande homem é uma época para a história e, semelhante a uma joia precisa, que só possuímos quando podemos possuí-la, o grande homem jamais se apresenta, quando o não merecemos. Ele pode existir no meio de nós sem ser conhecido, sem se conhecer a si mesmo, como o ouro nas entranhas da terra, e só espera que o desencavem para adquirir o seu valor. A incapacidade que o desconhece, o anula. Empreguemos os meios necessários e temos grandes homens. Se é verdade que a recompensa anima o trabalho, a recompensa do gênio é a glória e, segundo um belo pensamento de Madame de Staël: “o gênio no meio da sociedade é uma dor, um febre interior de que se deve tratar como verdadeira moléstia, se a recompensa da glória lhe não adoça as penas”.
II
O Brasil, descoberto em 1500, jazeu três séculos esmagado debaixo da cadeira de ferro em que se recostava um Governador colonial com todo o peso de sua insuficiência e de seu orgulho. Mesquinhas intenções políticas, por não dizer outra coisa, ditavam leis absurdas e iníquas que entorpeciam o progresso da civilização e da indústria. Os melhores engenhos em flor morriam, faltos desse orvalho protetor que os desabrocha. Um ferrete ignominioso de desaprovação, gravado na fronte dos nascidos no Brasil, indignos os tornava dos altos e civis empregos. Para o Brasileiro, no seu país, obstruídas e fechadas estavam todas as portas e estradas que podiam conduzi-lo à ilustração. Uma só porta ante seus passos se abria: era a porta do convento, do retiro, do esquecimento! A religião lhe franqueava essa porta, a religião a fechava sobre seus passos; e o sino que o chamava ao claustro anunciava também sua morte para o mundo. O gênio em vida sepultado, cerca de místicas imagens, apenas saía para catequizar os índios no meio das florestas virgens, ou para pregar aos colonos, nos dias de repouso, as verdades do Evangelho. Mas em vão. As virtudes do cristianismo não se podiam domiciliar nos corações desses homens, encharcados de vícios e tirados, pela maior parte, dos cárceres de Lisboa para vir povoar o Novo Mundo. Deus nos preserve de lançar o opróbrio sobre ninguém. Era então um sistema o de fundar colônias com homens destinados ao patíbulo; era basear uma Nação nascente sobre todas as espécies de vícios e de crimes. Tais homens para seus próprios filhos olhavam como para uma raça degenerada e inepta para tudo. Quanto aos índios, esses infelizes perseguidos eram, a ferro e fogo, como se fossem animais ferozes. Nem eles em outra categoria eram considerados pelos seus arrebanhadores. Sabe-se que necessário foi que uma bula do Papa Paulo III os declarasse verdadeiros homens e capazes, por isso, da fé de Cristo, sem o quê, talvez, os Europeus os houvessem de todo exterminado! Da barbaridade de tais homens, traça Simão de Vasconcelos um quadro bem triste, dizendo: “os Portugueses que ali estavam e começavam a povoar esses lugares, viviam a modo de gentios e os gentios, com o exemplo destes, iam fazendo menos conceito da lei de Cristo e, sobretudo, que vivam aqueles Portugueses de um trato vivíssimo, salteando os pobres Índios, ou nos caminhos, ou em suas terras, servindo-se deles e anexando-os contra todas as leis da razão”. E mais abaixo diz ainda: viviam (os Portugueses) do rapto dos Índios, e era tido o ofício de salteá-los por valentia e por ele eram os homens estimados.
Tal era o estado daqueles tempos! Que podemos nós ajuntar a essas citações? Tal era toda a indústria, arte e ciência dos primeiros habitantes portugueses das terras de Santa Cruz! Triste é, sem dúvida, a recordação dessa época, em que o Brasileiro, como lançado em terra estrangeira, duvidoso em seu próprio país, vagava, sem que dizer pudesse: “isto é meu, neste lugar nasci!”. Envergonhava-se de ser Brasileiro e, muitas vezes, com o nome de Português se acobertava para ao menos aparecer como um ente da espécie humana e poder alcançar um emprego no seu país. Destarte, circunscrito em tão curto estádio, estranho à nacionalidade e sem o incentivo da glória, ia este povo vegetando oculto e arredado da civilização.
Quem não dirá que Portugal, com esse sistema opressor, só curava de atenuar e enfraquecer esta imensa colônia, porque conhecia sua própria fraqueza e ignorava seus mesmos interesses? Quem não dirá que ele temia que a mais alto ponto o Brasil se erguesse e lhe ofuscasse a glória? Assim é que um bárbaro senhor algema seu escravo, receoso que ele lhe fuja e só lhe desprende os braços para seu serviço em rústicos trabalhos. A Economia política em combatido vitoriosamente o erro que desde muito grassava na política, que um povo não pode prosperar senão à custa de outro povo e com sacrifício de tudo que o rodeia. A política, essa que, à imitação dos Romanos e de todos os povos dos baixos tempos, Portugal exerceu sobre o Brasil.
O tempo sancionou as verdades que a história e a memória recente dos fatos nos recordam e o tempo, prosseguindo em sua marcha, irá mostrando qual é o destino que a Providência tem marcado a este Império da América. A Deus não praza que esse perigoso fermento que entre nós gira, esse germe da discórdia, resaibo (?) ainda de não apurada educação, e sobretudo a escravidão, tão contrária ao desenvolvimento da indústria e das artes e tão perniciosa à moral, não impeçam sua marcha e engrandecimento.
Parecerão, talvez, estas considerações fora do objeto a que nos propomos, mas intimamente a ele se ligam e o explicam. Ainda uma vez e por outras palavras diremos que o nosso propósito não é traçar cronologicamente as biografias dos autores brasileiros mas sim a história da literatura do Brasil, que toda a história, como todo drama, supõe uma cena, atores, paixões e um fato que, progressivamente, se desenvolve, que tem sua razão e um fim. Sem estas condições, não há história, nem drama.
Através das espessas trevas em que se achavam envolvidos os homens neste continente americano, viram-se alguns espíritos superiores brilhar de passagem, bem semelhantes e essas luzes errantes que o peregrino admira em solitária noite nos desertos do Brasil; sim, eles eram como pirilampos que, no meio das trevas, fosfoream. E poder-se-á, com razão, acusar o Brasil de não ter produzido inteligências de mais subido quilate? Mas que povo escravizado pôde cantar com harmonia, quando o retinido das cadeias e o ardor das feridas sua existência torturaram ? Que colono tão feliz, ainda com o peso sobre os ombros e, curvado sobre a terra, a voz ergueu no meio do universo e gravou seu nome nas páginas da memória ? Quem, não tendo a consciência da sua livre existência, só rodeado de cenas de miséria, pôde soltar um riso de alegria e exalar o pensamento de sua individualidade ? Não, as ciências, a poesia e as belas-artes, filhas da liberdade, não são partilhas do escravo, irmãos da glória, fogem do país amaldiçoado, onde a escravidão rasteja e só com a liberdade habitar podem.
Se refletirmos, veremos que não são poucos os escritores, para um país que era colônia portuguesa, para um país onde, ainda hoje, o trabalho do literato, longe de assegurar-lhe com a glória uma independência individual, e um título de mais reconhecimento público, parece, ao contrário, desmerecê-lo e desviá-lo da liga dos homens positivos que, desdenhosos, dizem: é um poeta sem distinguir se apenas é um trovista ou um homem de gênio, como se dissessem: eis aí um ocioso, um parasita, que não pertence a este mundo. Deixai-o com a sua mania.
Aí canta o poeta por mera inspiração celeste, por essa necessidade de cantar, para dar desafogo ao coração. Ao princípio, cantava para honrar a beleza, a virtude e seus amores. Cantava ainda para adormentar as amarguras da alma, mas logo que a ideia da pátria apareceu aos poetas, começaram eles a invocá-la para objeto dos seus cânticos. Sempre, porém, como o peregrino no meio dos bosques que vai cantando sem esperança de recompensa, o poeta brasileiro não é guiado por nenhum interesse e só o amor mesmo, da poesia e da pátria o inspira. Ele pode dizer com o épico português:
Vereis amor da pátria, não movido
De prêmio vil.
Se em total esquecimento muitos deles existem, provém isto, em parte, da língua em que escrevem, que tão pouco conhecida é a língua portuguesa na Europa, principalmente em França, Inglaterra e Alemanha, onde mais alto soa o brado da fama e colossal reputação se adquire. Em parte, sobre nós deve recair a censura, que tão pródigos somos em louvar a admirar os estranhos, quão mesquinhos e ingratos nos mostramos para com os nossos e, deste jeito, visos damos que nada possuímos. Não pretendemos que a esmo se louve tudo o que nos pertence, só porque é nosso; vaidade fora insuportável.
Mas por ventura vós que consumistes vossa mocidade no estudo dos clássicos latinos e gregos, vós que ledes Racine, Voltaire, Camões ou Felinto Elísio e não cessais de admirá-los, muitas vezes mais por imitação que por própria crítica, dizei-me: apreciastes vós as belezas naturais de um Santa Rita Durão, de um Basílio da Gama e de um Caldas ? Toca ao nosso século restaurar as ruínas e reparar as faltas dos passados séculos. Cada Nação livre reconhece hoje mais que nunca a necessidade de marchar. Marchar para uma Nação é engrandecer-se moralmente, é desenvolver todos os elementos da civilização. É pois mister reunir todos os títulos de sua existência para tomar o posto que justamente lhe compete na grande liga social, como o nobre recolhe os pergaminhos da sua genealogia para na presença do soberano fazer-se credor de novas graças.
Se o futuro só pode sair do presente, a grandeza daquele se medirá pela deste. O povo que se olvida a si mesmo, que ignora o seu passado, como o seu presente, como tudo o que nele se passa, esse povo ficava sempre na imobilidade do império Indochinês.
Nada de exclusão, nada de desprezo. Tudo o que poder concorrer para o esclarecimento da história geral dos progressos da humanidade merecer deve a nossa consideração. Jamais uma Nação poderá prever o seu futuro, se não conhece o que ela é comparativamente com que ela foi. Estudar o passado é ver melhor o presente, é saber como se deve marchar para um futuro mais brilhante. Nada de exclusão; a exclusão é dos espíritos apoucados, que em pequena órbita giram, sempre satélites, e só brilhantes de luz emprestada. O amante da verdade porém, por caminhos não trilhados, em tudo encontra interesse e objeto de profunda meditação; como o viajor naturalista que se extasia na consideração de uma florzinha desconhecida, que o homem bronco tantas vezes vira com desprezo. O que era ignorado, ou esquecido, romperá destarte o envoltório de trevas, e achará devido lugar entre as coisas já conhecidas e estimadas.
Depois de tantos sistemas exclusivos, o espírito eclético anima o nosso século; ele se levanta como um imenso colosso vivo, tendo diante dos olhos os anais de todos os povos, em uma mão o archote da filosofia aceso pelo gênio da investigação, com a outra aponta a esteira luminosa onde se convergem todos os raios de luz, escapados do brandão que sustenta. - Luz e progresso; eis sua divisa. Não, oh Brasil, no meio do geral movimento tu não deves ficar imóvel e apático, como o colono sem ambição, e sem esperanças. O gérmen da civilização, lançado em teu seio pela Europa, não tem dado ainda os frutos que devia dar; vícios radicais têm tolhido seu desenvolvimento. Tu afastaste de teu colo a mão estranha que te sufoca; respira livremente, cultiva com amor as ciências, as letras, as artes e a indústria, e combate tudo o que entrevá-las pode.
III
Não se pode lisonjear muito o Brasil de dever a Portugal sua primeira educação, tão mesquinha foi ela que bem parece ter sido dada por mãos avaras e pobres; contudo boa ou má dele herdou, e o confessamos, a literatura e a poesia, que chegadas a este terreno americano não perderam o seu caráter europeu. Com a poesia vieram todos os deuses do paganismo; espalharam-se pelo Brasil, e dos céus, e das florestas, e dos rios se apoderaram.
A poesia brasileira não é uma indígena civilizada; é uma grega vestida à francesa e à portuguesa, e climatizada no Brasil; é uma virgem do Hélicon que, peregrinando pelo mundo, estragou seu manto, talhado pelas mãos de Homero, e sentada à sombra das palmeiras da América, se apraz ainda com as reminiscências da pátria, cuida ouvir o doce murmúrio da castalha, o trépido sussurro do Lodon e do Ismeno, e toma por um rouxinol o sabiá que gorjeia entre os galhos da laranjeira. Enfeitiçados por esse nume sedutor, por essa bela estrangeira, os poetas brasileiros se deixaram levar por seus cânticos, e olvidaram a simples imagem que uma natureza virgem com tanta profusão lhes oferecia. Semelhante à Armida de Tasso, cuja beleza, artifícios e doces palavras atraíram e desorientaram os principais guerreiros do exército cristão de Gofredo. É rica a mitologia, são belíssimas as suas ficções, mas à força de serem repetidas e copiadas vão sensivelmente desmerecendo; além de que, como o pássaro da fábula, despimos nossas plumas para nos apavorar com velhas galas, que nos não pertencem.
Em poesia requer-se mais que tudo invenção, gênio e novidade; repetidas imitações o espírito esterilizam, como a muita arte e preceitos tolhem e sufocam o gênio. As primeiras verdades da ciência, como os mais belos ornamentos da poesia, quando a todos pertencem, a ninguém honram. O que mais dá realce e nomeada a alguns dos nossos poetas não é certamente o uso dessas sediças fábulas, mas sim outras belezas naturais, não colhidas nos livros, e que só o céu da pátria lhes inspirará. Tão grande foi a influência que sobre o engenho brasileiro exerceu a grega mitologia, transportada pelos poetas portugueses, que muitas vezes poetas brasileiros se metamorfoseiam em pastores da Arcádia, e vão apascentar seus rebanhos imaginários nas margens do Tejo e cantar à sombra das faias.
Mas há no homem um instinto oculto que o dirige a despeito dos cálculos da educação, e de tal modo o aguilhoa esse instinto que em seus atos imprime um certo caráter de necessidade, a que chamamos ordem providencial ou natureza das coisas. O homem colocado diante de um vasto mar, ou no cume de uma alta montanha, ou no meio de uma virgem e emaranhada floresta, não poderá ter por longo tempo os mesmos pensamentos, as mesmas inspirações, como se assistisse aos olímpicos jogos, ou na pacífica Arcádia habitasse. Além dessas materiais circunstâncias, variáveis nos diversos países, que muito influem sobre a parte descritiva e caráter da paisagem poética, um elemento há sublime por sua natureza, poderoso por sua inspiração, variável, porém, quanto à sua forma, base da moral poética, que empluma as asas do gênio, que o inflama e fortifica, e ao través do mundo físico o eleva até Deus; esse elemento é a religião.
Se sobre tais pontos meditassem os primeiros poetas brasileiros, certo que logo teriam abandonado essa poesia estrangeira, que destruía a sublimidade de sua religião, paralisava-lhe o engenho, e o cegava na contemplação de uma natureza grandiosa, reduzindo-os afinal a meros imitadores. Não, eles não meditaram, nem meditar podiam; no princípio das coisas obra-se primeiro como se pode, a reflexão vem mais tarde. Acreditava-se então que mitologia e poesia era uma e a mesma coisa. O instinto, porém, e a razão mais esclarecida os foram guiando e posto que lentamente, as encanecidas montanhas da Europa se humilharam diante das sempre verdes e alterosas montanhas do Novo Mundo; a virgem homérica, semelhante à convertida esposa de Eudoro, abraça o Cristianismo, e, neófita ainda, mal iniciada nos mistérios arcanos de sua nova religião resvala às vezes, e no enlevo da alma, no meio de seus sagrados cânticos se olvida e adormentada sonha com as graciosas mentiras que ao berço lhe embalaram. Não, ela não pode ainda, posto que naturalizada na América, esquecer-se dos sacros bosques do Parnaso, à cuja sombra se recreara desde o albor de seus anos. Dirias que ela é combatida pela moléstia da pátria, e que nos assomos da nostalgia à Grécia transportada se julga, e com seus deuses delira; saudosa moléstia que só o tempo curar pode. Mas enfim é já um passo, e praza ao céu que a conversão seja completa, e que os vindouros vates brasileiros achem no puro céu da sua pátria um sol mais brilhante que Febo, e angélicos gênios que os inspirem mais sublimes que as Piérides.
Se compararmos o atual estado da civilização do Brasil com o das anteriores épocas, tão notável diferença encontraremos como se entre o fim do século passado e o nosso tempo presente ao menos um século medeara. Devido é isso a causas que ninguém ignora. Com a expiração do domínio português muito se desenvolveram as ideias. Hoje o Brasil é filho da civilização francesa, e como Nação é filho dessa revolução famosa que abalou todos os tronos da Europa, e repartiu com os homens a púrpura e os cetros dos reis.
O gigante da nossa idade mandou o justo com as suas baionetas até à extremidade da Península ibérica e o neto dos Afonsos, aterrorizado como um menino, temeu que o braço vitorioso do árbitro dos reis cair fizesse sobre sua cabeça o palácio dos seus avós. Ele foge e com ele toda a sua corte; deixam o natal país, atravessam o Oceano e trazem ao solo brasileiro o aspecto novo de um rei, e os restos de uma grandeza sem brilho. Eis aqui como o Brasil deixou de ser colônia e foi depois elevado à categoria de Reino Unido. Sem a revolução francesa, que tanto esclareceu os povos, esse passo tão cedo se não daria. Com esse fato abriu-se para o Brasil uma nova série de coisas favoráveis ao seu rápido desenvolvimento, tornando-se o Rio de Janeiro a sede da Monarquia. Aqui pára a primeira época da sua história. Começa a segunda, em que, colocado o Brasil em mais larga estrada, se apresta para conquistar a liberdade e a independência, consequências necessárias da civilização.
Os acontecimentos notáveis da história do Brasil se apresentam neste século como espécies de contrapancadas ou ecos dos grandes fastos modernos da Europa. O primeiro, como vimos, devido foi à Revolução Francesa; o segundo à promulgação da constituição em Portugal, que apressou o regresso do rei D. João VI a Lisboa, deixando entre nós o herdeiro do trono. O Brasil já não podia então viver debaixo da tutela de uma metrópole, que de suas riquezas se nutrira, e pretendia reduzi-lo ao antigo estado colonial. A independência política tornou-se necessária; todos a desejavam, e impossível fora sufocar o grito unânime dos corações brasileiros ávidos de liberdade e de progresso. E quem pode opor-se à marcha de um povo que conhece a sua força, e firma a sua vontade? A independência foi proclamada em 1822 e reconhecida três anos depois. A Providência mostrou mais tarde que tudo não estava feito!
Coisas há que se não podem prever. Em 1830 caiu do trono da França o rei que o ocupava, e no ano seguinte deu-se inesperadamente no Brasil análogo acontecimento! A coroa do Ipiranga que cingia a fronte do Príncipe português, reservado pela Providência para ir assinalar-se na terra pátria, passou à fronte de seu filho, o jovem Imperador, que fora ao nascer bafejado pelas auras americanas e pelo sol dos trópicos aquecido.
De duas distintas partes consta a história do Brasil: compreende a primeira os três séculos coloniais; e a segunda o curto período que decorre desde 1808 até os nossos dias. Examinemos agora quais são os escritores desses diversos tempos, o caráter e o progresso que mostra a nossa literatura.
No século décimo sexto, que é o do descobrimento, nenhum escritor brasileiro existiu de que tenhamos notícia. No seguinte século alguns aparecem poetas e prosadores dos quais trataremos mais em particular em um capítulo separado, limitando-nos agora a dizer em geral que, fundando-se as primeiras povoações do Brasil debaixo dos auspícios da religião e pelos esforços dos Jesuítas, a literatura nesse século mostra instável propensão religiosa, principalmente a prosa, que toda consiste em orações sagradas.
É no século XVIII que se abre verdadeiramente a carreira literária para o Brasil, sendo a do século anterior tão minguada que apenas serve para a história. Os moços que no século passado iam à Europa colher os frutos da sapiência, traziam para o seio da pátria os germes de todas as ciências e artes; aqui benigno acolhimento achavam nos espíritos ávidos de saber. Destarte se espalhavam as luzes, posto que a estrangeiros e a livros defendido fosse o ingresso no país colonial. Os escritos franceses começaram a ser apreciados em Portugal; suas ideias se comunicaram ao Brasil; dilataram-se os horizontes à inteligência; todos os ramos da literatura foram cultivados, e homens de subida têmpera mostraram que os nascidos nos incultos sertões da América podiam dilatar seu voo até as margens do Tejo e emparelhar com as Tágides no canto.
No começo do século atual, com as mudanças e reformas que tem experimentado o Brasil, novo aspecto apresenta a sua literatura. Uma só ideia absorve todos os pensamentos, uma ideia até então quase desconhecida; é a ideia da pátria; ela domina tudo, e tudo se faz por ela, ou em seu nome.
Independência, liberdade, instituições sociais, reformas políticas, todas as criações necessárias em um nova Nação, tais são os objetos que ocupam as inteligências, que atraem a atenção de todos, e os únicos que ao povo interessam.
Tem-se notado, e com razão, que contrárias à poesia são as épocas revolucionárias; em tais crises a poesia, que nunca morre, só fala a linguagem enfática do entusiasmo e das paixões patrióticas, é a época dos Tirteus. Mas longe estamos por isso de amaldiçoar as revoluções que regeneram os povos; reconhecemos sua missão na história da humanidade; elas são úteis, porque meios são indispensáveis para o progresso do gênero humano, e até mesmo para o movimento e progresso literário.
É verdade que quando elas agitam as sociedades, pára um pouco e desmaiar parece a cansada literatura; mas é para de novo continuar mais bela e remoçada na sua carreira; como o viajor se recolhe e repousa assustado quando negras nuvens trovejam e ameaçam a propínqua tempestade; mas finda a tormenta, continua a sua marcha, gozando da perspectiva de um céu puro e sereno, de um ar mais suave, e de um campo por fresca verdura esmaltado.
Aqui terminaremos a vista geral sobre a história da literatura do Brasil, dessa literatura sem um caráter nacional pronunciado, que a distinga da portuguesa. Antes, porém, de entrarmos na exposição e análise dos trabalhos dos nossos primeiros escritores, uma questão se levanta e requer ser aqui tratada, questão toda concernente ao país e aos seus Indígenas.
IV
Pode o Brasil inspirar a imaginação dos poetas e ter uma poesia própria ? Os seus indígenas cultivaram porventura a poesia ?
Tão geralmente conhecida é hoje esta verdade que a disposição e caráter de um país grande influência exerce sobre o físico e o moral dos seus habitantes que a damos como princípio e cremos inútil insistir em demonstrá-lo com argumentos e fatos, por tantos naturalistas e filósofos apresentados.
Aí estão Buffon e Montesquieu que assaz o demonstram. Ainda hoje, poetas europeus vão beber no Oriente as suas mais belas inspirações; Byron, Chateaubriand e Lamartine sobre seus túmulos meditaram.
Ainda hoje se admira o tão celebrado céu da Grécia e da Itália, o céu que inspirou a Homero e a Píndaro e o que inspirou a Virgílio e Horácio. Vimos esse céu que cobre as ruínas do Capitólio e do Coliseu.
Sim, é belo esse céu, mas o do Brasil não lhe cede em beleza! Falem por nós todo os viajores que, por estrangeiros, não os tacharão de suspeitos. Sem dúvida que eles fazem justiça e o coração do Brasileiro, não tendo por hora muito do que se ensoberbeça quanto às produções das humanas fadigas, que só com o tempo se acumulam, enche-se de prazer e palpita de satisfação, lendo as brilhantes páginas de Langsdorff, Neuwied, Spix et Martius, Saint-Hilaire, Debret e de tantos outros viajores que revelaram à Europa as belezas da nossa pátria.
Este imenso país da América, situado debaixo do mais belo céu, cortado de tão pujantes rios, que sobre leitos de ouro e de preciosas pedras rolam suas águas caudalosas; este vasto terreno revestido de eternas matas onde o ar está sempre embalsamado com o perfume de tão peregrinas flores que em chuveiro se despencam dos verdes dóceis [sic] formados pelo entrelaçamento de ramos de mil espécies; estes desertos remansos onde se anuncia a vida pela voz estrepitosa da cascata que se desempenha, pelo doce murmúrio das auras e por essa harmonia grave e melancólica de infinitas vozes e quadrúpedes; este vasto Éden, entrecortado de enormíssimas montanhas sempre esmaltadas de copada verdura, em cujos topes o homem se crê colocado no espaço, mais perto do céu que da terra, vendo debaixo de seus pés desenrolar-se as nuvens, roncar as tormentas e rutilar o raio; este abençoado Brasil com tão felizes disposições de uma pródiga natureza, necessariamente devia inspirar os seus primeiros habitantes; os Brasileiros - músicos e poetas - nascer deviam. E quem o duvida ? Eles foram e ainda o são.
Por alguns escritos antigos, sabemos que algumas tribos indígenas se avantajam pelo talento da música e da poesia, entre todas, os Tamoios, que no Rio de Janeiro habitavam ,eram os mais talentosos.
Em seus combates, inspirados pelas cenas que os rodeavam, repetiam hinos guerreiros com que acendiam a coragem nas almas dos combatentes e, nas suas festas, cantavam em coros alternados de música e dança, cantigas herdadas de seus maiores.
Em um manuscrito antigo, cujo autor ignoramos quem seja*, lemos o seguinte: “São havidos estes Tamoios por grandes músicos entre o gentio e bailadores os quais são mui respeitados dos gentios por onde quer que vão”. Não era só a tribo dos Tamoios que se distinguia pelo gênio musical e poético, também os Caetés a ainda mais os Tupinambás que em paz vivam com os primeiros e pela língua e costumes mais com aqueles se assemelhavam. No mesmo manuscrito, lemos ainda: “Os Tupinambás se prezam de grandes músicos e a seu modo cantam com sofrível tom os quais têm boas vezes [sic] mas todos cantam por um tom e os músicos fazem motes de improviso e suas voltas que acabam no consoante do mote, os quais cantam e bailam juntamente em roda”.
Do respeito religioso que tais bárbaros consagram aos seus homens inspirados, uma prova nos dá o mesmo autor dizendo: “Entre os gentios são os músicos muito estimados e, por onde quer que vão, são bem agasalhados e muitos atravessam já o sertão por entre os seus contrários sem lhes fazerem mal”.
Tal veneração os [sic] seus cantores lembra-nos esses trovadores que, de país em país, peregrinavam e ante os quais se abriam as portas dos castelos dos senhores da idade média e ainda a respeitosa magnanimidade do grande conquistador antigo para a família do Lírico grego. É que à poesia e à música e dado o assenhoriar-se da liberdade humana, vibrar as fibras do coração, abalar e extasiar o espírito. Por meio dessas duas potências sabiamente empregadas pelos Jesuítas missionários do Brasil, os selvagens abandonavam os seus bosques e se amoldavam ao cristianismo e à civilização. Só as teorias de alguns homens que se inculcam de positivos, e mal estudam a natureza, desmerecer podem a importância social dessas duas irmãs e apenas considerá-las como meras artes de luxo e de recreação dos ociosos. Mas não é nosso intento agora tecer o panagírico [sic] da poesia e da música.
Os apóstolos do Novo Mundo, tão solícitos entre os Indígenas do Brasil, na propaganda da fé católica, compunham e traduziam em língua túpica [sic] alguns hinos da Igreja, para substituir aos seus cânticos selvagens, mas não consta que se dessem ao trabalho de recolher, ou de verter em língua portuguesa, os cânticos dos Índios. Posto que nenhum documento sobre isso tenhamos, contudo, talvez, a todo tempo alguns se encontrem na poeira das bibliotecas conventuais, com especialidade nas da Bahia. Que precioso monumento para nós não fora desses povos incultos que quase têm desaparecido da superfície da terra, sendo tão amigos da liberdade que, para evitar o cativeiro, caíam, de preferência, debaixo dos arcabuzes dos Portugueses que tentavam submetê-los ao seu jugo tirânico! Talvez tivessem eles de influir na atual poesia brasileira como os cânticos dos bardos influíram na poesia do Norte da Europa, harmonizando seus melancólicos acentos com a sublime gravidade do cristianismo.
Do que fica dito, podemos concluir que o país se não opõe a uma poesia original, antes a inspira. Se até hoje a nossa poesia não oferece um caráter inteiramente novo e particular, é porque os nossos poetas, dominados pelos preceitos, limitaram a imitar os antigos que, segundo diz Pope, é imitar mesmo a natureza, como se a natureza se ostentasse em todas as regiões e, diversos sendo os costumes, as religiões e as crenças, só a poesia não pudesse participar dessa atividade, dessa variedade, nem devesse exprimi-la. Faltou-lhes a força necessária para se despojarem do jugo dessas leis arbitrárias dos que se arvoram em legisladores do Parnaso. Depois que Homero, inspirado pelo seu próprio gênio, sem apoio de alheia crítica, se elevou à grandeza da epopeia, criação sua, e Píndaro do mesmo modo à sublimidade da lírica, vieram, então, os críticos e estabeleceram as regras. Convém, é certo, estudar os antigos e os modelos dos que se avantajaram nas diversas composições poéticas, mas não escravizar-se pela cega imitação. “O poeta independente”, diz Schiller, “não reconhece por lei senão as inspirações de sua alma e, por soberano, o seu gênio”.
Só pode um poeta chamar-se grande se é original, se de seu próprio gênio recebe as inspirações.
O que imita alheios pensamentos, nada mais é que um tradutor salteado, como é o tradutor um imitador seguido e igual é o mérito de ambos. E por mais que se esforcem, por mais que com os seus modelos emparelham, ou mesmo que os superem, pouca glória por isso lhes toca, tendo só, afinal, aumentado a daqueles.
Como não estudamos a história só com o único fito de conhecer o passado, mas sim com o fim de tirar úteis lições para o presente, assim, 1836.
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