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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

 

DISCURSO DE DOM PEDRO I

 

 

Discurso, que S. M, o Imperador recitou na abertura da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa a 3 de Maio de 1823.

  

Dignos representantes da nação brasileira, hoje o dia maior, que o Brasil tem tido; dia, em que ele pela primeira vez começa a mostrar ao Mundo, que é Império, e Império livre. Quão grande é Meu prazer, Vendo juntos Representantes de quase todas as Províncias fazerem conhecer umas às outras seus interesses, e sobre eles basearem uma justa e liberal Constituição, que as seja. Deveríamos já ter gozado de uma Representação Nacional: mas a Nação não conhecendo à mais tempo seus verdadeiros interesses, ou conhecendo-os, e não os podendo patentear, vista a força, e predomínio do partido Português, que sabendo muito bem a que ponto de fraqueza, pequenez , e pobreza Portugal já estava reduzido, e ao maior grau a que podia chegar de decadência, nunca quis consentir (sem embargo de proclamar Liberdade , temendo a separação) que os Povos do Brasil gozassem de uma Representação igual aquela, que eles então tinham. Enganaram-se nos seus planos conquistadores, e desse engano nos provem toda a nossa fortuna.

O Brasil, que por espaço de trezentos, e tantos anos sofreu o indigno nome de Colônia, e igualmente todos os males provenientes do sistema destruidor então adaptado, logo que o Senhor D. João VI, Rei de Portugal, e Algarve. Meu Augusto Pai o elevou à categoria de Reino pelo Decreto de 16 de Dezembro de 1815, exultou de prazer; Portugal bramiu de raiva, tremeu de medo. O contentamento, que os Povos deste vasto Continente mostraram nessa ocasião, foi inaudito: mas atrás desta medida política não veio, como devia ter vindo, outra, qual era a convocação de uma Assembleia, que organizasse o novo Reino.

O Brasil sempre sincero no seu modo de obrar, e mortificado por haver sofrido o jugo de ferro por tanto tempo antes, e mesmo depois de tal medida, imediatamente, que em Portugal se proclamou a Liberdade, o Brasil gritou Constituição Portuguesa; assentando, que por esta prova, que dava de confiança a seus pseudo Irmãos, seria por eles ajudado a livrar-se dos imensos vermes, que lhe roíam suas entranhas; não esperando nunca ser enganado.

Os Brasileiros que verdadeiramente amavam seu País jamais tiveram a intenção de se sujeitarem a Constituição, em que todos não tivessem parte, e cujas vistas eram de os converter repentinamente de homens livres, em vis escravos. Contudo, os obstáculos, que antes de 26 de Abril de 1821 se opunham à Liberdade Brasileira, e que depois continuaram a existir sustentados peta Tropa Europeia, fizeram com que estes Povos temendo que não pudessem gozar de uma Assembleia sua, fossem pelo amor da Liberdade, arrastados a seguir as infames Cortes de Portugal, para ver se, fazendo, tais sacrifícios, poderiam deixar de ser insultados pelo seu partido demagógico, que predominava nesse Hemisfério.

Nada disto valeu: fomos maltratados pela Tropa Europeia de tal modo, que Eu Fui obrigado a fazê-la passar há outra banda do Rio; pu-la em sitio, mandá-la embarcar, e sair barra fora, para salvar a honra do Brasil, e podermos gozar daquela Liberdade, que devíamos, e queríamos ter, para a qual debalde trabalharíamos por possuí-la, se entre nós consentíssemos um partido heterogêneo à verdadeira Causa.

Ainda bem não estávamos livres destes inimigos quando poucos dias depois aportou outra Expedição, que de Lisboa nos era enviada para nos proteger; Eu Tomei sobre Mim proteger este Império, e não a Recebi. Pernambuco fez o mesmo e a Baía, que foi a primeira em aderir a Portugal, em prêmio da sua boa fé , e de ter conhecido tarde qual era o verdadeiro trilho, que devia seguir, sofre hoje crua guerra dos Vândalos, e sua Cidade, só por eles ocupada, está a ponto de ser arrasada quando nela se não possam manter.

 

Eis em suma a Liberdade, que Portugal apetecia dar ao Brasil; ela se convertia para nós em escravidão, e faria a nossa ruína total, se continuássemos a executar suas ordens, o que aconteceria, a não serem os heróicos esforços, que por meio de representação fizeram primeiro que todos, a Junta do


Governo de S. Paulo. depois a Câmara desta Capital, e após destas todas as mais Juntas de Governos, e Câmaras; implorando a Minha ficada. Parece-Me, que o Brasil seria desgraçado, se Eu as não Atendesse, como Atendi: bem Sei, que este era Meu dever, ainda que expusesse Minha Vida; mas como era em defesa deste Império, estava pronto, assim como hoje, e sempre se for preciso.

Mal unira acabado de Proferir estas Palavras: «Como é para o bem de todos, e felicidade geral da Nação, diga ao Povo que Fico:» recomendando-lhe ao mesmo tempo «União e Tranquilidade.» Comecei imediatamente a tratar de Nos pormos em estado de sofrer os ataques de nossos inimigos até aquela época encobertos, depois desmacarados, uns entre nós existentes, outros nas Democráticas Cortes Portuguesas; providenciando por todas as Secretarias, especialmente pela do Império e Negócios Estrangeiros as medidas. que dita a prudência, que Eu cale agora, para vos serem participadas pelos diferentes Secretários de Estado em tempo conveniente.

As circunstâncias do Tesouro Público eram as piores, pelo estado a que ficou reduzido, e muito principalmente, porque até a quatro, ou cinco meses foi somente Provincial. Visto isto, não era possível repartir o dinheiro, para tudo quanto era necessário, por ser pouco, para se pagar a Credores, a Empregados em efetivo serviço, e para sustentação da Minha Casa, que despendia uma quarta parte da do Rei, Meu Augusto Pai. A dele excedia quatro milhões; e a Minha não chegava a um. Apesar da diminuição ser tão considerável, assim mesmo Eu não Estava a contente, quando Via, que a despesa, que Fazia, era muito desproporcionada à Receita, a que o Tesouro estava reduzido, e por isso Me limitei a viver como um simples particular, percebendo tão somente quantia de 110.000$000 reis para todas as despesas da Minha Casa, excetuando a mesada da Imperatriz, Minha muito Amada, e prezada Esposa, que Lhe era dada em consequência de ajustes de Casamento.

Não satisfeito com fazer só estas pequenas economias na Minha Casa, por onde Comecei, Vigiava sobre todas as Repartições, como era Minha Obrigação, Querendo modificar. também suas despesas, e obstar seus extravios. Sem embargo de tudo, as rendas não chegavam; mas com pequenas mudanças de indivíduos não afetos à Causa deste Império, e só ao infame partido Português, que continuamente nos estavam atraiçoando, por outros, que de todo o seu coração amavam o Brasil, uns por nascimento, e princípios outros por estarem intimamente convencidos, que a Causa era a da Razão. Consegui, (e com quanta glória o Digo ) que o Banco, que tinha chegado a ponto de ter quase perdido a fé pública, e estar por momentos a fazer bancarrota, tendo ficado no dia, em que o Senhor D. João VI saiu a barra duzentos contos em moeda, única quantia para troco de suas Notas, restabelecesse seu crédito de tal forma, que não passa pela imaginação a indivíduo algum, que ele um dia possa voltar ao triste estado, a que o haviam reduzido: que o Tesouro Público, apesar de suas demasiadas despesas, as quais deviam pertencer a todas as Províncias, e que ele só fazia, tendo ficado desacreditado, e exausto totalmente, adquirisse um crédito tal, que já soa na Europa, e tanto dinheiro, que a maior parte dos seus Credores, que não eram poucos, nem de pequenas quantias, tenham sido satisfeitos de tal forma, que suas casas não tenham padecido: que os Empregados Públicos estejam em dia, assim como os Militares em efetivo serviço: que as mais Províncias, que têm aderido à Causa Santa, não por força, mas por convicção (que Eu amo a justa liberdade) tenham sido fornecidas de todos os apetrechos de guerra para sua defesa, grande parte deles comprados, e outros do que existiam nos Arsenais. Além disto têm sido socorridas com dinheiro, por não chegarem suas rendas para as despesas, que deviam fazer.

Em suma, consegui que a Província rendesse onze para doze milhões, sendo o seu rendimento anterior à saída de Meu Augusto Pai de seis a sete, quando muito.

 

Nestas despesas extraordinárias entram também fretes de navios das diferentes Expedições, que deste Porto regressaram para o de Lisboa, compras de algumas Embarcações, e concertos de outras, pagamentos a todos os Empregados Civis, e Militares, que em Serviço aqui tem vindo, e aos expulsos das Províncias, por paixões particulares, e tumultos, que nelas tem havido.

Grandes foram sem dúvida as despesas; mas contudo , ainda se não lançou mão da Caixa dos Dons gratuitos, e Sequestros das propriedades dos ausentes por opiniões políticas, da Caixa do Empréstimo que se contraiu de 400.000$000 reis para compra de Vasos de guerra, que se faziam urgentemente necessários para defesa deste Império, o que tudo existe em ser, e da Caixa da Administração dos Diamantes.


Em todas as Administrações se faz sumamente precisa uma grande reforma: mas nesta da Fazenda, ainda muito mais por ser a principal mola do Estado.

O Exército não tinha nem armamento capaz, nem gente, nem disciplina: de armamento está pronto perfeitamente; de gente vai-se completando, conforme o permite a população: e de disciplina em breve chegará ao auge, já sendo em obediência o mais exemplar do mundo. Por duas vezes tenho Mandado socorros à Província da Baía, um de 210 homem, outro de 735 compondo um Batalhão com o nome de «Batalhão do Imperador» o qual em oito dias foi escolhido, se aprontou, e partiu.

Além disto, foram criados um Regimento de Estrangeiros, e um Batalhão de Artilharia de Libertos, que em breve estarão completos.

No Arsenal do Exército tem se trabalhado com toda atividade, preparando-se tudo quanto tem sido preciso para defesa das diferentes Províncias, e todas desde a Paraíba do Norte até Montevidéu receberam os socorros, que pediram.

Todos os reparos de Artilharia das Fortalezas desta Corte, estavam totalmente arruinados; hoje acham-se prontos; imensas obras de que se carecia dentro do mesmo Arsenal, se fizeram.

Pelo que toca a Obras militares; repararam-se as muralhas de todas as Fortalezas; e fizeram-se algumas totalmente novas. Construíram-se em diferentes pontos os mais apropriados para neles, se obstar a qualquer desembarque, e mesmo em gargantas de serra, a qualquer passagem do inimigo no caso de haver desembarcado [o que não será fácil ] entrincheiramentos, fortins, redutos, abatizes, e baterias rasas. Fez-se mais o Quartel da Carioca; prepararam-se todos os mais Quartéis; está quase concluído o da Praça da Aclamação, e em breve se acabará, o que se mandou fazer para Granadeiros.

A Armada constava somente da Fragata Piranga, então chamada União, mal pronta; da Corveta Liberal só em casco; e de algumas muito pequenas, e insignificantes Embarcações. Hoje acha-se composta da Nau D. Pedro I, Fragatas Piranga, Carolina, e Niterói – Corvetas Maria da Glória e Liberal prontas; e de uma Corveta nas Alagoas, que em breve aqui aparecerá com o nome de Massaió; e dos Brigues de guerra Guanari pronta, Cacique, e Caboclo em concerto, – diferentes em Comissões; assim como também várias Escunas.

Espero seis Fragatas de 50 peças prontas de gente, e armamento, e de tudo quanto é necessário para combate, para cuja compra já Mandei Ordem. Parece-Me que o custo não excederá muito a trezentos contos de reis, segundo o que Me foi participado.

Obras no Arsenal da Marinha fizeram-se as seguintes. Concertaram-se todas as Embarcações, que actualmente estão em serviço. Fizeram-se Barcas Canhoneiras, e muitas mais, que não Enumero por pequenas; mas que com tudo somadas montam a grande número, e importância.

Pretendo, que este ano no mesmo lugar, em que se não fez por espaço de treze, mais do que calafetar, tingar e atamancar Embarcações, enterrando somas considerabilissimas, de que o Governo podia muito bem dispor com suma utilidade Nacional, se ponha a quilha de uma Fragata de 40 peças, que a não faltarem os cálculos ,que Tenho feito, as Ordens, que Tenho dado, e as medidas, que para isso Tenho tomado, Espero seja concluída por todo este ano, ou meados do que vem, pondo-lhe o nome de Campista.

Quanto a Obras públicas muitas se têm feito. Pela Polícia reedificou-se o Palacete da Praça da Aclamação; privou-se esta extensa Praça de inundações, tornando-se um passeio agradável, havendo-se calçado por todos os lados, além das diferentes travessas que se vão fazendo para mais embelezá-la. Concertou-se a maior parte dos Aquedutos da Carioca e Maracanã. Repararam-se imensas pontes, umas de madeira, outras de pedra; e além disto tem-se feito muitas totalmente novas; também se concertaram grande parte das estradas

Apesar do exposto, e de muito mais em que não Toco, seu cofre, que estava em Abril de 1821 devedor de 60 contos de reis hoje não só não deve; mas tem em ser sessenta, e tantos mil cruzados.

Por diferentes Repartições fizeram-se as seguintes Obras. Aumentou-se muito a Tipografia Nacional. Concertou-se grande parte do Passeio Público. Reparou-se se e Casa do Museu, enriqueceu-se muito com minerais, e fez-se uma Galeria com excelentes pinturas, umas que se compraram, outras, que


havia no Tesouro Público, e outras, Minhas, que lá Mandei colocar.

Tem-se trabalhado com toda a força no cais da Praça do Comércio, de modo que esta quase concluído. As calçadas de todas as ruas da Cidade foram feitas de novo, e em breve tempo fez-se esta Casa da Assembleia, e todas as mais que a ela estão juntas, foram prontificadas pare este mesmo fim.

Imensas Obras, que uno silo do toque destas, se tem empreendido, começado, e acabado, que Eu Omito, para não fazer o Discurso nimiamente longo.

Tenho promovido os estudos públicos, quanto é possível, porém necessita-se para isto de uma Legislação particular. Fez-se o seguinte – Comprou-se para engrandecimento da Biblioteca Pública uma grande coleção de livros dos de melhor escolha: aumentou-se o número das Escolas, e algum tanto o Ordenado de seus Mestres permitindo-se além disto haver um sem número delas particulares: Conhecendo a vantagem do Ensino Mútuo também Fiz abrir uma Escola pelo método Lancasteriano.

O Seminário de S. Joaquim, que seus fundadores tinham criando para educação da mocidade, achei-o servindo de Hospital da Tropa Europeia: Fi-lo abrir na forma de sua Instituição, e havendo Eu Concedido à Casa da Misericórdia , e roda dos Expostos (de que abaixo Falarei) uma Lotaria para melhor se puderem manter Estabelecimentos de tão grande utilidade, Determinei ao mesmo tempo, que uma quota parte desta mesma Lotaria fosse dada ao Seminário de S. Joaquim, para que melhor se pudesse conseguir o útil fim, para que fora destinado por seus honrados fundadores. Acha-se hoje com imensos Estudantes.

A primeira vez, que Fui à roda dos Expostos Achei (parece impossível) 7 crianças com 2 amas; nem berços, nem vestuário, Pedi o mapa, e Vi, que em 13 anos, tinham entrado perto de 12$, e apenas tinham vingado 1$, não sabendo a Misericórdia verdadeiramente, aonde elas se achavam. Agora com a concessão da Lotaria; edificou-se uma Casa própria para tal Estabelecimento, aonde há trinta, e tantos berços, quase tantas amas, quantos Expostos; e tudo em muito melhor administração. Todas estas coisas, de que acima Acabei de Falar, devem merecer-vos suma consideração.

Depois de ter arranjado esta Província, e Dado imensas providências para as outras, Entendi, que devia Convocar , e Convoquei por Decreto de 16 de Fevereiro do ano próximo passado um Conselho ele Estado composto de Procuradores Gerais, eleitos pelos Povos, Desejando que eles tivessem quem os representasse junto de Mim, e ao mesmo tempo quem Me aconselhasse, e me requeresse, o que fosse a bem de cada uma das respectivas Províncias. Não foi somente este o fim, e motivo, por que Fiz semelhante convocação, o principal foi, para que os Brasileiros melhor conhecessem a Minha Constitucionalidade, quanto Eu Me lisonjearia Governando a contento dos Povos, e quanto Desejava em Meu Paternal Coração (escondidamente , porque o tempo não permitia, que tais ideias se patenteassem de outro modo) que esta leal, grata, briosa, e heróica Nação fosse representada numa Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa, o que graças a Deus, se efectuou em consequência do Decreto de 3 de Junho do ano presente, a requerimento dos Povos, por meio de suas Câmaras, seus Procuradores Gerais e Meus Conselheiros de Estado.

Bem custoso seguramente Me tem sido, que o Brasil até agora não gozasse de Representação Nacional; e Ver-Me Eu por força de circunstâncias Obrigado a Tomar algumas medidas legislativas; elas nunca parecerão, que foram tomadas por ambição de legislar, arrogando um poder, em o qual somente Devo Ter parte; mas sim, que foram tornadas para salvar o Brasil, visto que a Assembleia, quanto a umas não estava convocada quanto a outras, não estava ainda junta, e residiam então de facto, e de direito, vista a Independência total do Brasil de Portugal, os três Poderes no Chefe Supremo da Nação, muito mais sendo Ele Seu Defensor Perpétuo.

Embora algumas medidas parecessem demasiadamente fortes, como o perigo era iminente, os inimigos, que Nos rodeavam imensos (e provera a Deus que entre Nós ainda não existissem tantos) cumpria serem proporcionadas.

Não Me Tenho poupado, nem pouparei a trabalho algum, por maior que seja, contanto que dele provenha um ceitil de felicidade para a Nação.

Quando os Povos da Rica, e Majestosa Província de Minas estavam sofrendo o férreo jugo do seu deslumbrado Governo, que a seu arbítrio dispunha dela, e obrigava seus pacíficos, e mansos habitantes a desobedecerem-Me, Marchei para lá com os Meus Criados somente. Convenci o Governo, e seus sequazes do crime, que tinham perpetrado, e do erro, em que pareciam querer persistir; Perdoei-lhes, porque o crime era mais em ofensa a Mim, do que mesmo à Nação, por estarmos ainda naquele tempo unidos a Portugal.

Quando em S. Paulo surgiu dentre o brioso Povo daquela Agradável, e Encantadora Província, um partido de Portugueses, e Brasileiros degenerados, totalmente afeitos às Cortes do desgraçado, e encanecido Portugal, Parti imediatamente para a Província, Entrei sem, receio porque Conheço; que todo o Povo Me ama, Dei as providencias, que Me pareceram convenientes, a ponto que a nossa Independência lá foi primeiro, que em parte alguma, proclamada no sempre memorável sítio do Piranga. [sic]

Foi na Pátria do fidelíssimo, e nunca assaz louvado Amador Bueno de Ribeira aonde pela primeira vez Fui Aclamado Imperador.

Grande tem sido seguramente o sentimento, que enluta Minha Alma, por não Puder Ir à Baía , como já Quis, a não Executei, Cedendo às Representações da Meu Conselho de Estado, misturar Meu sangue com o daqueles guerreiros, que tão denodadamente tem pelejado pela Pátria.

A todo o custo, até arriscando a Vida, se preciso for, Desempenharei o Título, com que os Povos deste Vasto, e Rico Continente em 13 de Maio do ano pretérito, Me honraram de Defensor Perpétuo do Brasil. Este Título penhorou muito mais Meu Coração, do que quanta glória Alcancei com a espontânea, e unânime Aclamação de Imperador deste invejado Império.

Graças sejam dadas à Providência, que vemos hoje a Nação representada por tão dignos Deputados. Oxalá, que a mais tempo pudesse ter sido; mas as circunstâncias anteriores, ao Decreto de 3 de Junho não o permitiam, assim como depois as grandes distâncias, a falta de amor da Pátria em alguns , e tolos aqueles incômodos, que em longas viagens se sofrem , principalmente num País tão novo, e extenso, como o Brasil, são quem tem retardado esta apetecida, e necessária junção apesar de todas as recomendações, que Fiz de brevidade por diferentes vezes.

Afinal raiou o grande Dia para este vasto Império, que fará época na sua história. Está junta a Assembleia para constituir a Nação. Que prazer! Que fortuna para todos Nós!

Como Imperador Constitucional, e muito especialmente como Defensor Perpétuo deste Império, Disse ao Povo no Dia 1.º de Dezembro do ano próximo passado, em que, Fui Coroado, e Sagrado , «Que com a Minha Espada Defenderia a Pátria, a Nação, e a Constituição, se fosse digna do Brasil , e de Mim» Ratifico hoje muito solenemente perante vós esta promessa, e Espero, que Me ajudeis a desempenhá-la, fazendo uma Constituição sábia , justa , adequada, e executável, ditada pela Razão, e não pelo capricho que tenha em vista somente a felicidade geral, que nunca pode ser grande, sem que esta Constituição tenha bases sólidas , bases, que a sabedoria dos séculos tenha mostrado, que são as verdadeiras, para darem uma justa liberdade aos Povos, e toda a força necessária ao Poder executivo. Uma Constituição, em que os três Poderes sejam bem divididos de forma; que não possam arrogar direitos , que lhe não compitam, mas que sejam de tal modo organizados, e harmonizados, que se lhes torne impossível, ainda pelo decurso do tempo, fazerem-se inimigos, e cada vai mais concorram de mãos dadas para a felicidade geral do Estado. A final uma Constituição, que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo, quer Real, quer Aristocrático , quer Democrático, afugente a anarquia, e plante a árvore daquela liberdade, a cuja sombra deve crescer a União, Tranquilidade, e Independência deste Império, que será o assombro do Mundo novo, e velho.

Todas as Constituições, que à maneira das de 1791, e 92 têm estabelecido suas bases, e se tem querido organizar, a experiência nos tem mostrado, que são totalmente teóricas e metafísicas, e por isso inexequíveis, assim o prova a França, Espanha, e ultimamente Portugal. Elas não tem feito, como deviam, a felicidade geral; mas sim, depois de uma licenciosa liberdade, ventos, que em uns Países já apareceu, e em outros ainda não tarda a aparecer o Despotismo em um, depois de ter sido exercitado por muitos, sendo consequência necessária, ficarem os Povos reduzidos à triste situação de presenciarem, e sofrerem todos os horrores da Anarquia.

Longe de nós tão melancólicas recordações; elas enlutariam a alegria, e júbilo de tão fausto Dia. Vós não as ignorais, e Eu certo, que a firmeza dos verdadeiros princípios Constitucionais, que têm sido sancionados; pela experiência, caracteriza cada um dos Deputados, que compõe esta Ilustre Assembleia, Espero, que a Constituição, que façais, mereça a Minha Imperial Aceitação, seja tão sábia, e tão justa, quanto apropriada à localidade, e civilização do Povo Brasileiro; igualmente, que haja de ser louvada por todas as Nações; que até os nossos inimigos venham a imitar a santidade, e sabedoria de seus princípios, e que por fim a executem.

Uma Assembleia tão Ilustrada, e tão patriótica, olhará só a fazer prosperar o Império, e cobri-lo de felicidades; quererá, que seu Imperador seja respeitado, Não só pela Sua, mas pelas mais Nações: e que o Seu Defensor Perpétuo, Cumpra Exatamente a Promessa feita no 1.º de Dezembro do ano passado, e ratificada hoje solenissimamente perante a Nação legalmente representada.

domingo, 1 de julho de 2012

VIAGENS AO NORDESTE

CAPÍTULO IV - VIAGEM A GOIANA. VIAGEM DE GOIANA À PARAÍBA E REGRESSO A GOIANA. ALHANDRA

Henry Koster

Desejava realizar uma longa viagem nas regiões menos povoadas e mais incultas desse país. O engenheiro-chefe de Pernambuco entendera inspecionar todas as fortalezas do seu vasto distrito e havia bondosamente permitido que eu o acompanhasse. Infelizmente a jornada foi transferida para a estação seguinte por causas relativas ao seu próprio ofício. Sem saber quando teria necessidade de voltar à Inglaterra, não a quis retardar por mais tempo e comecei a informar-me com amigos e conhecidos e soube que o irmão de um senhor, residente em Goiana, estava em vésperas de partir para esse lugar e, provavelmente, tendo em vista alguns negócios, penetraria mais o interior da região.



Era minha intenção ir até o Ceará. Solicitei um passaporte ao governador e o obtive sem dificuldades maiores. Na tarde de 19 de outubro de 1810 alguns amigos ingleses foram até minha cabana em Cruz das Almas, a fim de assistirem à partida que se daria na noite subsequente. Sr. Felix, meu companheiro, chegou ao entardecer, trazendo seu guia negro, um preto livre. Todos os preparativos para a jornada foram feitos e nos pusemos a caminho cerca de uma hora, ao nascer da lua, Sr. Felix, eu, John, meu criado inglês, a cavalo, armados de espadas e pistolas, e o guia negro, também montado, sem sela nem brida, carregando um bacamarte e levando diante de si um cavalo conduzindo a bagagem, com um mulatinho escanchado entre os cestos.
Os amigos ingleses despediram-se em Cruz das Almas, ficando a minha casa entregue a um deles, durante minha ausência. A estrada que percorríamos, ao clarão da lua, eu passara por ela tantas vezes que poderia servir de guia. Seguimos, durante três quartos de légua, por um atalho arenoso e logo depois subimos uma colina rápida cujos lados e cume eram cobertos de grandes árvores, com matagais crescendo por baixo delas.
O lugarejo Beberibe é situado na outra declividade. Atravessa-o um regato com lindas e transparentes águas. Aí residem muitas famílias durante o verão. Meia légua depois de Beberibe cruzamos outro arroio e imediatamente começamos a galgar o morro do Quebracu, cujos acessos são ásperos e difíceis, com precipícios e além um campo em aclive, tudo cheio de vegetação. A chã é ampla e limpa e as veredas se alargaram por meia légua entre majestosas árvores e matagal impenetrável. Descemos para o estreito e longo vale de Merueira, cortado por um riacho que nunca seca. Os lados dessa colina são revestidos de espessa vegetação e, no vale, vimos várias moradas, plantações de bananas, campos de mandioca e um vasto cercado onde o gado pastava. A descida, no oposto dessa bonita planície, é muito rápida. O caminho, ao correr dos cimos, é igual ao que tínhamos vencido antes. Quando descemos, ao chegar embaixo, entramos na solitária povoação de Paratibe, onde as plantações de mandioca e fumo se entremeiam às casas. Os habitantes são, em maioria, trabalhadores livres, brancos, mulatos e negros. As casas, construídas à margem da estrada, intervaladamente, tomam a distância de uma milha. Um regato corre no meio e, na época das chuvas, às vezes transborda, alagando ambas as margens, numa grande extensão. Depois da aldeia, o caminho é relativamente horizontal, mas ainda irregular pelas elevações repetidas e desiguais. Veem-se os engenhos e grande número de casinhas. A passagem dos moradores, com cavalos carregados de algodão, couros e outros produtos da zona, e voltando do Recife com várias espécies de mercadorias, carne e peixe salgado, é, para bem dizer, contínua.
A vila de Igarassú, onde entramos a seguir, que já foi mencionada no capítulo anterior, é uma das mais antigas fundações nesta parte da costa, situada à distância de duas léguas do mar, e sobre a margem duma enseada.
A vegetação que cobre os caminhos e atalhos é, em parte, tão densa e espessa que é impossível passar um homem a pé, a menos que leve um facão e com ele rompa todos os obstáculos à sua marcha. O mais formidável desses obstáculos é o cipó, consistindo em vergônteas longas e flexíveis que se entrelaçam ao redor das árvores, e um dos ramos que se não haja fixado fica balançando, para lá e para cá, ao sabor do vento, prendendo-se sobre outra planta. A operação continua por muitos anos seguidos e termina formando uma rede, de forma irregular, que impede a passagem através do emaranhado. Essa planta tem várias espécies, uma delas tem o nome de "cipó cururu", de alta estima pelo tamanho, resistência e grande flexibilidade. Várias espécies desses cipós são empregadas em cordas para paliçadas e muitos outros fins.
Igarassú é parte situada sobre um outeiro e parte na planície, irrigada por um riacho, atravessado por uma ponte de pedra, pois as marés chegam até esse ponto, tornando precárias as comunicações.
O lugar demonstra claramente ter usufruído maior prosperidade que a presentemente possuída. Muitas casas têm dois pavimentos, mas estão deterioradas, e algumas com aspecto de decadência e ruína. As ruas são calçadas mas carecem de reparos e a erva cobre vários lugares. Conta muitas igrejas, um convento, o Recolhimento ou Retiro para mulheres, a Casa da Câmara e a prisão. Sua prosperidade era devida antigamente à semanal feira de gado, que se reunia num plaino vizinho mas, há poucos anos, mudaram-na para os arredores de Goiana. Igarassú tem muitos moradores brancos, várias lojas, um bom cirurgião, educado em Lisboa. É o local da reunião dos agricultores, na distância de muitas léguas, seja para embarcar suas safras de açúcar, seja para adquirir objetos de necessidade. Esta vila contará cerca de oitocentos habitantes, computando as choupanas esparsas pelas imediações. Dizem que a paisagem, vista da torre da igreja matriz, é grande e bela.
O único albergue regular de que essa região se possa orgulhar é estabelecido aqui, para conveniência dos viajantes entre Recife e Goiana. Tínhamos a intenção de parar, mas como não era muito tarde quando chegamos, resolvemos prosseguir, antes que o sol estivesse mais forte.
A estrada continua arenosa e reta e, duas léguas além de Igarassú, penetramos na povoação de Pasmado, construída em forma quadrada. Consiste em uma igreja e certo número de choupanas, de humilde aparência, contando ao redor de duzentos ou quatrocentos habitantes. Atravessamo-la sem parar, transpondo depois o Araripe, rio considerável para os que tenho ultimamente visto, passando aos cercados do engenho Araripe de Baixo, pertencente a um português. Esperávamos que esse bom homem nos desse jantar, mas, depois de longa espera, para grande desconforto dos nossos estômagos, compreendemos que o nosso hospedador não se apressava em tornar real sua hospitalidade, e como houvéssemos perdido muito tempo nessa demora, regalgamos nossos cavalos, pelas duas horas, sob um sol ardente e depois de haver subido uma colina, deixados vários canaviais e moradas e cruzado vários córregos, atravessamos uma região deliciosa. Vimos os povoados de Bu e de Fontainhas e o primeiro com capela. Depois desse último, o caminho segue para um terreno saibroso, quase sem árvores, até descobrir-se o engenho de Bujiri, cercado de campos e verduras. Depois dessa plantação corre o rio de Goiana, que é preciso vadear. A maré remonta até aqui.
A ponte de madeira, que existia outrora, está estragada e é perigosa para os cavalos. Entregamos os nossos ao guia, que os fez atravessar a água, sem se desmontar, enquanto nós passávamos pelas vigas soltas. Essa operação não tomou muito tempo. Recebemos nossas montadas da mão do guia, com as selas úmidas e gotejantes, e poucos minutos mais chegávamos a Goiana, entre quatro ou cinco horas da tarde. A distância do Recife a Goiana é de 15 léguas.
Esse caminho que trilhamos é a grande estrada para o sertão, por onde o gado desce das fazendas no rio Assu, e dos campos nessa região do interior, para os mercados do Recife. A passagem contínua dos grandes rebanhos rasgou uma larga trilha arenosa, através das matas. As grandes árvores ainda permanecem, se é que tenha sucedido que alguma tenha crescido na estrada, essas, se forem de qualquer tamanho, afrontarão o bando de animais e continuarão a existir até que desapareça ou caia, ou até que as estradas regulares comecem a ser construídas no Brasil. Mas, se o solo é plano, a estrada não é má, mas, sobre os bordos dos cômoros, quando devia ter feito uma volta nos trechos escarpados, vai direto ao cimo, de alto a baixo. As torrentes invernosas formam ravinas e cavernas e as ribanceiras se abatem, tornando a passagem perigosa. Não se conhecendo bem uma colina, não se está certo em subir ou descer de noite.
Um ou dois dias normais de chuva no Brasil fazem grande diferença, tornando o caminho impraticável.
Durante a jornada desse dia, vimos quatro ou cinco grandes cruzes, toscamente construídas, eretas à margem da estrada. Marcam os lugares onde assassinatos foram cometidos.
Fui carinhosamente recebido pelo Sr. Joaquim, a quem tivera o prazer de ser apresentado no Recife, e não era homem que precisasse de delongas para maior conhecimento pessoal. Fomos jantar às cinco horas, quando a senhora, duas criancinhas, seus filhos, compareceram. Houve pratos preparados no estilo português, brasileiro e inglês.
A vila de Goiana, uma das maiores e mais florescentes da capitania de Pernambuco, é situada sobre uma margem do rio do mesmo nome, em uma grande curva nesse local, quase a rodeando. As casas, com uma ou duas exceções, têm apenas um andar. As ruas são largas, mas não são calçadas. Uma das principais é tão ampla que admitiu a construção de uma grande igreja numa das extremidades, e a extensão da rua é considerável em ambos os lados do edifício. A vila possui o convento dos Carmelitas e várias outras casas destinadas ao culto.
Os habitantes são de quatro a cinco mil e esse número cresce diariamente. Há também lojas e o comércio com o interior é intenso. Nas ruas sempre são encontrados numerosos matutos, camponeses que vêm vender seus produtos e comprar objetos manufaturados de que têm necessidade. Nas imediações existem muitos e excelentes canaviais. Creio que as melhores terras da província estão nesses arredores. Os proprietários residem, parte do ano, na vila, e a comunicação estabelece rivalidade entre as famílias, determinando o acréscimo de despesas, sendo beneficiada a vila com o aumento do consumo dos objetos de luxo.
Os agricultores têm a vantagem do transporte por água, para Recife, de suas caixas de açúcar. O rio é um dos maiores, em várias léguas ao norte e sul, e é influenciado pela maré, até pouca distância abaixo da vila. Goiana dista quatro léguas em linha reta do mar, mas o rio calculam estar afastado umas cinco léguas. Abaixo da vila o inverno faz o rio transbordar, inundando as margens numa vasta extensão.
Goiana e seu grande distrito pertencem, em assuntos militares, ao governador de Pernambuco e no que concerne ao civil ao juiz de fora, funcionário judicial nomeado pelo governo superior para um período de três anos. Reside na vila e de suas decisões há recurso para o ouvidor em Paraíba.
Jantamos uma ocasião com o proprietário do engenho Mussumbu. Este senhor, várias outras pessoas e eu estavamos à mesa em uma sala enquanto as senhoras, às quais não era permitido sequer trocar um olhar, serviam-se num aposento adjacente. Dois rapazes, filhos do proprietário, ajudados pelos escravos de seu pai, serviam à mesa e somente quando a deixamos é que eles vieram jantar. O dono desse domínio é português. É entre essa parte da população, que deixou seu país para fazer fortuna no Brasil, que a introdução de melhoramentos é quase impossível. Muitos brasileiros também, mesmo de classe superior, seguem os costumes mouriscos, de sujeição e reclusão, mas, tendo alguma comunicação com a cidade, veem depressa que é preciso preferir maneiras mais civilizadas e rapidamente possuem hábitos de polidez.
A 24 de outubro entreguei a carta de apresentação, que obtive no Recife, ao Dr. Manuel Arruda da Câmara. Esse homem ilustre estava em Goiana, muito doente de uma hidropisia, adquirida em sua residência num distrito sujeito às febres. Era homem empreendedor e entusiasta da botânica. Seus altos conhecimentos deviam interessar a qualquer governo previdente, especialmente num país incultivado mas sempre em desenvolvimento. Mostrou-me vários dos seus desenhos, que achei muito benfeitos. Não mais tive ocasião de vê-lo. Quando voltei do Ceará não houve tempo para encontrá-lo, e faleceu antes de minha segunda viagem a Pernambuco. Trabalhava na Flora Pernambucana, que sua morte deixou incompleta. O Sr. Joaquim tinha negócios na Paraíba e sua intenção era enviar o irmão para tratá-los. Ofereci-me para acompanhá-lo, e ele tinha prazer em viajar comigo e mostrar-me as curiosidades da cidade. Enviamos antes de nós o guia negro, meu criado, com um animal carregado, e partimos no outro dia, com um negrinho. Passamos a Campina de Goiana Grande ao nascer do sol, atravessando os canaviais e engenho desse nome, pertencentes ao Sr. Girão, e situados ao pé do outeiro que leva a Dois Rios.
A estrada, que depois percorri indo para o Rio Grande, passa por Dois Rios, mas a da Paraíba se afasta à direita O caminho entre Goiana e Paraíba nada apresenta de particular. As encostas são rudes, mas pouco elevadas, as árvores, plantações e choupanas são iguais às vistas anteriormente. A distância é de 13 léguas.
Chegamos à Paraíba ao meio-dia, parando à porta do coronel Matias da Gama, proprietário e coronel de milícias. Era amigo do senhor Joaquim e estava no momento de ir para seu engenho, o que fez, mas nos deixou inteiramente senhores da casa e com servos para atender-nos.
A cidade da Paraíba (lugares de menos população nesse país gozam deste predicamento) tem aproximadamente dois a três mil habitantes, compreendendo a parte baixa. Há vários indícios de que fora mais importante que atualmente. Trabalham para embelezá-la, mas o pouco que se realiza é à custa do governo, ou melhor, por querer o governador deixar uma boa lembrança de sua administração. A principal rua é pavimentada com grandes pedras, mas devia ser reparada. As residências têm geralmente um andar, servindo o térreo para loja. Algumas delas possuem janelas com vidros, melhoramento há pouco tempo introduzido no Recife. O convento dos Jesuítas é utilizado como palácio do governador e o ouvidor tem aí também sua repartição e residência. A igreja do convento fica ao centro e tem duas alas. Os conventos das Ordens Franciscana, Carmelita e Beneditina são amplos edifícios quase desabitados. O primeiro tem quatro ou cinco frades, o segundo dois e o terceiro apenas um. Além destes, a cidade possui seis igrejas.
As fontes públicas na Paraíba foram as únicas obras desse gênero que encontrei em toda a extensão da costa por mim visitada. Uma foi construída, creio, por Amaro Joaquim, governador recente, tem várias bicas e é muito bonita. A outra que se está fazendo é bem maior. A fiscalização das obras públicas era a melhor ocupação do governador.
Fomos visitar esse cavalheiro no dia seguinte à nossa chegada. Meu companheiro o conhecia desde Lisboa, quando ele era aspirante. Seus pais são de família respeitável numa província do norte de Portugal. Como o quisessem fazer padre, puseram-no num seminário, de onde fugiu e se alistou, simples soldado, em Lisboa. Um dos oficiais do regimento a que pertencia notou sua educação e, conhecendo sua história, fê-lo cadete, para agradar a família. Viajou no mesmo navio que trazia as princesas para o Brasil, sendo capitão de infantaria. Casando com uma das damas de honra logo que chegou ao Rio de Janeiro, 18 meses depois, passava de humilde capitão a governador da Paraíba e comendador da Ordem de Cristo.
Fomos depois a outra ala do prédio a fim de pagar a visita do ouvidor, um velho muito amável e bem-humorado. Seu capelão, um pequeno, jovial e vivo frade, era amigo do senhor Joaquim, e nos fez muitos obséquios durante minha estada.
A paisagem vista das janelas é uma linda visão peculiar ao Brasil. Vastos e verdes bosques, bordados por uma fila de colinas, irrigados pelos vários canais que dividem o rio, com suas casinhas brancas, semeadas nas margens, outras nas eminências, meio ocultas pelas árvores soberbas. As manchas dos terrenos cultivados são apenas perceptíveis.
A parte baixa da cidade é composta de pequenas casas, e situada ao lado de uma espaçosa baía ou lago, formada pela junção de três rios, fazendo a descarga de suas águas no mar por um longo canal. As margens dessa baía, como as de todos os rios salgados da região, são recobertas de mangues, tão unidos e compactos que parece não haver saída. Não acompanhei o rio até o mar, mas soube que havia algumas lindas ilhas, com terrenos ótimos, mas incultos.
Paraíba foi teatro de muitas lutas durante a guerra holandesa, e lamento não ter descido o rio até o famoso forte de Cabedelo. A guerra se desenrolou num espaço limitado, mas os feitos desses bravos defensores de sua terra os colocam no mesmo nível de todos os povos que lutaram por uma causa de igual importância.
O comércio da Paraíba é pouco considerável, não obstante o rio permitir que navios de 150 toneladas transponham a barra. Desde que eles se encontrem na baía, diante da cidade baixa, qualquer corda os mantém e podem estar ao abrigo dos perigos. Existe a regular alfândega, raramente aberta. Paraíba está fora da estrada que vem do sertão a Recife, quer dizer, está arredada do caminho para as cidades situadas no litoral, para o norte. Os habitantes do sertão, do interior, vão mais ao Recife por este apresentar pronto mercado aos seus produtos. O porto do Recife recebe navios maiores, oferecendo facilidades para embarque e desembarque de mercadorias; consequentemente, obtém a preferência.
As casas, que podem ser consideradas excelentes comparando-as na região, foram erguidas pelos ricos proprietários dos arredores, para residência durante o rigor do inverno, ou estação das chuvas. As terras da capitania são, geralmente falando, ricas e férteis, mas se dá uma tal preferência aos terrenos próximos ao Recife que estes da Paraíba são adquiridos a preços baratos. O açúcar dessa província é proclamado igual a qualquer outro doutra parte do Brasil.
Depressa vi tudo quanto era para ser visto. Não convivemos com a sociedade, mas o tempo não me pareceu longo a passar porque o senhor Joaquim era um homem de inesgotável hilaridade e bom humor. Vivíamos como por mágica. O coronel havia dado ordens ao seu criado para que suprisse todos os nossos desejos.
O último governador, Amaro Joaquim, levou a capitania a uma boa ordem, graças à necessária severidade. Prevalecia uma tradição de pessoas passearem à noite pela cidade, com imensos capotes e crepes no rosto, ocultando tudo, e se entregarem a práticas irregulares. O governador, não podendo chegar a saber quem eram esses indivíduos, deu ordens para que a patrulha prendesse quem encontrasse assim vestido. A ordem foi executada e, no dia seguinte, encontrava-se no quartel um dos principais moradores. Um homem, chamado Nogueira, filho de uma negra ou mulata, com um dos primeiros homens da capitania, era temidíssimo pela sua audaciosa conduta passada. Carregava as filhas da casa dos pais, pessoas veneradas na capitania, matando os amigos ou parentes que se opunham aos seus atrevimentos. O homem fora finalmente preso. Amaro Joaquim queria fazê-lo executar, mas percebendo as dificuldades criadas pela familia que intercedia, mandou que o açoitassem. Nogueira disse que era meio fidalgo, homem nobre, e essa punição não lhe podia ser aplicada. O governador então ordenou que só lhe fosse surrado um lado do corpo, para que o lado fidalgo não sofresse, devendo Nogueira indicar qual era o seu costado aristocrático. E, castigado dessa maneira, depois de haver permanecido muito tempo na prisão, foi desterrado, por toda a vida, para Angola.
A cidade da Paraíba desfrutou a tranquilidade e os bons efeitos da rigorosa administração de Amaro Joaquim. Conhecera-o em Pernambuco, antes de realizar esta viagem. Seu exterior e conversação indicavam ambos ser ele homem de superior inteligência. Quando o vi no Recife estava em caminho para o Piauí, em cuja capitania fora nomeado governador. Faleceu, de febre, a bordo de um navio costeiro que o conduzia ao Piauí.
O senhor Joaquim queria regressar a Goiana, a 32 léguas, pelas praias do mar. Partimos quando a maré estava em preamar, seguindo ao longo da baía, chegando às 11 horas na casa de um capitão-mor, homem de primeiro plano nesta parte do mundo. Sua residência era de barro, ainda mais feia que qualquer outra do mais miserável lavrador lusitano; situada sobre areia ardente, tendo diante da porta um poço de água salobra que jamais secava inteiramente, produzindo, decorrentemente, insetos de toda espécie. Duas vezes passamos água pela manhã. O transporte foi feito em jangadas. A sela e o passageiro vão na embarcação enquanto o cavalo, seguro pelas rédeas, nada perto da jangada. O jangadeiro usa remo se há profundeza ou vara se o trecho é raso. Pelas três horas percebemos estar numa vasta praia de areia, cercada de rochedos a pique, nos quais víamos a marca das enchentes. A maré ainda estava de vazante. Fizemos o guia montar num cavalo que vinha à nossa frente e apressamos o passo, mandando que nos acompanhasse. A maré estava ainda a pouca distância das rochas. Descobrimos uma mais destacada das outras, interceptando a passagem. Paramos e saltamos dos cavalos, grimpando pelas penedias. O guia, por esse tempo, conduzia as cavalgaduras por dentro d'água. Felizmente essas tomaram a direita, passando longe dos rochedos para descobrir, do outro lado, a terra, para onde se dirigiram. Trepando nas pedras, escorreguei um pé e caí numa fenda, com os dois pés, descendo até os braços, que felizmente me sustentaram o corpo. Reerguendo-me, saltando para outra banda justamente quando vinha uma vaga, esta me fez tomar um banho frio até a cintura. Podíamos esperar que a maré baixasse, mas temíamos ser surpreendidos pelo crepúsculo, o que, malgrado todos os esforços, devia acontecer. A terra, além do rochedo saliente, era baixa, arenosa e inculta. Ao escurecer chegamos às ribanceiras de um grande rio. A pouca claridade que nos restava já não permitia divulgar a margem oposta. Chamamos, repetidas vezes, o barqueiro, que não apareceu. E a noite caiu. Propus dormirmos sob a árvore que nos abrigava, mas o meu companheiro não aceitou e perguntou a distância para Abia, a mais próxima propriedade açucareira. O guia respondeu que três léguas. Ficaríamos ali ou então era marchar para Abia. Tínhamos feito 16 léguas e o cavalo do senhor Joaquim, um belo animal, mas um pouco gordo, estava fraquejando. O guia passou adiante e o seguimos, por um carreiro estreito e pouco transitado, porque os galhos tocavam continuamente nas nossas roupas, durante toda a extensão. Encontramos em Abia a residência vazia. O administrador fora para casa. Perdemos o desejo de entrar para uma choupana próxima ao prédio principal, quando notamos que já ali se encontrava um grupo numeroso e de mau aspecto. Tínhamos ainda outra meia légua para chegar ao senhor Leonardo, amigo do meu companheiro.
O senhor Leonardo nos deu um ótimo jantar, redes, e cuidou dos animais. Pela manhã partimos para Goiana, a sete léguas daí, passando por Alhandra, aldeia indígena, contendo cerca de seiscentos moradores. Esse povoado não é construído regularmente como os outros que tenho visto. Em vez de uma praça, com casas em cada lado, ele é formado pelas ruas, e ainda que a praça tenha sido conservada, nada lembra as demais povoações indígenas. Os índios de Alhandra, pela sua proximidade a Goiana, cerca de três léguas, não são tão puros como os que vivem distanciados de uma grande cidade. Eles admitem no seu meio os mamelucos e mestiços.
Grande parte na extensão da costa é desabitada, mas sempre que a terra é baixa e a ressaca não muito forte, encontrávamos algumas choupanas e as margens dos rios não são inteiramente destituídas de moradores.
Os dois primeiros rios que atravessamos devem ter de oitenta a cem jardas de largura, são profundos, mas não se prolongam para o interior do país. Quando cessa a ação das marés, todos os rios se tornam insignificantes e muitos deles ficam completamente secos. O grande rio que tínhamos querido atravessar era o Goiana. Ele se alarga muito quando a maré sobe, mas é facilmente vadeado na vazante, e o canal se estreita e é pouco profundo nas marés da primavera. Julgam-no com uma légua de largura na barra, mas sua maior amplitude é imediatamente depois da foz (...).

sábado, 30 de junho de 2012

DICIONÁRIO DA TERRA E DA GENTE DO BRASIL

Bernardino José de Souza
- A –

Abacaxi: segundo lemos no Vocabulário Pernambucano de Pereira da Costa, assim eram denominados os negros escravos que, no período da campanha abolicionista, fugiam ou eram mandados para o Ceará, onde a abolição se fizera em 1884.
Abaixador: termo empregado pelo Almirante Alves Camara em seu livro — Pescas e Peixes da Bahia, pág. 20, registado por A. Taunay em seu Léxico de Lacunas, designativo dos homens que mergulham para verificar se nas redes de pescaria há bastante peixe preso. É correntio no linguajar dos pescadores.


Aberta: termo usado na Amazônia que apelida, segundo V. Chermont, o lugar em que o campo, rompendo o mato marginal, vem até a beira do rio. Na Bahia e no Sul do Brasil, usa-se o nome abertão para designar uma grande clareira na mata. Nelson de Senna em sua Toponímia Geográfica Brasileira (Revista de Língua Portuguesa. n. 26, pág. 165) informa que, em Minas Gerais, "pode também designar um rasgão de mato, intervalado, formando uma abertura ou passagem, renteando uma serra": com o mesmo sentido já ouvimos empregado na Bahia, em Sergipe e em São Paulo segundo Sud Mennucci. No sul da Bahia também se diz aberta a parte cultivada da floresta, para pasto ou lavouras.
Abicadouro: registado por Teschauer, que o colheu nas Ideias de Jeca-Tatu de Monteiro Lobato, com o significado de "lugar da margem onde a embarcação pode ou costuma tocar ou tomar terra".
Abrilada: assim se denominam na História do Brasil os motins políticos de 12, 13 e 14 de abril de 1832 que aconteceram em Pernambuco. Segundo faz notar Pereira da Costa já anteriormente a essas ocorrências tiveram o nome de abrilada as prisões noturnas na noite de 6 de abril de 1818, que fizeram debulhar em lágrimas mais de 60 famílias pernambucanas.
Aceiro: além de empregarmos este vocábulo no sentido genuinamente português de terreno capinado ao redor da roçada que vai  ser queimada, "faixa de terra arroteada dentro ou em volta das herdades, para evitar a comunicação do fogo ou facilitar o trânsito de carros" (C. Figueiredo - 4.ª ed.). No sertão setentrional de Goiás assim se diz de uma pequena queimada que os viajantes fazem no campo, em pontos indeterminados da sua travessia, para descanso próprio ou da cavalhada. Foi a informação que nos deu o Dr. Otto Philocreon, órgão do ministério público baiano em comarcas lindeiras com o Estado de Goiás (Artigo no Diário de Notícias de 15-10-937). Em carta de 26 de outubro de 1929 o Dr. Alcide Jubé, Professor do Liceu de Goiás, nos enviou o seguinte informe a respeito do sentido desta palavra no seu Estado: limpeza feita em volta de uma cerca de arame, medindo mais ou menos um metro de distância para cada lado, tendo em vista protegê-la contra o fogo por ocasião das queimadas. O mesmo sentido no Estado do Rio de Janeiro.
Achadouro: denominação adotada pelo "Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional", criado no Brasil pelo Decreto-Lei n.º 25 de 30 de novembro de 1937, para designar os sítios onde são encontrados vestígios do passado pré-histórico. Em exposição feita ao Ministro da Educação e Saúde Pública a respeito dos trabalhos que deviam ser executados, no correr do ano de 1938, diz o seu Diretor, Dr. Rodrigo M. F. de Andrade: "Levantamento topográfico dos "achadouros" de material arqueológico e etnográfico existentes no país e execução de obras de proteção aos mesmos, particularmente no Estado do Pará".
Aciolismo: registado por Affonso Taunay em seu Léxico de Lacunas, onde se lê: "Pitoresco neologismo da imprensa brasileira, que designa a monopolização de cargos públicos por uma família dominante na política (De Accioly, nome próprio) ". Este Accioly não é outro senão o Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, que por três vezes exerceu a Presidência do Estado do Ceará (1896-1900, 1904-1908, 1908-1912) e por longos anos chefiou a política desse Estado.
Açoite de rio: expressão usada pelos garimpeiros das Lavras Diamantinas da Bahia para designar a parte do rio correspondente ao fim de uma curva ou volta; é o trecho do curso d'água, onde se efetua maior sedimentação das terras erosadas em virtude da diminuição da correnteza. A origem deste dizer se prende, provavelmente, à impressão que os garimpeiros têm de que o rio açoita (erosa) o lado côncavo da margem, depositando os materiais que desgasta, na margem convexa, fenômeno este próprio de todos os rios. A riba côncava, em geral abrupta, é chamada de erosão; a convexa, em regra alongada, chama-se de depósito.
Açude: termo que, no Nordeste, tem uma acepção própria, diferente da em que geralmente se emprega, isto é, significa vazante onde o sertanejo faz a sua cultura, à medida que o nível d'água represada vai baixando. É o que nos ensina o Dr. Arrojado Lisboa em sua conferência - O Problema das Secas - realizada na Biblioteca Nacional a 28 de agosto de 1913, no seguinte passo: "É conveniente lembrar aqui que nós de outros Estados dificilmente compreendemos as coisas do Nordeste. Independentemente de outras razões, a isso se opõe, por vezes, a variabilidade da significação dos próprios termos. Quando, aqui no Sul, pronunciamos a palavra açude, a imagem que se forma em nossa mente é a de um lago artificial, cheio d'água, de nível constante todo o ano e de onde invariavelmente se desvia o líquido para tocar uma roda ou moinho. Para o homem do Nordeste a palavra tem significação muito diferente que, sem explicação, ninguém no Sul será capaz de compreender. Para o sertanejo a imagem que vem à mente ao enunciar a palavra é muito outra. É justamente a oposta, a da vazante onde faz a sua cultura". (Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1913, Vol. XXXV Pág. 140). José Luiz de Castro, em artigo publicado na Revista Trimensal do Instituto do Ceará Tomo XLII-1928, faz judiciosa ponderação a respeito do que escreveu Arrojado Lisboa: "Com efeito, aqui facilmente se distingue açude de vazante: uma barragem com alguns milhões de metros cúbicos d'água a montante - o açude; e, além da água ou às suas margens, o terreno úmido e humoso deixado pelo recuo dela - a vazante. Penso, entretanto, que o Dr. A. Lisboa quis dar a sugestão, a visão psicológica, mental, que nos ocorre à simples enunciação da palavra". Vem de molde relembrar que açude é palavra de origem árabe - assode, já usada por João de Barros - "Década III, fol. 244 (Vestígios da Língua Arábica em Portugal etc. por João de Souza e José de Santo Antonio Moura Lisboa — 1830). Usa-se no Nordeste o diminutivo - açudeco - (José Américo de Almeida — A Bagaceira — Glossário).
Acurizal: bosque de acuris, espécie de palmeira basta, de pequena altura e grandes folhas, peculiar às terras de Mato Grosso. À pág. 134 das Viagens e Caçadas em Mato Grosso do Comandante Pereira da Cunha, encontramos o seguinte trecho: "Eu e o Nelson nos apeamos, e o Gomes, montado num burro, acompanhou-nos pelo acurizal a dentro para assistirmos a acuação, cujo barulho era grande".
Adjunto: termo usado em Pernambuco, Ceará e sul da Bahia, para designar a reunião de vizinhos para um trabalho comum. À pág. 67 da Terra de Sol, de Gustavo Barroso, lemos o seguinte trecho: "Nos trabalhos dos roçados, brocas, quebras, queimas, e limpas; na apanha do feijão, na quebra do milho, no desmancho da mandioca, fazem-se os adjuntos. Reúnem-se todos os vizinhos em casa daquele que precisa fazer qualquer desses serviços... E, assim, auxiliando-se mutuamente, vencem todas as dificuldades". Extensa sinonímia tem esta palavra: vide em Muxirão.
Agarrado: espaço angusto, apertado, estreito entre pedras das grunas ou grotas. Empregou-o Afrânio Peixoto, à pág. 204 da Bugrinha (2.ª ed.): "...Nessa faina, entre miséria e esplendor, a epopeia sobre-humana do rompedor das grunas, que rasteja pela solapa das grotas, entre pedras apertadas, espaços angustos, através dos quais um corpo esguio já não pode passar, que tem antepostos a água que sangra das profundezas da lapa, as jaracuçus ou lacraias acoitadas nos ninhos da rocha, e os tem de vencer, como puder, a unha, a dente, a faca, prosseguindo sempre além dos agarrados, pois que lhe não é mais lícito volver atrás, de onde vem vindo os outros, que, se ele para, o rompedor, impelem-no por diante, furando-lhe os pés, a aguilhão, queimando-os a candeia ou resina acesa, para que, sempre em frente, contra tudo, contra a mesma impossibilidade da natureza das pedras, que de si recusam ser violadas, as viole e vença finalmente conquistadas..."
Agregado: na Bahia e Estados vizinhos para o norte assim se chama ao trabalhador dos engenhos de açúcar e fazendas, que mora nas terras do proprietário, cultivando-as mediante certas condições, dentre as quais a de dar alguns dias de trabalho remunerado ao dono da terra. Em Pernambuco, segundo Pereira da Costa, denomina-se morador ou morador de engenho, do qual deu uma exata descrição L. F. de Tollenare, em 1817. Alfredo Brandão, à pág. 218 da sua Viçosa de Alagoas, ao fazer a descrição perfeita da vida de um engenho, escreve: "... com ele, o trabalhador, pode o senhor de engenho contar nas diferentes épocas do ano. Apesar de trabalhar alugado e prestar o seu concurso ao engenho, ainda dispõe de algum tempo para lavrar o seu roçado e plantar os cereais mais necessários. Possui um cavalo, cria o seu porco e as suas galinhas e tem ainda uma cabra que lhe fornece o leite para alimentar as crianças". No Rio Grande do Sul, informa Callage que é pessoa pobre que, em falta de campo próprio, se estabelece em estância alheia, com licença do respectivo proprietário e mediante certas condições. Tratando do domínio rural nos tempos coloniais (Populações Meridionais do Brasil), Oliveira Vianna traça o perfil dos agregados, "diferentes dos escravos pela sua origem étnica, pela sua situação social, pela condição econômica e pela sua residência fora da casa senhorial". "São uma sorte de colonos livres". "Habitam fora do perímetro das senzalas, em pequenos lotes aforados, em toscas choupanas, circundantes ao casario senhorial, que, do alto de sua colina, os centraliza e domina. Da terra fértil extraem quase sem nenhum trabalho, o bastante em caça, frutos, cereais, para viverem vida frugal e indolente. Representam o tipo do pequeno produtor consumidor,
vegetando ao lado do grande produtor fazendeiro". Teschauer, citando Saint-Hilaire e Alberto Rangel, informa que, em Minas Gerais, "agregados eram os homens que o rei queria favorecer, e que andavam no exército pagos como os oficiais, sem pertencerem a um regimento". Ainda hoje, na linguagem militar, é comum o uso do termo agregados para designar oficiais que excedem do quadro normal das diferentes armas de que se compõe o exército (infantaria, cavalaria, artilharia e engenharia). No sertão de Ituaçu e Brumado (Bahia) agregado é chamado camarada — trabalhador de roça.
Agreste: nome de uma das zonas geográficas em que se dividem os Estados brasileiros do Nordeste, entre a costa e o sertão, em geral de solo pedregoso e de vegetação baixa, de pequeno porte. Candido de Figueiredo regista o termo como brasileirismo e, segundo o parecer de M. Soares, significa litoral, por oposição ao sertão, o que é evidentemente engano. Em quase todos os trabalhos corográficos a respeito do Nordeste encontramos a palavra agreste designativa da região que, para o interior, sucede à da costa. Tavares de Lyra, em seu minudente estudo sobre o Rio Grande do Norte (no Dic. Hist. Geog. e Etnog. do Brasil, comemorativo do Primeiro Centenário da Independência), ao fazer o resumo do aspecto físico do Estado, diz: "Em resumo: há a zona do litoral, baixa e arenosa; a do agreste cheia de vales frescos, essencialmente agrícola; a dos taboleiros áridos que a separam das catingas já agricultáveis e criadoras, e que se estendem ao alto sertão acidentado, recortado de serras..." E o grande Euclides da Cunha, tracejando o quadro empolgante do interior da Bahia, escreveu: "Varada a estreita faixa de cerrados, que perlongam aquele último rio (o rio Jacurici) está-se em pleno agreste, no dizer expressivo dos matutos: arbúsculos quase sem pega sobre a terra escassa, enredados de esgalhos de onde irrompem, isolados, cereus rígidos e silentes, dando ao conjunto a aparência de uma margem de deserto". (Os Sertões. 2.ª ed. 1903. Pág. 13). Philipp von Luetzelburg, tratando da vegetação xerófila do Nordeste, estuda minudentemente os agrestes e diz: "A expansão no Nordeste é geral; a maior área acha-se no norte do Estado do Piauí. Os agrestes diferem das vegetações restantes do Nordeste semiárido pelo seu hábito e o seu habitat. Cobertos no solo de relva e palmeiras rasteiras, raramente se encontram arbustos xerófilos e cactáceas, e permitem fácil trânsito. O solo é geralmente pedregoso, duro ou arenoso. Húmus não existe de espécie alguma". Este eminente botânico apresenta também no vol. III do seu trabalho uma lista dos "componentes dos agrestes, típicos, da vegetação semiárida do Nordeste" (Estudo Botânico do Nordeste. Vol. 3.º Pág. 25). Já Alfredo de Carvalho havia mostrado o erro de Macedo Soares à pág. 71 das suas Frases e Palavras. Não raro, ainda encontramos o nome de agreste para designar a zona de campos gerais e também a gramínea que medra nessas terras.
Água-branca: expressão usada na Amazônia para designar as águas dos rios ricas em sedimentos. Vimo-la empregada por Adolpho Ducke no seguinte passo: "Descendo os riachos até o ponto onde as marés levam, de subida, alguma água branca (rica em sedimentos) do Rio Amazonas, a vegetação ribeirinha modifica-se por completo e a mata assume o aspecto da de certos rios menores do estuário amazônico..." (Relatórios das comissões desempenhadas pelo Chefe da Seção de Botânica, Adolpho Ducke, na região amazônica, durante os anos de 1919 a 1928. Rodriguesia. Revista do Instituto de Biologia Vegetal etc. Ano 1. n. 1).
Aguaçal: alagadiço temporário que se forma nos terrenos baixos, após grandes aguaceiros ou chuvas abundantes. Diz Rodolpho Garcia que se usa em Pernambuco. Empregado por Francisco Pereira nos Poemas Amazônicos, à pág. 85:
"Sobre as folhas bizarras, esquisitas,
Que no extenso aguaçal boiam, dispersas..."
Neste sentido, porém, é também usado em Portugal.
Aguaceirada: sucessão de grandes aguaceiros. É termo corrente no recôncavo da Bahia (Informação de Arthur Neiva).
Aguada: Rodolpho Garcia diz significar "lugar em que se proveem d'água os viajantes; em geral pequenas construções à beira dos caminhos", e afirma ser termo geral. Na Bahia, porém, o termo aguada designa, nos sertões do Nordeste, os sítios em que se cavam as cacimbas ou se encontram poços e fontes que servem de bebedouro para o gado. É frequente ouvir-se a expressão: "fazenda de boas aguadas". Callage ensina que, no Rio Grande do Sul, é o "lugar em que se levam os animais para beber; bebedouro; aqueles campos são de boas aguadas — diz-se em relação às estâncias que possuem boas vertentes e arroios".
   "Nos meus pagos há cochilhas
   E campinas afamadas
   Cheias de gado e tropilhas,
   Bom pasto e boas aguadas".
   (Piá do Sul. Gauchadas e Gauchismos — Pág. 132).
Água-emendada: nascente ou desaguadouro comum de dois ou mais rios pertencentes a bacias diferentes. É termo muito usado em Goiás e no poente da Bahia, onde se desenha a mais soberba feitura dessa natureza, que importa a indeterminação da linha do divisor das águas entre duas vertentes. Exemplo frisante deste acidente é a lagoa do Varedão, antiga Várzea Bonita, situada no Município de Santa Rita do Rio Preto, na zona chamada de Jalapão a noroeste da Bahia, nas chapadas que se desenrolam nas extremas da Bahia, Goiás e Piauí; ali nascem os rios Novo e Formoso, afluentes do rio do Sono, que fenece no Tocantins, e o Sapão, tributário do Preto e confluente do São Francisco. Acham-se destarte unidas duas das maiores cinturas fluviais da América do Sul, formando outra Guiana gigantesca, a qual abrange terras de nove Estados do Brasil. Foi o engenheiro inglês James Wells quem primeiro revelou as nascentes comuns das duas grandes bacias mediterrâneas do Brasil em sua obra Three thousand miles through Brasil: estudou-as posteriormente o engenheiro francês Apolinario Frot por ordem do Governo da Bahia em 1907. A denominação de água emendada é admiravelmente sugestiva. Bem a afirmara de uma feita o saudoso geógrafo e grande mestre francês Paul Vidal de la Blache, que, não raro, a terminologia popular, formada diretamente em contato com a natureza, era muito mais própria que a dos gabinetes e das escolas. Águas emendadas, ensina Calógeras, são brejos, ou lagoas muito rasas, que têm dois desaguadouros para bacias diferentes (As Minas do Brasil e sua Legislação — Nota 10 à pág. 97).
Aguapé: além de denominar uma planta aquática frequente em rios e lagos do Brasil, tem este termo o sentido de trama e tecido vegetal composto de plantas aquáticas que medram à superfície das águas dos rios, lagos e pantanais e que, unindo-se e apresilhando-se, formam seguro estendal, capaz de sustentar às vezes um homem deitado sobre o mesmo. Em aspecto exterior, assemelha-se ao sedd do rio Nilo, consoante a descrição que nos dá o celebrado explorador Schweinfurth. É termo principalmente usado na região sulcada pelos rios da bacia platina, mais especialmente o Paraguai e seus tributários, bem como no hinterland brasileiro. As lagoas de Goiás, especialmente a Iagoa Feia, uma das maiores do Estado, apresentam a mesma formação, que ocorre também na Bahia e noutros Estados do Norte. Na Bahia chama-se golfo ou golfão. É termo de origem tupi, segundo notam Theodoro Sampaio, Macedo Soares, Beaurepaire-Rohan, Souza Docca, Alfredo de Carvalho, Rodolpho Garcia, Nelson de Senna e outros mestres nessas províncias do saber linguístico. A respeito de aguapé, escreveu o notável General Couto de Magalhães: "... e não se distingue o rio dos pantanais, senão porque as águas destes últimos são literalmente cobertas de plantas aquáticas, e tão completamente que, a quem não tem experiência, se afigura que toda aquela verdura brota de um solo firme e fica muito longe de pensar que aquele tapete de ervas tem por baixo de si às vezes cem palmos de água". "Os pantanais não são mais do que as fontes em que a água está coberta pelas plantas aquáticas de que acima falei, em um tecido tão basto e compacto que um homem deitado em cima se sustenta: e tanto é assim que, quando nas primeiras enchentes o rio destaca algum pedaço deste imenso tapete para arrastá-lo em sua serena e vagarosa corrente, os tigres costumam embarcar em cima, e assim viajam dias: a planta que forma este tecido é uma espécie de lírio aquático de flores brancas em cachos, com o cálice da corola às vezes roxo, às vezes cor-de-rosa; é conhecida pelo nome guarani de aguapé". Em alguns rios brasileiros, diz o botânico Hoehne, é tão abundante que "deslocada e desenraizada dos remansos onde vive, é levada pela corrente das águas, formando verdadeiras ilhas flutuantes e oferecendo obstáculos às pequenas embarcações". São estas ilhas, diz Nelson de Senna, formadas pela vegetação de aguapé, que tomam o nome de camalotes, nos rios da bacia platina, segundo descrevem os exploradores e viajantes dessa região (Revista de Língua Port. N. 31, pág. 188). Da Bahia a Pernambuco, chamam-se baronesas às pontederiáceas que cobrem largos trechos dos rios e lagoas.
Aguapezal: Luiz Carlos de Moraes, em seu Vocabulário Sul-Rio-Grandense, aparecido em 1935, informa que se diz aguapezal no Rio Grande do Sul o local onde há grande extensão de água coberta de aguapés.
Água-redonda: termo da Amazônia, usado pelos caboclos no sentido de lago. É o que informa Agassiz em sua Viagem ao Brasil (1865-1866) (Tradução de E. Sussekind de Mendonça. Pág. 291. Vol. 95 da "Brasiliana"). Encontramo-lo também referido na A Amazônia Misteriosa de Gastão Cruls, no seguinte passo, à pág. 290: "A natureza parecia magnetizada aos eflúvios do plenilúnio e aquela água redonda, dormindo no quiriri (calada da noite), entre a fragrância dos uapés em flor, era bem o lago Iaciuaruá ou Espelho da Lua".
Águas: no Brasil sertanejo este vocábulo, usado no plural, é empregado no sentido de chuvas. Frequentes são as seguintes expressões tabaroas: "no tempo das águas"; "as primeiras águas"; "após as águas" (esta registada por Cornelio Pires n'As Estrambóticas Aventuras do Joaquim Bentinho, à pág. 114). Em Portugal, segundo informa Candido de Figueiredo, há na Beira o provincialismo — águas novas — primeiras chuvas depois do estio.
Águas iguais: assim denominam os pescadores da região do Salgado, no Estado do Pará, às marés do quarto dia depois da lua nova e da lua cheia, em virtude de nesse dia não crescerem nem diminuírem (Informação de Henrique Jorge Hurley).
Águas pegadas: nome que os praieiros do Pará, de Viseu ao Oiapoque, dão às marés do quarto dia depois do quarto crescente e do quarto minguante (Informação de Henrique Jorge Hurley).
Águas puladeiras: denominação que, em Minas Gerais, segundo nos ensina Nelson de Senna (pág. 88 da Revista de Língua Port. N. 37), se dá às corredeiras fortes, trechos dos rios em que as águas correm violentas e escachoantes, também chamadas pararacas. São cachoeiras pouco impetuosas, menos vertiginosas que os tombos, os cachões, os saltos. A acidente semelhante os cubanos chamam saltadero.
Agulha: regionalismo brasileiro, próprio das zonas de garimpos, designativo do rutílio (óxido de titânio), a que os garimpeiros também chamam ruivas. Registaram-no o professor Everardo Backheuser no seu Glossário de Termos Geológicos e Petrográficos, e Affonso Taunay em seu Léxico de Lacunas.
Aibi: termo usado no sul da Bahia, região costeira, que designa riachinho que desemboca no oceano, inflando-se-lhe as águas no fluxo do mar. Soubemo-lo por informação local. A respeito deste termo falaram o eminente tupinólogo de São Paulo Plínio Ayrosa e Juan Francisco Recalde, este na Revista do Arquivo Municipal (São Paulo), número de dezembro de 1937.
Ajuri: termo do Amazonas, o mesmo que adjunto, muxirão etc. (Vide estes termos). Na sua empolgante conferência sobre os Sertões Brasileiros (pág. 37 dos Rumos e Perspectivas), diz Alberto Rangel: "O ajuri, o nascimento, a farinhada, o rodeio, o casamento, a queimada, o batismo, a feira e a moagem passam-se entre festas".
Ajutório: o mesmo que adjunto, ajuri, muxirão. Beaurepaire-Rohan faz sentir que, se o serviço para o qual se fazem os ajuntamentos dos vizinhos dura mais de um dia, toma então a reunião o nome de ajutório. (adjutório)... Rodolpho Theophilo, na História da Seca do Ceará, à pág. 78, escreve: "Parentes, amigos e vizinhos, no mais cordial adjuctório, com ele arrancam, raspam, cevam a bendita raiz". Este termo é empregado no Norte e Centro do Brasil.
Alabama: registado por A. Taunay e depois por Candido de Figueiredo como brasileirismo designativo de caixeiro-viajante. O mesmo que cometa (Vide este vocábulo).
Aladeirado: registado por A. Taunay em seu Léxico de Lacunas com o sentido de terreno montuoso ou sucessão de ladeiras. Abona-o com o seguinte trecho: "Entre a fazenda e a vila há um aladeirado comprido e penoso para os animais". É termo muito usado no interior de São Paulo. Regista-o também, como brasileirismo, Candido de Figueiredo (4. edição), dando-lhe o significado de caminho íngreme.
Alagação de outubro: expressão usada no arquipélago da baía de Todos-os-Santos para designar um período de chuvas que, de quatro a seis dias, ocorre no mês de outubro, como sinal de verão firme e sem secas, porque as fontes foram abastecidas. Quando não ocorre alagação de outubro, dizem os pescadores, é seguro sinal de seca (Informação de Arthur Neiva).
Alagoinha: regista-o Nelson de Senna, que escreve: "É Alagoinha - um diminutivo brasileiro de Alagoa; e este último nome representa um caso de metaplasmo (por prótese), quanto ao termo vernáculo - lagoa. Mas no sentido corográfico da linguagem do país, o que chamamos - alagoinha — vem a ser uma lagoa pequena e rasa, alimentada mais pelos passageiros depósitos fluviais do que mesmo por cursos d'água que nela venham ter; ao passo que a uma pequenina lagoa, permanente, corresponde a palavra — lagoinha. Já, propriamente, — Lagoa — é o nome que se reserva, entre nós, para designar os maiores e mais profundos lagos de água doce, ocupando extensa superfície, e que muitas vezes são alimentados por outros cursos d'água, tendo não raro comunicação subterrânea com rios próximos, por meio de canais ocultos (sumidouros ou itararés) ". De feito, na Corografia do Brasil, o termo - lagoa - quer dizer lago pequeno. Entretanto, às maiores formações linográficas do Brasil damos o nome de lagoa, como por exemplo a Lagoa dos Patos (9.000 quilômetros quadrados), maior do que os conhecidos lagos Titicaca (8.330 k2), entre a Bolívia e o Peru, Leopoldo II (8.200 k2) no Congo Belga, Nicarágua (7.700 k2) na República do mesmo nome, Atabasca, ... (7.400 k2) no Canadá e tantos outros. Ao outro grande lago do Rio Grande do Sul chamamos Lagoa Mirim que, com os seus 3.580 quilômetros quadrados, é maior do que os sabidos lagos Tana (3.100 k2), na Abissinia, Poopo (3.000 k2) na Bolívia, Tengrinor (2.420 k2) no Tibet, Vetter (1.960 k2) na Suécia e outros menores como sejam os seguintes: Saima, Maelar, Enara, Manágua, Ilmen, Stephania, Mar Morto ou Tiberiade, Balaton, Lemano, Constança, Guarda e dezenas de outros.
Albardão: usado no Rio Grande do Sul, designando uma cadeia de cerros alternados de baixadas ou lombada que se alteia à margem dos rios e lagunas. Rodolpho Garcia apresenta ainda como significação coxilha pequena. Em Severiano da Fonseca encontramos o seguinte passo: "Do outro lado, o riu Paraguai, internando-se entre as montanhas ou pequenos albardões, sobre as terras da sua margem direita desde o Jauru, por entre as serranias..." etc. (Viagem ao redor do Brasil. Vol. I pág. 48). "Note-se que Garibaldi quando atravessou a Lagoa dos Patos, subiu pelo rio Palmar até onde pôde e depois é que botou os lanchões em cima das rodas, atravessando albardões e lagoas até chegar a Tramandaí. (Manoel Alves da Silva Caldeira Apontamentos para a História da Revolução de 1835-1845 in Revista do Instituto Hstórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. III Trimestre. 1927. Pág. 376). No Rio Grande do Sul, a lagoa Mangueira ou do Albardão é separada do oceano por uma estreita faixa de terra chamada Albardão, a qual forma a costa do mesmo nome, tão famigerada nos anais da navegação veleira do Sul do Brasil. É vocábulo rio-platense.
Aldeia: além da significação vernácula de povoação que não tem categoria de vila ou cidade, de povoado rústico (de uso pouco frequente no Brasil), emprega-se este termo no sentido especial de povoação dos gentios, já sob o mando de um maioral, morubixaba, cacique, em Goiás capitão, já sob a direção de um chefe civilizado, frade, missionário militar ou civil. Beaurepaire-Rohan, registando o termo, diz: "nome especial das povoações compostas exclusivamente de aborígenes, quer vivam submissos ao regime civilizado, quer vivam independentes nos sertões. É a taba dos caboclos a que, no Paraná, se chama toldo e toldaria, e, na Amazônia, maloca. O a que em Portugal se chama aldeia, nós denominamos correntemente povoação, povoado, arraial, e no interior do Brasil, às vezes, comércio e comercinho, segundo refere Nelson de Senna, rua como ouvimos na Bahia. Algo de semelhante ao que em Marrocos se chama Ksar ou Ksur. — Segundo nos informou o General Borges Fortes, filho do Rio Grande do Sul, em sua terra, é de uso frequente chamar-se aldeia ao casario junto aos quartéis de tropa, geralmente ranchos de pau a pique, onde habitam as mulheres e os filhos dos soldados: assim se diz a aldeia da artilharia, a aldeia do terceiro: confirma-o Luiz Carlos de Moraes em seu Vocabulário. Também assim se chama ao abarracamento das mulheres de soldados, a pequena distância dos alinhamentos de tropas: nestes se denomina comércio o lugar onde estacionam os mercadores que as acompanham (General Borges Fortes, em Carta de 26 de janeiro de 1933).
Aldeamento: o mesmo sentido brasileiro de aldeia. Desde os primeiros tempos da colonização, encontramos frequentemente nos cronistas as expressões aldeamentos dos gentios, gentios aldeados, aldeia de índios. Gastão Penalva, em artigo de impressões sobre a ilha de Fernando de Noronha, diz chamar-se lá aldeamentos aos alojamentos dos presidiários que ali são recolhidos no cumprimento de sentenças que lhes foram impostas.
Alfafal: termo usado, principalmente no Rio Grande do Sul, para designar o terreno em que se mostra grande plantação de alfafa, planta forrageira importada do Rio da Prata. Teschauer, que o regista, cita um trecho da "Mensagem" do Presidente do Rio Grande do Sul em 1919: "Nesse sentido é possível aproveitar melhor as pastagens naturais e criar prados ou campos de alfafais ou de outras plantas forrageiras". E o Dr. Nilo Cairo, no seu Guia Prático do Pequeno Lavrador, à pág. 394, escreve: "Um hectare de alfafal produz por corte dois mil quilos de alfafa fenada..."
Alfaque: termo que, na zona do Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro, designa um lugar profundo do mar, proximo à praia e cujo fundo se não alcança a não ser com sondas. Macedo Soares diz que, em Cabo Frio, significa pego, coisa funda, com ou sem redemoinho, formado pela deslocação da areia, nas paragens onde se toma banho. Este é o sentido português do termo (Candido de Figueiredo) e também castelhano segundo se lê no Diccionario de Voces y Términos Geográficos de Vergara Martin — "banco de arena que se forma en las costas maritimas y principalmente en la desembocadura de los rios". Entretanto, o Marechal Dr. Gabriel Botafogo, em notas que nos presenteou após a leitura da 2. edição desta Nomenclatura, diz significar, no Rio Grande do Sul, bancos de areia ou pedra que se formam nas águas profundas dos lagos, dos rios, e, principalmente, dos canais. Também o ilustre oficial da marinha brasileira Alfredo Cordovil Petit em suas importantes "Notas para um Dicionário Técnico", publicadas na Revista Marítima Brasileira, número de setembro de 1921, diz que alfaques são bancos movediços de areia, que se formam na costa rio-grandense-do-sul, tornando dificultosa a navegação. Henrique Jorge Hurley, eminente polígrafo paraense, informa que alfaque equivale ao mupéua amazônico: "banco de areia movediça, que dificulta a navegação da costa ao sul de Belém, nas barras de Vigia, São Caetano, Curuçá, Marapanim, Maracanã, Bragança e Viseu, no Pará".
Alicali: registado no Léxico de Lacunas de A. Taunay, como designativo do diretor espiritual entre os malês — negros muçulmanos existentes na Bahia e no Rio de Janeiro. Encontram-se as grafias alikaly e alicaly.
Alqueire de Minas Gerais: também do Rio de Janeiro e de Goiás, medida agrária equivalente a 10.000 braças quadradas, isto é, 4ha,84 ou ainda 48.400 metros quadrados. O alqueire (do árabe al-queil — Adolpho Coelho) era uma antiga medida portuguesa, de capacidade, para secos e molhados (em Goiás e noutros Estados ainda se usa como medida de capacidade, equivalente a 80 litros); posteriormente, usaram-na como medida agrária e então correspondia à extensão de terra que levava um alqueire (36,27 litros) de semeadura. Transportado o alqueire para o Brasil, passou a ter, nos Estados referidos, a extensão que acima registamos, diferente da de São Paulo e de alguns Estados do Norte.
Alqueire de São Paulo: medida agrária equivalente a 5.000 braças quadradas, isto é, 2ha,42 ou ainda 24.200 metros quadrados. O alqueire de terra de São Paulo é a metade do de Minas e Rio. A quarta parte do alqueire chama-se quartel paulista, equivalente a 6.050 metros quadrados.
 Alqueire do Norte: medida agrária às vezes usada nos Estados setentrionais, equivalente a 27.225 metros quadrados.
Alqueire do Pará: segundo Henrique Jorge Hurley, o alqueire, no Pará, corresponde ao peso de 30 quilos e serve para medir a farinha d'água (tirãna) ou a de tapioca (têpiáco-ya). Um alqueire é representado por dois paneiros de farinha, regulando cada um 15 quilos. Paneiro é um panacu ou aturá, de cipó ou de talas de uarumã, forrado com folhas de uarumã ou cantan.
Alto: termo geral, empregado para designar, ora, um monte isolado, de pequena elevação sobre os terrenos circunjacentes, ora, um teso, ou parte superior de um serrote, de um morro; ora a cabeça, o próprio cimo ou "cabeço" de uma colina, segundo diz Nelson Senna. V. Chermont diz: "teso, parte mais elevada nos campos baixos e mondongos, a qual pouco alaga ou nada atola no inverno. O alto, quando rodeado de pirizal ou de aningal, toma o nome de escalvado".
Amarrador: registado por A. Taunay no Léxico de Lacunas, que o encontrou no volume Pescas e Peixes da Bahia do Almirante Alves Camara. Designa, no litoral da Bahia, os mestres das jangadas grandes.
Ameraba: neologismo proposto por Henrique Jorge Hurley para designar os selvagens americanos, autóctones, na sua douta opinião. O vocábulo é um hibridismo formado de amer — América — e aba — homem em tupi (Vide ameríndio).
Amerígena: denominação proposta por Saladino de Gusmão na reunião do "Congresso das Academias de Letras e Sociedades de Cultura Literária do Brasil", reunido no Rio de Janeiro em 1936, para designar o autóctone americano. Em sua tese o autor procura demonstrar que o termo ameríndio é errôneo e escreve: "A inovação é infeliz e o erro simples tornou-se duplo, ao invés de retificar a denominação simples de índio, incorre em absurdo maior criando a de índio americano. Evidentemente há confusão entre qualidade e nacionalidade". Para o autor o termo amerígena particulariza e limita ao continente americano o seu autóctone; amerígena, conclui, precisa a origem americana.
Ameríndio: neologismo sugerido pelo Dr. Charles Scott ao notável geólogo e etnólogo americano John Wesley Powell, para designar os indígenas da América. Como é sabido os descobridores e conquistadores da América denominaram impropriamente índios os naturais do Novo Mundo, nome este proveniente do erro inevitável dos primeiros quando supuseram, ao avistar as terras americanas, terem chegado a regiões próximas das Índias, que tanto buscavam. Desde o século XVI vulgarizou-se a errônea denominação que passou os anos dominante. Por isso mesmo é lapidar o que escreveu à pág. 240 do Descobrimento do Brasil (1929), o sábio mestre Capistrano de Abreu, de referência aos selvagens do Brasil: "Nem uma designação geral os compreendia: os estrangeiros chamaram-lhes Negros, Brasis, Brasilienses e por fim Índios, último resíduo de uma ilusão milenar, reverdecida por Colombo". O vocábulo ameríndio foi logo adotado por J. W. Powell que, à qualidade de Diretor do "Bureau of Ethnology" dos Estados Unidos (1879-1902), juntava a nomeada que lhe conferiu a ousada exploração do "Great Canyon" do Rio Colorado, em 1869. O neologismo foi aceito por vários etnólogos em 1898, em Washington e, dia a dia, o seu uso se vai espalhando em toda a América. Já o registaram o Novo Dicionário Nacional de Carlos Teschauer e o Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Candido de Figueiredo (4. edição). João Ribeiro, filólogo e historiador, à pág. 1 do Índice de Coisas, apenso ao seu volume A Língua Nacional, escreveu que os etnógrafos o propuseram para evitar o equívoco dos índios da Índia com os da América. E no seu "Registro Literário", publicado no Jornal do Brasil, de 17 de fevereiro de 1932, fazendo a crítica de certo livro, escreveu: "Não há leitura mais interessante que a dessa monografia acerca dos ameríndios, segundo a expressão condenada já, mas muito expressiva, do selvagem da América". Afigura-se-nos bem achada a palavra, cuja formação é análoga às seguintes: eurasiano, eurasiático, eurafricano. Entretanto, Henrique Hurley, competente indianólogo brasileiro, afirma que os vocábulos índio e ameríndio não têm expressão glotoetnológica com referência aos selvagens americanos, propondo a palavra ameraba para designá-los. Também já foi proposto o vocábulo — ameríncola — habitante da América. Oliveira Vianna adota largamente o vocábulo ameríndio em seu livro Raça e Assimilação, Rio, 1932. (Vide ameraba, amerígena).
Andares: há rios da Amazônia, o Purus por exemplo, que, na estiagem, baixam dez, 20 e mais metros do nível da enchente, deixando a descoberto nas margens extensos areais ou praias em forma de anfiteatro, verdadeiros andares, onde vão desovar as tartarugas. Soubemo-lo através de informação do Dr. Arnaldo Pimenta da Cunha, auxiliar técnico da "Comissão" que, sob a chefia de Euclides da Cunha, explorou o rio Purus até as cabeceiras. A formação é mais um dos caprichos da hidrologia amazônica.
Andirobal: termo muito de uso no Norte do Brasil, designativo de bosque de andirobeiras ou andirobas. À pág. 268 do 2. vol. do Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, lemos: "Os andirobais, que temos, acham-se situados, principalmente, no Munim e Axixá, Distrito de Icatu" (Maranhão). "Em outras zonas do Estado também há andirobais nativos, mas os de Axixá são os mais fáceis de explorar". A andiroba (Carapa guianensis) é uma árvore da família das meliáceas, cuja madeira é bastante apreciada, e de cujas castanhas se extrai um óleo de grande valor.
Angustura: termo usado no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná para nomear um lugar estreito, uma passagem apertada entre ribanceiras íngremes. É o que no Norte do país se chama boqueirão. Neste sentido é termo muito de uso nas repúblicas hispano-americanas, máxime em se tratando de potamologia. Mais abaixo, escreve Vergara y Velasco na sua trabalhada Geografia da Colômbia, pág. 322, ainda apresenta o rio Madalena outro obstáculo: a angustura de Carare, não longe de Nare, onde as águas passam comprimidas num canal de 125 metros de largura e 30 de profundidade, perigoso no inverno..." etc.
Aningal: registado por V. Chermont, Macedo Soares e Rodolpho Garcia com a significação de espaço de terreno ocupado por aningas, plantas da família das tráceas.
Angical: bosque de angicos (Piptadenia moniliformis, Benth.) "O grande angical por nós atravessado no Piauí representa seguramente exceção digna de registo..." (Arthur Neiva — Memórias do Instituto Osvaldo Cruz. Tomo VIII. Pág. 81).
Apaga-pó: nome que os sertanejos baianos da zona do São Francisco e Caitité dão à chuva miúda e fina. Na A Pena, jornal que se edita em Caitité, em seu número de 20 de fevereiro de 1930, lemos: "Desde muitos dias avistamos relâmpagos e ouvimos trovões fora da cidade e tivemos notícia certa de boas quedas-d'água em grande parte do Município do Riacho de Santa Ana, vindo a chover também por esse lado neste Município. Aqui mesmo caíram borrifos — Apaga-pó — como dizem os nossos lavradores". Não raro, ouve-se, na linguagem dos roceiros, simplesmente — paga-pó.
Aparados: registado por Carlos Teschauer no seu Novo Dicionário Nacional, com o sentido de contrafortes da Serra Geral, no Rio Grande do Sul, abonando-o com o seguinte trecho de Alfredo Varella na Revol. cisplat. O Continente... "paredões a prumo, entremeados de longe em longe de contrafortes... que amparam a massa colossal daqueles, e a que os filhos do país deram o nome de aparados."
Apertado: sinônimo de desfiladeiro, angustura, encanado, estreito, lugar estreito onde correm mais velozes as águas de um rio. "Dormi em um apertado que faz o rio" — Itinerário feito pelo Ten. Cel. V. Ayres da Silva, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro — 1857). Registado por Teschauer em seu Novo Dicionário Nacional. — 1928.
Apicum: também apicu, apecu, apecum, termo do Norte do Brasil, que designa brejo de água salgada, à borda do mar. O ilustrado historiógrafo F. A. Pereira da Costa diz o seguinte: "Terreno composto de areia fina de mistura com pouca argila, imprestável para o plantio da cana-de-açúcar". E diz mais que, em Alagoas, se chama apicum ao alagadiço que se forma nos brejos. No nordeste da Bahia e também no Maranhão, segundo nos informa Antonio Lopes, provecto conhecedor da terra e da gente maranhenses, designa elevação muito íngreme. Do município baiano de Valença para o sul a palavra tem o sentido local de extrema da terra firme com o mangue, limite da preamar. Theodoro Sampaio, que deriva este termo do tupi (ape-cu — caminho longo), diz que designava entre os caboclos a vereda arenosa entre banhados ou alagadiços. O sábio Rodolpho Garcia, citando Antonil — Cultura e Opulência do Brasil — Ed. de 1837, pág. 46, diz: coroas que faz o mar entre si e a terra firme, e as cobre a maré. Destarte apicum tem vários sentidos na geografia nacional.
Apurada: registado pelo padre Carlos Teschauer, designando em São Paulo certas terras roxas de grande fertilidade, e cita a frase seguinte de Alfredo Escragnolle Taunay: "Tenho dez alqueires de apurada e o resto de massapé branco".
Aracati: nome usado pelos indígenas e hoje pelos sertanejos do Ceará, de referência a um vento que sopra de nordeste para sudoeste, derramando-se pelo interior do Estado, refrescante e amena. É palavra tupi — de ara — vento — e catu — bom. Esta etimologia é contestada por H. Jorge Hurley que nos escreveu que aracati não traduz bom vento, porém sim lugar suportável, regular, em que se pode viver; de ara — luz, tempo, dia etc. e cati, forma diminutiva de bom — catu, ou seja, regular, sofrível. Alguns escritores dizem significar vento forte ou rajada e Pompeu assemelha-o ao scirocco italiano, sendo prejudicial e nocivo. Também no interior da Paraíba se conhece uma corrente aérea com este nome, segundo lemos na A Paraíba e seus Problemas, de José Américo de Almeida. 1.ª ed. pág. 97.
Araparizal: bosque de araparis. "O arapari, disse-me um canoeiro, é pau oco que serve para tambor ou tamboril" (A. J. de Sampaio. A Flora do Rio Cuminá — pág. 140).
Araribal: bosque de araribas (Sickingia tinctoria), plantas que vicejam nas terras da Amazônia e da mesopotômia maranhense. "Após cortar uma ponta de palmeiral, que a terra firme aí manda ao vale, saio no campo e vejo afinal o Tury, largo e tranquilo, e uma fila de ranchos ao longo do araribal. — Só o ritmo dos remos corta a serenidade da manhã. Os coqueiros e araribais desfilam" (Trechos de um artigo de Raymundo Lopes, publicado no O Jornal do Rio de Janeiro, de 27 de novembro de 1927, a respeito da riqueza dos palmares maranhenses).
Araruama: ouvido pelo Prof. Honório Silvestre na baixada fluminense no sentido de caipira, tabaréu, babaquá. Citado pelo mesmo geógrafo em seu trabalho "Coisas de Negros", publicado no Jornal do Commercio (1936).
Araxá: alto chapadão ou planalto. Couto de Magalhães refere-se à página 167 do seu O Selvagem, ao platô ou araxá central do Brasil. Theodoro Sampaio diz ser um planalto ou chapadão no mais alto de um sistema montanhoso, onde se está em posição de ser o primeiro a ver e o último a deixar de ver os raios do sol. Segundo Couto de Magalhães, é vocábulo tupi-guarani; Theodoro Sampaio julga-o vocábulo tapuia. Hoje em dia é frequente nas publicações geográficas sobre o Brasil a adoção deste termo substituindo o francês plateau ou platô, como escreveram alguns. De Araxá foi que H. von Yhering e depois Delgado de Carvalho formaram o nome de Araxana para designar uma das regiões zoogeográficas do Brasil, a que abrange todo o Nordeste brasileiro e o nosso interior sertanejo, subdividida em Araxana Setentrional e Meridional.
Araxana: nome proposto por Hermann von Yhering, sábio naturalista que, por 20 anos (1895-1915), foi Diretor do Museu Paulista, para designar uma das três províncias zoogeográficas em que dividiu o Brasil, isto é, a que abrange todo o Nordeste brasileiro e o interior sertanejo, alcançando e ultrapassando até a linha Paraguai-Paraná. Esta província compreende por sua vez duas subprovíncias: Araxana setentrional — o Nordeste e bacia do São Francisco e Araxana meridional — a região dos campos ou bacia do Prata. A classificação zoogeográfica de Hermann von Yhering, que foi apresentada no vol. 1. dos Catálogos da Fauna Brasileira, editorados pelo "Museu Paulista", trabalho meritório de colaboração entre os Drs. Hermann e Rodolpho von Yhering, foi vulgarizada pelo Dr. Delgado de Carvalho em sua Geografia do Brasil — Tomo I — pág. 69.
Ar de dia: expressão muito correntia em todo o Nordeste brasileiro, da Bahia ao Piauí, designativa de crepúsculo matutino ou vespertino. No nordeste da Bahia frequentes vezes ouvimos: cheguei com ar de dia, saí com ar de dia — para designar a madrugada ou as ave-marias, a tardinha. Registou-a Leonardo Motta à pág. 240 do seu Sertão Alegre.
Areião: larga extensão de terrenos coberta de areia; grande areial. Registado por Macedo Soares, Amadeu Amaral, Valdomiro Silveira e outros. "O areião do São José, lá embaixo, faiscou, e a espaços voltas e anéis do rio, batidos de chapa, pareciam uma serpente de luz..." (Afrânio Peixoto. Bugrinha. Pág. 10 da 2. edição). "Logo depois de Assis até Indiana encontra-se uma zona arenosa, na qual não há estradas para automóveis. O terreno é formado por extensos areões, semeados de tocos, e os caminhos não passam, em geral, de velhos trilhos, de há muito usados para o trânsito de boiadas e de carros de bois" (Do Jornal Boas Estradas da Associação Paulista Boas Estradas, n. 3, Ano VIII, pág. 7).
Areias gordas: nome que, segundo informações do venerando e erudito Dr. Filinto Bastos, em certos sítios do recôncavo da Bahia, se dá ao terreno arenoso no qual, sem adubo especial, se desenvolvem plantações de cereais e de fumo.
Areias gulosas: denominação da bacia tocantina, designativa de certa areia argilosa, muito fina, onde se entranha facilmente tudo que por ela passa. Ignacio Baptista de Moura a elas se refere na descrição da viagem que fez de Belém a São João do Araguaia. "As terras de ambos os lados são altas e com ondulações para o centro; o próprio leito do rio está aí atravancado de coroas de areia argilosa, especialmente de umas a que chamam gulosas, por serem tão finas que fazem enterrar, como em abismo oculto, as pernas dos que por elas transitam" (Opus cit. pág. 141). No "Vocabulário" anexo ao seu livro Puçanga, Peregrino Júnior escreve que areia gulosa é o solo da beira de certos rios, coberto de areia, onde os animais se atolam facilmente: os ribeirinhos chamam também areia engulideira. H. Jorge Hurley escreveu-nos: "areias gulosas são as das praias novas, ainda não consolidadas, que dificultam a marcha do mariscador de tamarus, cutucas e seriboias, excelentes iscas para o espinhel. Os mapeuas, as coroas e as restingas dispõem de muitos trechos de areias gulosas". Descrevendo o tijuco dos rios da região do Baixo Amazonas Friedrich Katzer, eminente geólogo austríaco, que por muito tempo dirigiu a Seção de Geologia do Museu Paraense, fala de tais areias, segundo nota da Comissão de revisão de seu trabalho — Geologia do Estado do Pará (Vide Boletim do Museu Paraense Vol. IX, 1933, pág. 60).
Areiusca: assim chamam, em São Paulo e também na Bahia, à terra misturada de areia, análoga aos terrenos que, no Nordeste, se denominam ariscos ou areíscos. Devemo-lo à informação de A. Taunay (Carta de 3-11-927).
Arenga de mulher: nome que, em Pernambuco, se dá à chuva miúda, constante, prolongada, segundo refere F. A. Pereira da Costa. Também usado no interior do Piauí.
Arisco: também areísco, termo do Nordeste brasileiro, especialmente usado na Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, que designa terreno areno-humoso, de grande fertilidade e cuja formação se encontra na região paraibana denominada Brejo (que se estende sobre toda a serra de Borborema, ocupando um planalto ondulado e acidentado, com a altitude máxima de 700 metros e onde ficam as localidades de Campina Grande, Lagoa de Remígio, Esperança, Araras, Bananeiras, Guaribas e Alagoa Grande, todas florescentes. Segundo lemos em Philipp von Luetzelburg, sábio botânico da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, em seu profundo estudo botânico do Nordeste (Publicação n. 57, Série I, A), o povo, em geral, chama a região do Brejo de arisco. Luetzelburg diz que é a parte mais fértil e cultivável de toda a região do Brejo e à pág. 20 do 2. vol. de seu trabalho nos dá uma lista das componentes principais da vegetação dos ariscos ou "vegetação típica da zona do Brejo da Serra de Borborema". Na Terra de Sol, de Gustavo Barroso, se lê à pág. 63: "As lombadas dos cerros são preferidas para algodão, os ariscos para mandioca, as baixas planas para milho e os encharcados para arroz".
Armação: Affonso Taunay em sua preciosa Coletânea de Falhas dicionarizou o vocábulo armação no sentido de empresa bandeirante para a caçada de índios, encontrando-o nos Inventários e Testamentos, publicação do Arquivo do Estado de São Paulo. Vicente Chermont já o havia feito no Pará com o sentido de madeiramento de uma barraca, já fincado e pregado ou amarrado no lugar, mas ainda por cobrir e por emparedar com palmas de certas palmeiras ou por taipas. No Norte do Brasil, da Bahia ao Amazonas, ao meu conhecimento, se diz armação o estado carregado da atmosfera ou seja a acumulação de nuvens grossas nas baixas camadas da atmosfera, pressagiando chuvas iminentes ou perturbações como trovões, raios e relâmpagos. Preparativos de chuvas ou tempestades. O dizer é frequente. No Marupiara de Lauro Palhano, à pág. 11, lemos: "O nordeste caiu brando; o mar escamou-se levemente. Mudou de rumo, refrescou e o pescador embevecido não se apercebia das armações preparadas no firmamento sem sol".
Arraial: no Brasil assim se denomina a pequena povoação, não raro temporária. Sinônimo de povoado, comércio, rua no Brasil e lugarejo e aldeia em Portugal. A respeito deste vocábulo transcrevemos os seguintes trechos da lavra de Diogo de Vasconcellos em sua História Antiga de Minas Gerais, à pág. 19: "Os bandeirantes alojavam-se à maneira de milícias em marcha e por isso chamavam arraial o sítio do acampamento. Alguns convertiam-se em povoados e conservavam o título para os distinguir das aldeias. Um arraial considerava-se orgulhoso desse título, porque as aldeias pertenciam a índios, governadas por leis excepcionais e humilhantes. O arraial gozava dos direitos comuns e entrava no regime civil geral do Reino".
Arraieiro: termo baiano, designativo do pescador que se dedica à pesca da arraia. Empregou-o Xavier Marques nos Praieiros, registando-o A. Taunay no Léxico de Lacunas.
Arrampadouro: encosta, ladeira, terreno declivoso. Rodolpho Garcia regista arrampado, no sentido de talude, declive, nas estradas de ferro. O primeiro é registado por Carlos Teschauer.
Arrancador: também arrancadouro, termo usado ao meu conhecimento na Bahia e Sergipe, e que denomina um sítio para pastoreio do gado, onde anteriormente se fez plantação de mandioca e legumes. Feita a colheita dos produtos e abandonada a roça pelo lavrador, aí crescem gramíneas e plantas rasteiras que constituem ótima forragem para os animais.
Arranchamento: registado por A. Taunay e Candido de Figueiredo como brasileirismo que designa reunião de ranchos, casebres, moradias no campo. Derivado de rancho, nomeia casebres rústicos feitos de barro e palha, com a feição primitiva dos aldeamentos de índios; também moradia de pobre no campo ou mesmo nos arredores das cidades e povoações (Callage e Luiz Carlos de Moraes).
Arrastador: também arrastadouro — termo do nordeste da Bahia e de outros Estados do Norte, que significa picada tosca que os sertanejos abrem através do mato para a condução de madeiras do âmago das florestas para as estradas comuns, ou atalhos para comunicação, com as roças feitas no interior das ditas florestas. Também designa trilhos estreitos nos matos que os vaqueiros atravessam em demanda dos pastios costumeiros do gado, que se cria na amplitude indeterminada dos logradouros das catingas. Neste sentido é sinônimo de vaquejador. Em Euclides da Cunha encontramos várias vezes este vocábulo quando nos dá a fragorosa descrição da vida do vaqueiro que passa "da rede preguiçosa e cômoda para o lombilho duro, que o arrebata, como um raio, pelos arrastadores estreitos em busca das malhadas", que nasce, vive e morre "perdido nos arrastadores e mocambos" e "restringe a atividade às corridas desabaladas pelos arrastadores". No nordeste da Bahia diz-se também arrasto, que aliás tem outra significação nas Lavras Diamantinas do mesmo Estado.
Arrasto: na região das Lavras Diamantinas (Bahia) assim chamam os garimpeiros a passagem estreita que comunica as partes amplas de uma mesma gruna. "A um canto começava o arrasto. Era estreito e comprido. Foi necessário abrir a bateia em duas bandas para depois gatear. Rompe você que é mais seco, disse Quirino; eu que sou mais grosso vou no fim para não entupir o arrasto" (Alberto Rabello Contos do Norte Pág. 51). No nordeste da Bahia, arrasto é o mesmo que arrastador (Vide esta palavra).
Arrolhador: termo da zona ervateira do Brasil, designativo do indivíduo que desfolha a erva-mate. Registou-o A. Taunay no Léxico de Lacunas.
Arrombado: termo amazônico, de uso frequente na região do Salgado do Estado do Pará. Devemo-lo à informação do Dr. H. Jorge Hurley, que nos escreveu: "Os furos recentes na região do Salgado, de Bragança a Viseu, que ligam dois rios através dos manguezais, são denominados arrombados. Há 20 anos, mais ou menos, as marés arrombaram o talude que se interpõe entre os rios Curuçá e Cajatuba, abrindo franca passagem às canoas, ficando esse canal denominado — furo do arrombado —. Como este há muitos em toda a região marítima do Pará".
Arroto de gruna: expressão usada pelos garimpeiros das Lavras Diamantinas da Bahia, designativa do ponto em que o curso d'água subterrâneo, que atravessa as grunas ou grutas escavadas no subsolo, aflora à superfície. As águas ao chegarem à flor da terra produzem, não raro, um gargarejamento, semelhante ao ruído que fazem os gases que saem do estômago, de onde se originou o sugestivo dizer da gente dos garimpos. Foi a informação que nos deu o Engenheiro Máximo Macambyra Monte-Flores. À pág. 47 dos Contos do Norte, de Alberto Rabello, lemos o seguinte passo: "E um instante lhe foi de delírio, quando vinda do fundo da caverna, uma torrente de luz flamejante escorria a seus pés, como se um rio de ouro vertiginoso e fantástico descesse até o arroto da gruna".
Arumbava: o mesmo que mumbava, segundo A. Taunay, que assim ouviu no sul de São Paulo. O mesmo autor regista também o significado de parasito.
Açaizal: denominação corrente no vale do Amazonas, designativa de terreno, em geral à beira dos rios, onde vicejam frondosas e numerosas as palmeiras chamadas açaí (Euterpe olerácea. Mart.). O açaí chama-se jussara no Maranhão, donde jussaral (vide este termo). O açaí, além de um esplêndido óleo, presta-se também a uma bebida magnífica, muito comum na Amazônia, preparada esta e extraído aquele da polpa que circunda os coquilhos (Estado do Amazonas no Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil — 2. vol. pág. 30). À famosa bebida se refere a lenda popular, que lhe canta a excelência:
   "Quem vai ao Pará, parou;
   Quem bebe açaí, ficou."
  "Entre os dois barrancos não há espaço para cem metros e este fundo é coberto por açaizal ou jussaral, em meio do qual corre um riachinho de cristalina água algum tanto azulada" (Carlota Carvalho — O Sertão Pág. 9). Adolpho Ducke escreve a respeito de açaizal — "lugares pantanosos onde, na submata, abundam as palmeiras açaí".
Assentada: termo que, em alguns dos Estados do Brasil, na Bahia e Goiás por exemplo, designa um terreno plano no alto de um morro ou de uma serra. Os sertanejos da Bahia chamam indiferentemente assentada, assentado e sentada. Em Goiás também se diz chato (Informação do Professor Alcide Jubé). O termo assentada, com o significado de terra plana no cimo de uma montanha, é também usado em Portugal: é o que vemos nos Elementos de Geografia Geral de Ferreira-Deusdado, à pág. 69. Em Portugal assentada é mais frequentemente usado como termo forense. Valdomiro Silveira, em Os Caboclos, regista e emprega o termo assente, de uso em São Paulo, na significação de "lugar mais alto e plano do monte; chapada, linha de águas vertentes". Na Amazônia que eu vi de Gastão Cruls lemos que assim se chama na Amazônia o alto de praia onde as tartarugas preferem desovar, visto que aí o terreno é sempre seco (Elucidário anexo à pág. 130 da 1. Edição).
Assento: registado por A. Taunay e Candido de Figueiredo, como brasileirismo designativo da parte mais plana e mais alta de um monte; planalto; chapada. Em Portugal, segundo informa Ferreira-Deusdado, à pág. 69 dos seus Elementos de Geografia Geral, usa-se o termo assentadas no sentido de planícies no cimo duma montanha. E Said Ali, no seu Compêndio de Geografia Elementar, a págs. 16 e 17, tratando das várias formas que pode ter o cimo de um monte, escreve: "o cume arredondado ou cabeço; o cume pontudo ou pico-dente, agulha, ponta; o cume plano ou assentada, mesa (em abexim ambas), e o cume cônico, que é próprio dos vulcões". Tal significação não vem consignada nos Dicionários de Caldas Aulete, Domingos Vieira, Constancio, Faria, Morais, Lacerda, Figueiredo etc.
Atalaia: segundo informações de Antonio Lopes, do Instituto de História e de Geografia do Maranhão, assim se chama ali ao morro mais alto de uma serra, o seu viso mais elevado.
Atascal: lamaçal, atoleiro. Regista-o Carlos Teschauer com uma cita de Monteiro Lobato. Em Portugal se diz atascadeiro, atasqueiro.
Aterrado: terra firme no meio do pantanal. Rodolpho Garcia atribui a sua formação à carga de sedimentos que a corrente do rio, volteando pelo seu antigo curso, deposita em certos lugares, ao esbarrar com as águas mortas do pantanal inundado. É termo muito usado em Mato Grosso. Affonso Taunay no seu Léxico de Lacunas regista aterrado com o significado, em São Paulo, de lugar alagado, que foi enxuto graças a um movimento de terras. E dá o seguinte exemplo — "O aterrado da cidade Nova". Segundo nos informou em carta de 18 de março de 1928 o ilustre Secretário do Instituto de História e Geografia do Maranhão, Antonio Lopes, "nos lagos e pantanais do Maranhão aterrado é terreno esponjoso das margens, formado pela colmatagem. Nestes aterrados brotam buritizeiros raquíticos. Às vezes, com as enchentes ou ventanias, se destacam dos aterrados pedaços que formam verdadeiras ilhas flutuantes, com vegetação das mencionadas palmeiras, e ficam a boiar sobre as águas, à mercê do vento". Pereira do Lago no Itinerário da Província do Maranhão (1820) refere-se a estas ilhas flutuantes e assim outros escritores.
Aterroada: também torroada, terroada; termo da Amazônia, que apelida pequenas elevações nos campos altos produzidas pelas minhocas, por cupins ou formigas. Também designa depressões amiudadas nos terrenos baixos e atolentos, impressas pelas patas do gado durante o começo e fim do inverno. Regista-o V. Chermont. A. J. de Sampaio em seu trabalho Nomes vulgares de Plantas da Amazônia (1934) define: "baixada com montículos de terra; minhocal em Mato Grosso. E à pág. 46 da 2.ª Ed. de Puçanga de Peregrino Júnior, lemos: "O burrinho esquipando devorava a estrada encalombada de terroadas que ia do barracão "Boa Esperança" à casa humilde de Antonio Cardoso".
Atoledo: brasileirismo do Sul, já registado por Candido de Figueiredo (4.ª edição). O mesmo que atoleiro. "Passamos um atoledo murcho, esboroando os bordos dos rastros, estorroados e rijos" (Raul Bopp — Como se vai de São Paulo a Curitiba — Na Feira Literária de março de 1928 — Pág. 26).
Atravessadeiro: vimo-lo registado por A. Taunay num artigo publicado no Correio Paulistano de 30-11-928, com a significação de atalho de caminho. É usado em Santa Catarina.
Atravessador: citado por Araujo Lima no seu notável livro Amazônia. A terra e o homem, págs. 120 e 121, com a significação de intermediário a quem o pequeno agricultor da Amazônia vende o produto do seu trabalho, sendo explorado.
Aturiazal: dicionarizado por V. Chermont, como termo de uso no Pará, que designa terreno onde abundam os aturiás (Drepanocarpus lunatus), arbusto espinhoso dos terrenos aluviais, algo atolentos e meio alagados.
Aviado: na Amazônia, informa Mario Guedes (Os Seringais), "é um homem que trabalha com pessoal seu, em um seringal que lhe não pertence. Acontece isso quando um patrão ou proprietário possui um seringal bastante grande. Nesse caso concede uma fração do mesmo a outrem, que trabalha por conta própria: é o que se chama aviado. Chama-se aviado, porque o patrão é quem lhe fornece a mercadoria necessária ao fabrico, tirando de semelhante transação a sua boa percentagem. É, como se vê, uma espécie de feudatário. O patrão diz-se também aviado pela casa aviadora, de onde se supre de mercadorias". Candido de Figueiredo (Novo Dic. 4.ª ed.) diz que aviado é negociante por conta alheia, mascate, que, por conta dos negociantes da costa vai fazer negócio no sertão, informando ainda que o termo é também usado na África com o mesmo sentido.
Aviador: termo da Amazônia, registado por Teschauer, com a significação de indivíduo que contrata e encaminha seringueiros. À pág. 198 do Brasil. A Terra e o Homem de Arthur Orlando, lemos: "É preciso não confundir a Amazônia do tapuio com a Amazônia do paroara... A segunda é a Amazônia mestiçada, mas cruel para os violadores de suas matas virgens, para aqueles que alvoroçam e conturbam suas florestas em busca do ouro negro, a Amazônia do gaiola, do aviador, a Amazônia da Hevea brasiliensis ou Syphonia elastica..." E Miguel Calmon em seus Fatos Econômicos à pág. 238, escreve: "Sob promessa de avultados benefícios e presentes, eram os tapuios seduzidos e abandonavam terras e lavouras para o acompanhar. Adiantava-lhes o aviador roupas, comedoria, máquinas de costura, armas, munições, caixas de música e bugigangas outras, lançadas à sua conta para ser tudo pago em borracha". Neste mesmo trabalho vemos que a palavra aviador também designa o intermediário entre o patrão, dono de seringal e o comprador nas praças de Manaus e Belém. "Mas, o aviador que adiantou ao patrão as provisões e os vários objetos que este vende ao seringueiro, leva-lhe à conta tais juros, que o patrão mesmo fica, comumente, endividado" (Fatos Econômicos, págs. 242 e 243).
Azulinho: termo usado pelos garimpeiros de diamantes em Mato Grosso e Minas Gerais, para designar a claprotita e outras pedras coradas, indicadoras de boa formação.

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