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sábado, 16 de janeiro de 2016


FRANCISCO DE SALES MEIRA E SÁ 

José Augusto Bezerra de Medeiros 

Durante a vigência da chamada Primeira República, o Rio Grande do Norte sempre foi representado no Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados), por figuras exponenciais: consagrados juristas uns, como Amaro Cavalcanti; historiadores outros, como Tobias Monteiro e Tavares de Lyra; oradores fulgurantes, como Almino Afonso e Junqueira Ayres; grandes conhecedores dos seus problemas econômicos, como Eloy de Souza e Juvenal Lamartine; chefes políticos regionais de prestígio excepcional, como Pedro Velho, José Bernardo, Francisco Gurgel.
Meira e Sá (Francisco de Sales Meira e Sá), passou fugazmente pelo Senado Federal, tendo exercido o seu mandato por quatro anos apenas, - 1907 a 1910 -, e renunciou espontaneamente a cadeira que lhe conferira o Rio Grande do Norte para retornar à magistratura, onde se sentia como que na sua própria casa, tão identificado viveu sempre com o estudo dos problemas jurídicos, na explanação dos quais revelou-se realmente um mestre de vasto saber.
Pertencia, pois, ao melhor dos títulos, à categoria dos juristas consagrados, a que me referi de início, citando Amaro Cavalcanti.
Não era filho do Estado em que sempre viveu e a que tanto e tão eficientemente serviu. Nasceu na cidade de Souza, na então Província da Paraíba em 1856, mas já em 1863, aos sete anos de idade, veio para o Rio Grande do Norte, cuja Presidência seu ilustre progenitor, Dr. Olinto Meira, ocuparia com proveito para o bem público, por três anos a fio. Suas origens familiares estavam entre as do melhor padrão no nordeste. Vinha ele dos Meira de Vasconcelos, (lado paterno), e dos Correia de Sá, (lado materno). Seu pai, Dr. Olinto Meira, muito se afeiçoou ao Rio Grande do Norte, e, enviuvando, casou-se em segundas núpcias com uma moça da família Ribeiro Dantas, fixando-se definitivamente na Província que tão eficientemente sonhara governar, seu filho mais velho, Francisco, fez em Natal todo o curso primário, tendo sido enviado por seu pai para Capital Pernambucana, Recife, em um de cujos melhores colégios da época, o São Bernardo, fez com brilho todo o curso de humanidades, ou curso de preparatórios, como naquele tempo se dizia.
Concluindo este, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, na qual, revelando-se aluno excelente por sua inteligência e amor aos estudos, bacharelou-se em 1878, aos 22 anos de idade.
Retornou, então, à Província Norte-rio-grandense, onde residia seu pai, e à qual iria servir por mais de quatro decênios com o seu acendrado espírito público e com a sua vasta cultura.
Conheci muito de perto Meira e Sá. Com ele convivi por mais de 20 anos. Nunca encontrei um ser humano mais perfeito do ponto de vista moral. Sua vida no lar e na sociedade era modelar. Esposo amantíssimo, pai desveladíssimo, amigo fidelíssimo, quem dele se aproximava sentia desde logo que estava diante de um ser excepcional. Dentre os melhores homens de evidência nas letras, nas ciências, na política, na magistratura, com os quais tenho convivido, só um posso comparar a Meira e Sá por esse aspecto de virtudes pessoais, Clóvis Beviláqua, a quem Euclides da Cunha, certa vez com justiça, proclamou ‘Sábio e Santo’.
A dedicação de Meira e Sá pela esposa não diminuía com o perpassar dos anos. Como que crescia e se aprimorava. Vendo-os juntos, tinha-se a impressão de que eram ainda namorados, tal a ternura com que ele se dirigia à esposa amantíssima, a quem escrevia diariamente e mandava madrigais, quando por ventura era obrigado a viajar, e a esposa não podia acompanhá-lo.
Era assim Meira e Sá na vida do lar. Vejamo-lo, porém, pelos variados aspectos pelos quais se projetou a sua personalidade na vida pública.
Desde logo cabe assinar que a grande autoridade moral de que dispunha nos meios norte-rio-grandenses fazia com que a ele recorressem para presidi-los, orientá-los, prestigiá-los quantos empreendiam qualquer coisa, uma sociedade, uma instituição, sobretudo as que beneficiassem a juventude, as que tivessem caráter educativo.
Foi assim que Meira e Sá presidiu desde a fundação o Instituto de Proteção à Infância de Natal, benemérita instituição de iniciativa do Dr. Varela Santiago que ainda hoje presta serviços sem conta à infância, sobretudo à infância desvalida do Rio Grande do Norte, como também presidiu desde a data inicial a Liga de Ensino, fundada por Henrique Castriciano em 1911, criadora e mantenedora da Escola Doméstica de Natal, a modelar escola que, única existente no gênero em nosso pais, há quase quarenta anos prepara as moças potiguares para donas de casa, para mães de família.
Mas Meira e Sá no campo das instituições humanitárias ou progressistas não se limitava a presidir aquelas de cuja criação outros tiveram a iniciativa. Também teve as suas iniciativas.
Para não citar senão alguns exemplos, lembrarei o Popular Instituto Literário, por ele criado e mantido em Ceará Mirim, com projeção em Touros, dois municípios do Rio Grande do Norte, instituto que mantinha biblioteca e ministrava aulas de francês e ainda um curso noturno para moços que trabalhassem durante o dia.
Fundou e dirigiu, ainda em Ceará-Mirim, onde residiu por longo tempo, o Colégio São Francisco de Sales, no qual se prepararam de 1884 a 1888 alguns moços que mais tarde vieram a atuar com evidência na vida pública do Rio Grande do Norte.
Ainda dando largas ao seu espírito liberal, chefiou ali a campanha abolicionista, tendo criado e dirigido a Libertadora de Ceará-Mirim, com a ajuda da qual conseguiu a libertação de muitos escravos.
Também foi um dos fundadores do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte, ao qual prestou serviços inestimáveis, sendo um dos que mais pelejaram, com os seus estudos de geografia e de história e com a sua vasta cultura jurídica, pela causa do Estado na famosa questão de limites com o vizinho Estado do Ceará, questão afinal decidida em favor dos potiguares.
Pelo feitio do seu espírito voltado sempre para os problemas de ordem cultural e jurídica e pelo seu temperamento pouco expansivo, retraído e modesto, Meira e Sá jamais poderia ser um político militante, um homem de partido, a participar de comícios e pugnas eleitorais. Isso não impediu de por algum tempo alistar-se em uma agremiação política, o Partido Republicano Federal, de que no Rio Grande do Norte foi chefe incontestado, nos primórdios da República, e principal condutor da causa democrática, o Dr. Pedro Velho. E eis porque vemos Meira e Sá Deputado à primeira Constituinte Republicana no Rio Grande do Norte, em 1891, participando dos debates e levando à primeira carta constitucional do Estado a valiosa contribuição dos seus conhecimentos jurídicos.

Dr. Francisco de Sales Meira e Sá
 
Mais tarde foi Chefe de Polícia, interinamente, em 1892, e depois efetivamente de 1894 a 1895, no primeiro governo do Desembargador Ferreira Chaves. Passou então para a magistratura, a que serviu com honra e cultura, interrompendo, porém, a sua atividade judicante de 1907 a 1910, quando o Estado exigiu a sua presença no Senado, como expoente das letras jurídicas norte-rio-grandense.
No Senado Federal conquistou desde logo posição de relevo, sendo de notar o acatamento em que eram tidos os seus pareceres na Comissão de Constituição e Justiça, que desde logo lhe foi destinada, e no seio da qual teve sempre voz preponderante, o que facilmente se explica em face da sua vastíssima cultura jurídica. Cabe acentuar que Meira e Sá na alta casa do Congresso Nacional não se limitou a examinar e discutir problemas de direito. Também os problemas de direito. Também os problemas econômicos, sobretudo os condizentes com o progresso da região nordestina, de que era filho e autêntico representante, mereceram o seu estudo e os seus cuidados.
Quero referir-me aqui, e de modo muito particular, ao problema de construção de uma estrada de ferro que deveria ligar o porto de Mossoró no Rio Grande do Norte ao rio São Francisco em Pernambuco, problema a que consagrou grande parte de sua atividade legislativa, e de cuja solução, ao seu ver, adviriam as maiores vantagens ao progresso da região a percorrer pela projetada estrada. Para a objetivação do seu ideal de tornar uma realidade a sua construção, Meira e Sá em 1909 apresentou ao Senado um projeto de lei, amplamente justificado em discurso por ele então pronunciado, discurso que ele rematou com estas palavras de plena confiança no futuro do Nordeste:

“Tenho prazer de mandar à mesa este projeto, com grande número de assinaturas de ilustres Senadores, aguardando-me para na sua discussão, se preciso for, melhor esclarecê-lo e demonstrar as grandíssimas vantagens, aliás, claras, que resultarão dessa via-férrea; vantagens que não serão somente para o Rio Grande do Norte, mas também para os quatro Estados a que me referi, além de outros, e para o país; - vantagens que se prendem diretamente à solução do problema das secas, porque, para a solução desse secular e momentoso problema, além dos açudes, barragens dos rios e outros meios, é também necessária a viação férrea, para encurtar as distâncias, para tornar fácil a comunicação, de modo que possam ser vistas e amadas essas regiões, conhecidos e explorados os abundantes elementos de produção dessas plagas, de cujos terrenos disse Euclides da Cunha, nunca assas pranteado, nesse monumental livro - que é ‘Os Sertões’...
“Ao atravessá-los no estio... barbaramente este reis... ao atravessá-los no inverno - maravilhosamente exuberantes... E o sertão é um paraíso; é um pomar vastíssimo, sem dono”.
“Já vê V. Ex., Sr. Presidente, que terrenos que são maravilhosamente exuberantes, que se tornam pomar vastíssimo - uma vez não lhes faltando esse precioso elemento - a água, fácil de conseguir, corrigindo-se os defeitos topográficos da drenagem rápida e torrencial do solo. Terrenos tais, dizia, não podem ser desprezados ou esquecidos. Menos o podem ser as fortes gentes, que ali vivem e trabalham, às quais cumpre ouvir, atender e tomar na devida consideração; são coisas e povos - patrícios nossos - que estão a clamar de todos os governos providências enérgicas, decisivas, solícitas e sistemáticas, no sentido de debelar, de vez, as secas e evitar os prejuízos enormes, incalculáveis, - os desastres que elas têm causado, periodicamente, ao norte do Brasil e ao patrimônio nacional”.

Mas, a despeito de sua projeção no Senado da República, prestigiado pela estima e consideração da unanimidade dos seus colegas, e do brilho que comunicava aos debates parlamentares, Meira e Sá sentia-se como que deslocado dentro de uma assembleia política e tinha como que a nostalgia da vida de magistrado, na qual se integrara por decénios como elemento proeminente no poder judiciário do Rio Grande do Norte, onde chegara à presidência do Superior Tribunal de Justiça. Tendo ocorrido a vaga de Juiz Federal com o falecimento do Dr. Olímpio Manoel dos Santos Vital, inscreveu-se no concurso aberto perante o Supremo Tribunal Federal, que o classificou em 1° lugar por unanimidade de votos. Abandonou assim, e definitivamente, as atividades legislativas, renunciando desde então a qualquer participação nas liças partidárias, para as quais não tinha pendores e às quais não se afeiçoara o seu espírito, voltado ininterruptamente para o campo sereno do direito.
Do que foi como aplicador da lei, há uma vasta e preciosa documentação a atestar não só a sua cultura como a sua retidão, revelada amplamente nas inúmeras decisões e sentenças que lavrava nos múltiplo casos entregues ao seu julgamento, decisões e sentenças invariavelmente sancionadas pelo voto unânime do Supremo Tribunal Federal, quando a este chegavam em grau de recurso ou apelação.
Há também, confirmando o merecido e alto conceito de Meira e Sá como juiz, o depoimento uníssono de quantos advogados perante ele postularam.
De um deles, Nestor Lima, que foi Presidente do Instituto Histórico e do Instituto dos Advogados naquele Estado, e homem de severo julgamento e excelsas virtudes, há este depoimento, que bem retrata quem era o grande juiz:

“Posso dar meu testemunho sincero e imparcial de como se havia o Dr. Meira na cátedra de juiz: servi com ele, no decênio da sua magistratura na Justiça Federal, pois que, na do Estado, eu ainda não me havia habilitado para o foro. Mas, acompanhei-o fielmente nessa década triunfal, postulando e alegando perante ele, com a confiança mais completa que era possível, porque sabia que o seu veredito era expurgado de paixões e de interesses subalternos, o que não podem sentir, infelizmente, os quê hoje fazem-se de juízes, com as exceções do costume, mas, poluem a Justiça, à custa de seus arranjos e baixezas.
Meira e Sá era o tipo completo do Juiz: era a encarnação do sacerdócio judiciário, em seu maior esplendor.
Simples e singelo, honesto e bom, crédulo e confiante, como os espíritos infantis, antes de envenenados pela maldade ingênita do Homem contemporâneo; nunca, porém, ele se afastava das normas do direito, das regras da justiça, das recomendações da moral e da ética, ao proferir as suas luminosas decisões.
Contam que, muitas vezes, solicitado pelos poderosos do momento a decidir em sentido contrário ao que se lhe afigurava de justiça, mandava recados a eles para que tivessem juízo...
Quero acentuar que, no Dr. Meira, encontrei o tipo ideal do magistrado impoluto e impoluível, como é dos sagrados cânones da vida social”.

Como perfeito magistrado que o era, Meira e Sá não tinha só o conhecimento, a ciência das leis, certamente elemento, imprescindível. Possuía mais do que isso, possuía a consciência do direito, o inato sentimento de justiça, assinalado por um dos seus biógrafos, o seu genro, Desembargador Silvino Bezerra que, a propósito, narra o seguinte episódio por ele presenciado:

“Em certa noite festiva de SÃO JOÃO, encontrava-me sentado com ele no alpendre de sua casa, situada agora na Av. Olinto Meira, que era então subúrbio de Natal, quando o octogenário vizinho procurou-o acompanhado de um funcionário da Intendência Municipal, que o intimara a acabar com a fogueira que queimava, adiantando que o velhinho pagaria uma multa, pois devia saber que A REPÚBLICA havia publicado um edital, proibindo as tradicionais fogueiras. O Dr. Meira, ouvindo o funcionário, ponderou que a regra, de origem romana, de que a ninguém é dado ignorar o direito, “nemo jus ignorare censetur”, nunca fora tomada sem as devidas exceções, principalmente dos rústicos, de modo que não deveria assombrar o ancião e muito menos multá-lo, o que seria até uma crueldade, tratando-se de um macróbio pobre e analfabeto, que não lia jornal e queria divertir-se e divertir a família com os fogos, os batizados, as promessas e a saborosa canjica de SÃO JOÃO, Adiantou que era juiz federal, assinava o ‘Diário Oficial’ e, apesar de pagar a assinatura, não o recebia, podendo pois, até ele, juiz, deixar de conhecer certas leis publicadas. Foi atendido e o velho queimou a fogueira até o fim. Lembro-me de ter sido a única vez que o vi irritado, em frente à aflição de um humilde e como que transformado de juiz em advogado”.

Não quero encerrar estas linhas sem acentuar que inúmeros foram os trabalhos jurídicos da mais alta valia que Meira e Sá publicou, versando os temas mais variados, em jornais, em revistas, em folhetos, em livros, tendo também tomado parte como figura de plano superior em Congressos e Conferências nacionais, em que os magnos problemas de direito eram abordado.
Ainda hoje são apontados e citados os seus estudos sobre a Reforma da Justiça Federal e o Recurso Extraordinário, assuntos amplamente debatidos aos tempos da chamada Primeira República.
Por fim, e como remate, referirei o que me foi narrado há alguns anos pelo ilustre jurisconsulto, Professor Sá Viana, participante, como o magistrado potiguar, do Primeiro Congresso Jurídico Americano reunido no Rio de Janeiro.
Dizia-me o Professor Sá Viana, para pôr em relevo os altos méritos do jurista Meira e Sá, que este chegara ao Rio para participar do Congresso como representante do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, que então presidia, e apresentara-se como realmente era do seu feitio, modesto, retraído, não se aproximando nos primeiros momentos das sumidades jurídicas do país, estão reunidas.
A primeira tese do questionário a debater referia-se a esta importante questão de direito público: se a soberania, no regime federativo, residia exclusivamente na União ou se cabia, ao mesmo tempo, à União e aos Estados.
Dois membros do Congresso escreveram memórias a respeito. Um deles, o Dr. João Monteiro, figura consagrada, diretor da Faculdade de Direito de São Paulo, mestre dos mais eminentes, orador dos mais notáveis, e o outro, o modesto, o retraído representante do Rio Grande do Norte, Meira e Sá.
Versando a mesma questão, chegavam os dois a conclusões inteiramente diversas.
O primeiro a falar foi o Professor João Monteiro que sustentou o princípio de que, no regime federativo, a soberania tanto reside na União, como nos Estados. A seguir levantou-se Meira e Sá, dizia-me Sá Viana, que até então não o conhecia, levantou-se, tímida e modestamente, e começou a falar sustentando tese oposta.
Pouco a pouco Sá Viana, secretário geral do Congresso, observou que os congressistas se levantavam um a um e procuravam cercar o representante do pequeno Estado do Norte, para ouvi-lo com atenção. E com tal brilho se conduziu Meira e Sá, com tanta precisão soube responder aos pontos de vista do professor paulista, que o Congresso coroou as suas palavras finais com significativa salva de palmas. Desde esse momento o magistrado potiguar passou a ser uma das figuras dominantes no Congresso Jurídico Americano.
Era gente da melhor categoria, como é o caso de Meira e Sá, a que o Rio Grande do Norte costumava mandar para o Congresso Nacional enquanto perdurou a chamada Primeira-República.

 

__________
Publicando na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, volume LV (1962-1963). Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 1965, págs. 33-42.
 

segunda-feira, 24 de junho de 2013

TORRES HOMEM


Antônio Batista Pereira

Quem era o homem a quem se dizia que o Imperador sacrificara o gabinete Zacarias? Os princípios da sua vida são pouco conhecidos.
Filho duma quitandeira, deve ter tido, contudo, do lado paterno uma assistência vigilante nos primeiros anos. Será parente por linhas naturais de Evaristo da Veiga, mais velho que ele apenas onze anos? Fá-lo crer o fato de que foi Evaristo que o mandou para a Europa ajudando-o pecuniariamente nessa viagem e nos estudos. É verdade que tinha o lugar de adido à Legação de Paris. Mas é indubitável que Evaristo o auxiliou.
Colaborou na Aurora Fluminense mas sem continuidade. Trouxe dos estudos em Paris uma grande bagagem literária e política. Foi com esses elementos que redigiu o célebre Libelo do Povo, sob o pseudônimo de Timandro. Desde aí que foi uma personalidade. Seu livro foi um acontecimento que o colocou desde logo na primeira plana das sumidades intelectuais.

FRANCISCO SALES TORRES HOMEM

O Libelo do Povo era bem um libelo no sentido jurídico da palavra. Não poupava a família Imperial. Arrastava-lhe os antepassados, mesmo os mais próximos, pela rua da Amargura. Os Bourbons de Nápoles, família da Imperatriz, esses eram os mais impiedosamente tratados.
O Imperador ressentiu-se profundamente desses ataques. Só a sua magnanimidade poderia perdoá-los. Mas ele próprio não poderia nem admitir essa hipótese, a menos dum milagre. O milagre deu-se. Salles Torres Homem, especializando-se em assuntos financeiros, mostrou tal superioridade e tão grandes mestria que o Imperador lhe deu uma pasta de ministro para executar as suas ideias. Honório Hermeto aprovou-lhe a resolução, não é exato que a ditasse. O Imperador escreveu uma vez: "o Honório não se curva". Honório podia inverter-lhe a frase.
Do seu primeiro encontro com o Imperador tem havido várias versões e vários desmentidos. É inexato que ele se tivesse ajoelhado. Mas a verdade é que proferiu a célebre frase: "Senhor, para os grandes crimes, as grandes expiações. Esmagado pela generosidade de Vossa Majestade, forçado a retratar-me dos erros de uma mocidade petulante, a expiação do meu orgulho não podia ser maior".
O Imperador perdoou. Não assim a Imperatriz. Quando Torres Homem, partindo para a Europa, foi ao Paço despedir-se, D. Pedro II acolheu-o afavelmente. Timandro, reabilitado, sentiu-se com coragem para pedir-lhe permissão de apresentar à Imperatriz as suas homenagens de profundo respeito.
O Imperador atalhou-o. "Não, não, sr. Salles, não pense nisso. Eu sou homem e posso esquecer e perdoar. Depois, não só posso como devo. Sou brasileiro e o Brasil precisa de homens como o Senhor. Mas a Imperatriz é mulher e não esquece. Demais, embora brasileira, hoje, ela não esquece que é Bourbon e nasceu na Itália. Não se despeça da Imperatriz. Eu buscarei que com o tempo ela lhe perdoe".
O grande período do Salles (assim lhe chamavam os contemporâneos) foi o da questão financeira, o da luta com Souza Franco, partidário e realizador da pluralidade bancária.
Os desastres da política financeira de Souza Franco deram-lhe razão ponto por ponto. Tornou-se o grande financeiro do Império, na opinião geral. Não chegou a ter o conceito externo de Itaborahy e, talvez, lhe faltasse a capacidade de execução deste. Mas superava-o no talento e na instantaneidade de visão.
Retratemo-lo fisicamente. Baixo, gordo, pernicurto, pesadão, lábios grossos, óculos de ouro sobre os olhos esbugalhados, tinha um aspecto fechado, convencido e solene. A cor de cera da tez e a longa cabeleira postiça atenuavam-lhe o mascavo da raça. Não tinha um deslize no trajar: pensava que não se deve deixar aos tolos a superioridade de andar bem vestido. Tinha sege e coupé particular, com trintanário. Andava sempre de luvas, não na mão, como Quintino Bocayuva, mas calçadas. Variava diariamente de gravatas e alfinetes, de que tinha verdadeiro sortimento, comprazendo-se nas várias combinações com que quebrava a monotonia da eterna sobrecasaca. Acreditava nas propriedades das pedras preciosas e dava-lhes preferência segundo os dias da semana e a feição da atmosfera.
Nabuco de Araújo, referindo-se ao seu orgulho e à sua fealdade, dizia: "Se ele não tivesse tanto talento, poderiam chamar-lhe peru de roda. Pavão é que nunca. Para pavão, falta-lhe algum tanto de beleza..."
Bom humanista, como os seus grandes contemporâneos, sabia latim como um padre e trazia Lucrecio de cor. Falava francês como um parisiense, sem o mínimo sotaque. Seus escritores preferidos foram Chateaubriand, Benjamin Constant, Paul Louis Courier e Cormenin.
Grande orador, dos maiores de seu tempo, era simples e magnífico. Não há na história parlamentar da Monarquia dia mais memorável do que o em que respondeu a Zacarias que atacava o projeto Rio Branco sobre a emancipação dos nascituros (5 de setembro de 1871).
A asma, de origem cardíaca, que o devia fulminar pouco tempo depois em Paris, já lhe dificultava a respiração e o uso da palavra.
Zacarias fora, além de mordaz, eloquente. Dera o máximo contra essa reforma, a que atribuía, e com razão, a perda da simpatia imperial. Salles não quis deixar a outrem a honra e o perigo do revide. Os contemporâneos, quando ele começou a falar, interrompido por espasmos, assistiam a uma cena quase trágica: a luta do espírito querendo alar-se contra a matéria, buscando conter-lhe o voo.
Mas a vontade venceu. Salles conseguiu domar a máquina rebelde. E continuou a falar. O seu discurso, a que Nabuco, aliás, preferiu o de Otaviano sobre o mesmo assunto, é uma peça maravilhosa. Eclipsa não só o de Otaviano, como ainda o de Nabuco de Araújo, e, talvez, seja por isso que Joaquim Nabuco não o transcreve nem o analisa devidamente. Há nele gritos do coração e imprecações que tocam as raias do sublime. Enquanto este não for proscrito do pensamento, como incompatível com a grosseria ambiente, será lido com emoção o discurso de Salles.
Principia ele chamando à banca dos réus o escravismo. O hábito de parlamentarizar os discursos, espontando-os de todos os espinhos que pudessem arranhar a etiqueta, edulcorou nos Anais a amarguidão dessa figura. Mas a verdade é que ele chamou o escravismo à barra do Tribunal, como um criminoso, e que desde aí o seu discurso começou a causar sensação.
O grande argumento dos escravocratas era o direito de propriedade, era o partus sequitur ventrem dos semoventes. A humanidade do escravo desaparecia: ele era animalizado como um bicho qualquer, de que o dono tem direito às crias.
Salles Torres Homem combate esse argumento em nome da humanidade e da religião:
"Não será no recinto augusto do Senado, onde, a par de tantas luzes e experiências, dominam os mais elevados sentimentos, que virei provar que criaturas inteligentes e dotadas, como nós, dos mesmos atributos e dos mesmos destinos, não podem ser equiparadas, no ponto de vista da propriedade, ao potro, ao novilho, ao fruto das árvores e aos objetos inanimados da natureza, submetidos à dominação do homem. Doutrina absurda e execrável
"Aqueles seres não vivem ainda; a poeira de que seus corpos serão organizados inda flutua dispersa sobre a terra, a alma imortal que os deve animar ainda repousa no seio do poder criador serena e livre e já o ímpio escravagista os condena, os reclama como propriedade sua, já os reivindica do domínio de Deus para o inferno da escravidão".
O Imperador buscava à viva força esconder a sua responsabilidade na emancipação. Torres Homem entreabre respeitosamente o reposteiro cor de pêssego da sala dos Ministros em São Cristovão, atrás do qual se queria ocultar D. Pedro II. Não nega a interferência direta da Coroa, alegada por Zacarias como capítulo de acusação.
Antes deixa entrevê-la para reivindicá-la como uma glória.
"Se o Imperador, como homem e cristão, se associou a esse voto da sua pátria e da humanidade com o ardor de uma consciência piedosa e, como rei, o amparou com os prestígios da sua posição excelsa, sem sair da órbita constitucional, bastaria esse fato, só por si, para imortalizar o seu reinado".
Verberando a escravização dos nascituros, mostra como a sua monstruosidade é incompatível com a família e a religião. "Esperam-se às portas da entrada da vida as criaturas novas que apraz à Providência enviar a este mundo e aí são recrutadas para o cativeiro, embora nascidas no mesmo solo, junto do lar da família, em frente ao templo do mesmo Deus e no meio dos espetáculos da liberdade, que tornam mais sensíveis a sua degradação e miséria".
E, alterando o tom de voz numa frase que resume o seu pensamento e causa prolongada sensação, ajunta: "É, senhores, a pirataria exercida à roda dos berços, nas águas da jurisdição divina e debaixo das vistas imediatas de um povo cristão!"

PEREIRA, Antônio Batista. Figuras do império e outros ensaios. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1931.  Coleção Brasiliana, vol. 1.




sexta-feira, 31 de maio de 2013

A FIGURA DE JOCELYN VILLAR

Ticiano Duarte
Jornalista

Uma das figuras esquecidas pela memória política do estado, é a de Jocelyn Villar de Melo, líder político na zona oeste, mas, atuando sobremaneira no município de Martins, onde foi prefeito e seu representante, na Assembléia Legislativa, por várias legislaturas.
Oriundo dos quadros do velho perrepismo, em seguida da UDN, era cunhado do ex-senador Joaquim Inácio de Carvalho, que foi também vice-governador do Rio Grande do Norte, ex-prefeito de Natal e deputado estadual. Apesar de nascido em Ceará Mirim, em junho de 1895, Jocelyn chegou em Martins, no ano de 1920, como telegrafista e ali fixou-se, definitivamente, realizando uma carreira que o consagrou na vida pública, como político sério e honesto.

Jocelyn Vilar
Tive com ele um relacionamento de amigo e companheiro de luta, em certa fase de nossa história política, nos anos 60, quando da ascensão de Aluízio Alves, seu grande amigo e que no seu governo, fora convocado para ocupar as secretarias de Interior e Justiça e Agricultura.
Em 1955, Jocelyn rompeu com a UDN, divergindo do acordo firmado entre Dinarte e Café Filho, cujo objetivo era abrir vaga da senatoria para efetivar o suplente Reginaldo Fernandes, pessoa ligadíssima ao ex-presidente da República. Jocelyn saiu candidato ao governo do Estado, apoiado pelo PSD e liderando a dissidência udenista na zona oeste e trazendo o apoio dos Rosados, de Mossoró.
Foi candidato a deputado federal, na redemocratização, em 45, para compor a Assembléia Nacional Constituinte, pela UDN, juntamente com José Augusto Bezerra de Medeiros, Aluízio Alves, Duarte Filho. Contava-se, logo após o pleito, à boca pequena, que ele e Duarte Filho tinham sido vítimas de uma fraude nos mapas, na apuração final, no próprio Tribunal Regional Eleitoral. Esta é outra história (das fraudes e das brejeiras nos mapas), que para ser contada em detalhes vai requisitar muito espaço em jornal ou de livro com muitas páginas.
Formado em direito, pela Faculdade do Ceará, em 1933, Jocelyn não exerceu a profissão, dedicando-se totalmente à atividade pública e política, tendo sido deputado estadual de 1955 a 1967.
Era uma figura curiosa, na sua forma de falar, o hábito de dizer, “pe-pe-pei, pou-pou-pou, essa coisa toda, essa coisa toda...”. Na campanha de 1955, disputou o governo contra Dinarte Mariz e a oposição o apelidou de “sabiá molhado”. O cabelo era bem penteado, óculos escuros, vestia sempre tropical inglês, a brilhantina realçava nos seus cabelos lisos, o bigode fino bem aparado. Era um excelente articulador político. Paciente, conversava pouco e ouvia muito. Quando deputado, no governo de Aluízio, intermediou muitos contatos com a oposição tentando aprovação de muitas mensagens importantes encaminhadas ao poder legislativo, onde o governo era minoritário.
Certa feita, passou mais de 48 horas acordado, aguardando o término de uma partida de pif-paf, no Natal Clube, na qual participava um deputado oposicionista que tinha um gosto apurado pelas cartas de baralho. Ao término da maratona que Jocelyn aguardou pacientemente, tomando café e fumando, levou o seu companheiro de parlamento para votar favorável ao governo.
Na fase do regime militar, logo no início do movimento de exceção, foi alvo de perseguição, por parte de alguns dos seus inimigos gratuitos que tinham acesso e prestígio junto aos órgãos de informação e de investigação da ditadura. Foi humilhado, convocado inúmeras vezes a prestar esclarecimento. Nada foi apurado contra a sua vida limpa e honrada. Mas, deixou marcas de constrangimento e decepções.
Na sua administração, na prefeitura de Martins, realizou um trabalho que o consagrou como o maior prefeito da história do seu município. Construiu maternidade, orfanato, escolas, as sedes da Prefeitura, da Câmara Municipal e do Fórum, um novo gerador para a usina de força e luz e outras obras importantes.
Mas, após o traumatismo a que foi submetido, diante de inquisidores despreparados e a serviço dos seus adversários políticos, adoeceu gravemente, tendo que se submeter a tratamento em centro médico mais avançado, em São Paulo, vindo a falecer, no ano de 1970.
O escritor e grande historiador Hélio Galvão, seu velho amigo, em artigo publicado neste jornal, em maio de 1971, homenageando a sua grande figura, disse entre outras coisas: “A moléstia insidiosa que se lhe instalou no organismo aproveitou aquelas noites  insones, aquelas emoções nunca sentidas e desfechou a ofensiva mortal”.O escritor Manoel Onofre Junior, no seu livro, “Simplesmente Humanos”, narrando sobre a presença política de Jocelyn Villar, em Martins, disse como muita justiça: “Como poucos outros políticos ele poderia ter, como epitáfio: aqui jaz um homem de bem”.

Fonte: Tribuna do Norte, Natal-RN, edição de 9 de setembro de 2009.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

NESTOR DOS SANTOS LIMA
ASPECTOS DE SUA VIDA E OBRA

Enélio Lima Petrovich

Eis a sua imagem. O perfil de Nestor dos Santos Lima ou, apenas, Nestor Lima: de baixa estatura, franzino, fronte larga, sóbrio, modesto. Meu tio-avô e padrinho duas vezes (batismo e casamento).
Ao seu lado estava quase todos os dias. Ora em sua casa, à Rua da Conceição, 573, onde hoje é o prédio da Assembleia Legislativa do Estado; ora, às tardes, na calçada da antiga Livraria Cosmopolita, de Fortunato Aranha (Rua Dr. Barata - Ribeira). Com ele - recordo-me bem - velhos amigos, entre os quais Amaro Silva, Otávio Varela, Régulo Tinoco, Túlio Fernandes, Isaac Seabra, Dionísio Filgueira, Sólon Aranha, Jerônimo Cabral, Silvino Bezerra Neto e seu irmão Luiz Antônio.

Dr. Nestor dos Santos Lima

Ainda jovem, dele aprendi as mais perfeitas lições de Direito, ouvindo seus conselhos e ensinamentos. Tinha-o como pai e como mestre. Pai pela bondade de seu coração e mestre pela inteligência e personalidade incomparáveis. Era simples assim ser apático, perspicaz sem ser arrogante, severo sem ser estúpido, metódico sem ser exagerado e culto sem ser orgulhoso. Dois exemplos à história antiga pode oferecer-lhe: Epicteto e Catão. Humilde, bom e justo. Soube dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, fazendo da sublime e difícil missão de advogado um verdadeiro sacerdócio. Aplicando justiça praticou o bem, a exemplo do samaritano da passagem bíblica. Dono de um coração magnânimo, jamais se lastimou diante das mágoas e injustiças. Aos ingratos respondia sempre como o testemunho de sua conduta honrada.
Filho de Galdino dos Santos Lima e Ana Souto Lima, nasceu na cidade do Açu, terra de poetas e carnaubais, a 19 de agosto de 1887. Era o sexto filho, entra os dez do casal, correspondendo a sexta letra do nome paterno. Fez seus estudos primários com a própria genitora, no mesmo município que lhe serviu de berço. Em 1904, terminou os preparatórios no Liceu Paraibano. Foi aluno dos professores João Tibúrcio, Zózimo Fernandes e Celestino Pimentel. Um ano depois, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, concluindo o curso de Ciências Jurídicas e Sociais, em 16 de março de 1909. Três anos decorridos, integrando o magistério estadual, por concurso, veio a ensinar Pedagogia, na Escola Normal do Estado e, em seguida, dirigindo esse estabelecimento, de 1911 a 1923.

Dr. Nestor dos Santos Lima e Câmara Cascudo,
no Marco de Touros-RN

Quando ainda diretor da referida Escola, apresentou ao então Governador Alberto Maranhão, em 31 de mato de 1913, relatório substancial, abordando os melhoramentos técnicos do ensino primário e normal da Capital Federal e do Estado de São Paulo.
Nos governos de José Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal Lamartine de Faria, fora Diretor do Departamento de Educação do Estado (1924 a 1929), oportunidade em que, graças ao seu elevado espírito público, realizou importante e básica reforma no ensino primário do Rio Grande do Norte, imprimindo-lhe critérios válidos e condizentes à época.
De cultura poliforme, lecionou durante seis anos (1928 a 1934), Psicologia Infantil. Seu conhecimento no campo educacional o fez respeitado em todo o Brasil, através de encontros e congressos dos quais participou, apresentando teses e trabalhos de reconhecido valor.
Exerceu o cargo de Secretário Geral do Estado, em 1930, quando interventor o Dr. Irineu Jofilly e no período, também, de Aluízio de Andrade Moura (1931), tendo sido, ainda, em 1934, Procurador Geral do Estado e membro do Conselho Penitenciário, de 1933 a 1936. Dessa última data, presidiu até o seu falecimento.
Casou-se, em 14 de outubro de 1944, com Helena Cicco dos Santos Lima, que lhe sobrevive.
Criada, em 15 de agosto de 1949, a Faculdade de Direito, foi seu Diretor e nomeado Professor de Direito Internacional Público.
Mas, em abril de 1951, transferiu-se para a cadeira de Direito Penitenciário, a qual não chegou a lecionar, pois, antes, aposentou-se compulsoriamente, aos 70 anos de idade. Teria sido meu professor, em 1959, na 1ª Turma da Faculdade. Em seu lugar ensinou-nos essa matéria o Professor Francisco Nogueira Fernandes, casado, por sinal, com uma sobrinha legítima do saudoso tio-avô, Ana Maria dos Santos Lima Nogueira Fernandes.
Para homenagear a sua memória, já no Governo Aluizio Alves, através do Decreto 4.251, de 06 de agosto de 1964, foi criada a Escola Estadual Nestor Lima, situada à Av. São José, s/n - bairro de Dix-Sept Rosado, nesta cidade, até hoje em pleno funcionamento.
Um dos fundadores da Academia Norte-rio-grandense de Letras, em 1936, ocupava a cadeira nº 9, sendo Patrono o tribuno e abolicionista Almino Álvares Afonso.
Eleito sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em 16 de janeiro de 1910, cujo diploma está assinado pelos historiadores Vicente Simões Pereira de Lemos (fundador e presidente, Luiz Tavares de Lyra, 1º secretário) e Cônego Estevam José Dantas (2º secretário), com data de 28 de fevereiro de 1915. Em sessão de 02 de abril de 1916, passou a Sócio Benemérito, com aprovação da mesma Diretoria.
Pelos relevantes serviços prestados à Casa da Memória Norte-rio-grandense, não só através de trabalhos de alto significado histórico regional, como, de igual modo, pelos seus méritos à frente da primeira instituição cultural do Rio Grande do Norte, elegeu-se, em 1927, Presidente Perpétuo.
Na verdade, Nestor dos Santos Lima percorreu os variados e íngremes caminhos da História, do Magistério e do Direito.
Dignificou, assim, a vetusta entidade, representando-a em inúmeros conclaves nacionais, e, sobretudo, se fazia presente em todas as comemorações de cunho histórico neste Estado, projetando-o além fronteiras.   
Em testamento, doou a sua valiosa biblioteca à tradicional instituição a que pertencia o presidiu, inaugurada, em sala própria com o seu nome, a 29-09-1964, com a presença de sua irmã Idyla. Era sócio correspondente e honorário de vários Institutos Históricos e Geográficos, entre os quais: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais e Paraná.
Jamais freqüentou os salões palacianos para pleitear cargos ou favores políticos. As funções que exerceu, por ele foram valorizadas, nunca se valendo delas com o fim de promover-se pessoalmente.
Católico por convicção, ia à missa dominical, 9 horas, na Igreja Matriz.
Nos tempos de sua meninice - dizia-me emocional e alegremente - teve a graça de ajudar o Padre e Santo João Maria, nas celebrações dos atos religiosos.

Dr. Luiz Antonio e Dr. Nestor Lima, irmãos, com as
respectivas esposas (Dila e Helena Cicco). Entre dos dois, a irmã Idyla

Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio Grande do Norte, em 23 de abril de 1932, sob nº 8.
Assim viveu este inesquecível mestre, confrade, presidente, historiador, ensaísta, advogado, poeta, escritor e jornalista.
Talvez por ironia do destino, ainda em plena atividade advocatícia, sete dias antes de falecer, viajou à sua terra de nascimento, o seu querido Açu, a fim de defender um constituinte, em ação judicial que ali tramitava.
Cumpriu a tarefa com toda serenidade e competência que o advogado da parte adversa, o historiador Hélio Galvão, propôs constar, no livro de audiências do cartório, a sua participação brilhante em defesa da causa, como estudioso do Direito, há mais de cinqüenta anos.
Nesta cidade do Natal, em 26 de fevereiro de 1959, quase meia noite, faleceu, para permanecer ao lado do Onipotente.
Em homenagem à sua memória, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em 26 de abril do mesmo ano, sob a presidência do Prof. Dr. Aldo Fernandes Raposo de Meio, promoveu sessão magna.
Coube ao sócio efetivo Rômulo Chaves Wanderley proferir a oração da saudade.
Na Assembléia Legislativa do Estado foi aprovado voto de pesar, pronunciando comovidos discursos os Deputados Carlos Borges de Medeiros e Olavo Montenegro.
Afinal, Nestor Lima, partindo aos 72 anos incompletos, ainda "acreditava nos ideais dos moços e para eles viveu toda a sua vida, ensinando-os, orientando-os, incentivando-os. Se não era comunicativo de palavras e de gestos, tinha aberto o coração para todos os que dele precisassem.
Queremos lembrar que era um homem simples, de hábitos arraigados, de grande persistência no trabalho. M.C". (A República - 26-02-1959).
Nos lauréis dos valores humanos, sua vida e obra se perpetuarão, como prova maior de inteligência, cultura, caráter e do amor à sua terra e à sua gente.

Natal -Agosto - 1987.
Fonte:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Vols. LXXIX-LXXX, Anos 1987-1988, pág. 76-79.
 

domingo, 24 de março de 2013

ADOLPHO BEZERRA DE MENEZES
   
 Nota explicativa: O texto a seguir é um verbete do Diccionário Bibliographico Brazileiro, elaborado pelo Dr. Sacramento Blake, volume I, págs. 33-34, em sua primeira edição, produzida no Rio de Janeiro, pela Typographia Nacional, 1883.  Manteve-se a ortografia original.

  
Natural da província do Ceara, nasceu no Riacho do Sangue a 29 de agosto de 1831, sendo seus paes o capitão de antigas milicias e tenente-coronel da guarda nacional Antonio Bezerra de Menezes e dona Fabiana de Jesus Maria Bezerra; fez o curso de medicina na faculdade do Rio de Janeiro, onde doutorou-se em 1856, tendo servido como interno no hospital da misericordia antes de sua formatura, e apresentou-se depois, em 1858, ao concurso a uma vaga de lente substituto da secção cirurgica.
Sendo segundo cirurgião do corpo de saude do exercito, foi eleito vereador da camara municipal da côrte; e como fosse julgado incompatível o exercicio do cargo de vereador com o de medico militar, pediu deste demissão.
Serviu na camara municipal, por eleições consecutivas, ou como supplente cerca de 20 annos; foi della presidente; representou o municipio neutro, e a provincia do Rio de Janeiro na assembléa geral
legislativa, e sendo deputado em 1880 foi seu nome apresentado à coroa por eleição feita em sua provincia para senador do Imperio.
Foi presidente da companhia ferro-carril do S. Christovão; é membro titular da academia imperial de medicina, socio da sociedade physicochimica, da sociedade propagadora das bellas-artes, da sociedade auxiliadora da industria nacional, da sociedade geographica de Lisboa, etc.
Escreveu:
- Diagnostico do cancro: dissertação inaugural. Rio de Janeiro, 1856 - É precedida de proposições acerca dos aneurismas externos e das causas da phisica pulmonar no Rio de Janeiro.
- Das operações reclamadas pelos estreitamentos da uretra: these para o concurso a uma cadeira de oppositor da secção cirurgica da faculdade de medicina, Rio de Janeiro, 1858 - É seguida de algumas proposições sobre as materias de que se compõe o ensino medico. - Biographia do Visconde de Uruguay, Paulino José Soares de Souza - Vem no primeiro volume da galeria dos brazileiros illustres.
- Bioqraphia do Visconde de Caravellas,  Manoel Alves Branco, Idem.
- A escravidão no Brazil e medidas que convem tomar para extinguil-a sem damno para a nação. Rio de Janeiro, 1869.
- Breves considerações sobre as sêccas do norte. Rio de Janeiro, 1877, in-8º.
O doutor Bezerra de Menezes redigiu:
- A Sentinella ela liberdade: orgão liberal. Rio de Janeiro, 1869 e 1870.

sábado, 2 de junho de 2012

O PADRE SALES

Rau Ferreira


Luiz Francisco de Sales Pessoa – Monsenhor Sales - nasceu no Engenho Cipó na cidade de Areia em 02 de novembro de 1847.
Eram seus pais Cândida Maria Pessoa (Candinha) e Francisco de Sales Coêlho; e irmãos Antônio, Belizia e Deodato. Seu tataravô chamava-se José de Abreu Tranca e foi o primeiro sesmeiro de Alagoa Nova, proprietário das terras do Olho D’água da Prata, que confrontava com as de Banabuyé de João da Rocha.
Recebeu ordens e foi ordenado Presbítero por Dom Vital em 17 de março de 1877, na Diocese de Olinda/PE. Em Pernambuco, foi coadjutor em Goiana e São Caetano, e vigário em Santo Antônio, até que veio para a Parahyba assumir a Paróquia de Pilões.

Monsenhor Sales

Com a morte do Vigário Calixto da Nóbrega, foi aos 38 anos designado para a Catedral de N. S. da Conceição em Campina Grande, tomando posse na condição de vigário em 25 de março de 1885. Passou a vigário colado em 1888, mediante concurso.
Nesta freguesia, desenvolveu árduo trabalho paroquial sempre com muito zelo e dedicação. Enquanto administrou a Matriz, residia em um casarão na esquina das ruas Floriano Peixoto com Maciel Pinheiro, onde hoje se encontra edificada a Associação Comercial de Campina.
A sua mansão serviu de abrigou na doença do sobrinho João Borges de Sales, filho de sua irmã Belízia. Posteriormente, foi destruída na administração do Prefeito Vergniaud Wanderlei “por não se enquadrar nos padrões arquitetônicos pretendidos para a região central”, sendo motivo de grande polêmica na época.
Em 1886, resolveu reformar a matriz passando a arrecadar dinheiro junto ao comércio e aos criadores de gado local, tendo participado desta empreitada o missionário Frei Venâncio.
Em 1887 procurou o Bacharel Irineu Jóffily para reivindicar uma gleba de terras doada ao Convento da Guia, que recusou a procuração e passou a defender os modestos posseiros. A questão arrastou-se por vários anos, vencendo o Vigário Sales em 1894.
Chefe do Partido Conservador, elegeu-se Deputado da Assembleia Provincial nas eleições de 1888/89, deixando a paróquia de Campina a cargo do Cônego Francisco Alves Pequeno. A posse como parlamentar ocorreu no dia 01 de setembro, na cidade da Parahyba - atual João Pessoa -, após a leitura do relatório de costume pelo Dr. Pedro Correia.
Homem de personalidade forte e independente, “mostrava-se extremamente dedicado aos seus deveres pastorais”.
Um de seus descendentes, traçando a árvore genealógica da família assim escreve:
O pároco de Campina Grande era um homem do seu tempo, fervoroso na fé que professava e decidido em suas atitudes. Conservador sem ser retrógrado, não acompanhava as idéias avançadas para a conjuntura, mas não possuída escravos. Sabia transigir e em política dialogava lealmente com os adversários”.
Durante algum tempo houve certa animosidade entre o Padre Sales e o Dr. Irineu, motivado por questões políticas cuja insatisfação foi muitas vezes publicada nas páginas da Gazeta do Sertão, chegando inclusive a ser ironizado por aquela folha:
"BOATOS – Nesta semana vagaram os seguintes boatos: Que o vigário Salles foi informado que ia sahir no carnaval um grupo formado de um padre de batina rasgada e de diversos devotos; e ficou tão zangado que benzeu nove cacetes e os entregou a nove cabras, occultando-os em sua casa, promptos para o primeiro sinal” (Gazeta do Sertão: 08/03/1889).
Não passava de pura pirraça de Irineu, provocando a ira do vigário que teria ameaçado “rasgar a batina para mostrar que também era homem”.
Ainda segundo aquela nota, somente Christiano Lauritzen poderia representar o papel de padre “porque só elle tem a agigantada estatura do vigário”. Portanto, para o jornal,Monsenhor Sales era um homem alto e robusto, disposto a defender suas idéias a todo custo.
Na Assembléia Provincial Sales e Jóffily viviam às turras, colocando-se o religioso contra a República. Mas o padre viu-se obrigado a aceitar o apoio da igreja à candidatura do seu opositor em atenção a recomendações superiores, chegando mesmo a declarar:
Votei, sim, no S. Dr. Irinêo Joffily,como votei em outros candidatos que me eram inteiramente desconhecidos, não em attenção a esses cavalleiros, mas em attenção a quem me recomendou a chapa catholica. (...) Verdade é que, quando recebi a chapa catholica, senti certa reluctancia por causa de anteriores resentimentos com o Sr. Dr. Irinêo Joffily (...)(Gazeta do Sertão: 19/12/1890).
A publicação havia sido uma resposta à provocação de Christiano Lauritzen no Jornal Estado da Parahyba, de 30 de outubro daquele ano.
Em contrapartida, Irineu Jóffily passou a apoiar as reformas da Matriz divulgando-as em seu periódico:
Obras da Matriz – Vão de grande incremento as obras da nossa matriz, sendo todas ellas diariamente fiscalizadas pelo Rmo. Vigário Sales, sempre muito animado em concluir até Maio p. vindouro o bello e majestoso templo, que há de faser honra a esta cidade” (Gazeta do Sertão: 20/02/1891).
A reforma da Matriz foi inaugurada em 08 de dezembro de 1891.
Em 1899 o Padre Sales foi indicado para o cargo de Bispo da Diocese do Maranhão. Renunciou a distinção preferindo permanecer em Campina Grande. Recebeu, porém, a distinção de Monsenhor.
Em 02 de outubro de 1907, Francisco Sales esteve presente à solenidade de chegada do trem em Campina Grande, acompanhado pelo professor Clementino Procópio, Major Lino Gomes, pelo prefeito Christiano Lauritzen e outras autoridades.
Na Rainha da Borborema, o vigário foi responsável também pela construção do Santuário de N. S. da Guia, a famosa igrejinha da Praça do Trabalho, inaugurada em 21 de novembro de 1917.
O Padre Sales faleceu no dia 15 de agosto de 1927, aos 80 anos.
Em Campina uma rua e uma escola foram denominadas em sua homenagem.


Fonte:
FERREIRA, Rau. Monsenhor Sales: notas biográficas. Esperança-PB: Edições Banabuyé, 2012.

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