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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

TESTAMENTO POLÍTICO

Maurício de Nassau

N


obres, veneráveis, mui avisados e prudentes senhores: Seja o último ato do meu governo esta memória ou instrução que deixo a V. Sa. como despedida, confiando que, se V. Sa. a observarem e procederem segundo o seu teor, como fiz durante o tempo de meu governo, os resultados hão de ser, com o favor de Deus, em todas as ocasiões de paz e de guerra, mais felizes do que o foram até o presente.

Maurício de Nassau

V. Sa. ficam a governar um tríplice Estado ou comunidade, que se compõe principalmente de três sortes de indivíduos, soldados, mercadores e moradores de nacionalidade portuguesa; o domínio sobre este povo que deixo às mãos de V. Sa. compreende três matérias, de que depende a boa ou má administração, o militar, o civil e o eclesiástico.
Com relação a cada uma dessas matérias, comunicarei a V. Sa. em desempenho de minha promessa (posto que faço sem ordem e confusamente, por me faltar tempo para lançar no papel alguma coisa de um modo apurado) algumas observações que me parecem necessárias e de acordo com as quais procurei até o presente proceder, tanto quanto me era possível.

I

No tocante à gente de guerra, é de toda necessidade que V. Sa.  Mantenham respeito e honra que lhes pertencem, e conquanto este requisito seja necessário em relação a toda sorte de gente (pois para aquele que governa a autoridade é uma das principais razões de Estado e meio para a conservação da República), muito mais o é em relação aos troncos ilustres a que naturalmente são inerentes o respeito e veneração; devem, pois suprir esta falta por suas ações; com o que, seguindo o caminho que lhes mostrarei, obterão os menores efeitos.
A audiência dos militares e o despacho de seus requerimentos ou pedidos devem ser de breve expediente, sem que eles fiquem a esperar por muito tempo diante da Câmara do Conselho, o que é particularmente tomado em consideração ainda pelos maiores monarcas, para não caírem no tédio e na aversão dos seus soldados; e V. Sa. devem tanto mais atender a isto quanto em parte alguma a milícia se ressente mais e é mais cedo afetada do que no Brasil, atenta à situação do país.
No pagamento da pensão e nos empréstimos as cousas devem ser dirigidas de modo que, por maior que seja a estreiteza, não falte o necessário aos oficiais, porquanto nada há que mais depressa os faça pôr de lado e esquecer o respeito do que a necessidade e a privação. Queiram
V. Sa. tomar em consideração este ponto, pois receio muito uma grande desgraça por causa do pouco caso e apreço que disto se faz.
Quanto aos delitos dos soldados, convém V. Sa. não sejam compassivos, pois, só pelo rigor se pode manter dedicada essa gente. A impunidade dos soldados, bem como de toda sorte de indivíduos os transvia e os corrompe facilmente. Mas, para poder castigar, é necessário não lhes dar ocasião de alegar que são mal-alimentados.
Com os oficiais convém que V. Sa. procedam de um modo cortês e polido, sem, todavia admiti-los à familiaridade e às relações íntimas de amizades, pois sei, por experiência, que tal convivência é muitas vezes fonte e origem de muitas desordens.
Cumpre que V. Sa. provejam sempre os lugares vagos com os mais dignos, não prestando ouvidos a paixões, a considerações de partido, de sociedade, a importunas recomendações e a cousas semelhantes.
Sem isto V. Sa. não poderão ter milícia digna de alguma consideração e sobre que possam fazer fundamento. A preterição de pessoas que merecem é cousa que produz perniciosos efeitos secretamente e sem que se sinta, principalmente quando [os preteridos] vêem que foram preferidos sujeitos inferiores. O procedimento contrário [à afilhadagem] não pode deixar de gerar entre os soldados o amor, o respeito, a autoridade e obediência.
V. Sa. devem impedir que os militares vaguem pelo interior, pois isto não sucede sem gravame dos moradores e ruína da agricultura. E o único meio que vejo para obstá-lo é cuidarem da ração que lhes é devida, pois então torna-se fácil conservá-los nos fortes pelo freio do castigo. Os portugueses se preocupam sumamente com isto, e receiam maior destruição da parte dos nossos soldados em tempo de paz do que têm sofrido do inimigo em tempo de guerra. Esta matéria é de grande relevância, e V. Sa. acharão que o [procedimento] contrário dará incentivo para revoltas e para a ruína da terra.
Convém que V. Sa. procurem angariar e manter, por meio de favores e de dinheiro, alguns portugueses particularmente dispostos e dedicados para com V. Sa. dos quais possam vir a saber em segredo os preparativos do inimigo, os seus novos desígnios e empresas.
Esses portugueses devem ser dos mais importantes e honrados da terra, e lhes será recomendado que exteriormente se mostrem como se fossem dos mais desafetos aos holandeses para não caírem em suspeição.
Os mais próprios seriam os padres, pois são eles que de tudo têm melhor conhecimento.
Neste particular não se pode fazer muito fundamento em gente ínfima, pois, se um dia dizem a verdade, em outro enganam com muitas mentiras. Devem contudo ser admitidos para que V. Sa. aproveitem de suas comunicações o que lhes parecer bem, pois, às vezes, de algum deles se pode tirar alguma coisa de importância.
Mas os avisos e as comunicações mais seguras devem ser procuradas entre os mais qualificados. Um ou dois deles bastam para comunicar segredos que, a não ser assim, escapariam a V. Sa.
Cumpre que nesta matéria V. Sa. mandem com particular cautela para evitar muito embuste.
Maior cautela deve ser tomada nas confissões por tortura, pois, por temor da dor, fazem-se declarações que nunca foram pensadas nem sonhadas.
Cumpre que V. Sa. cuidem dos fortes e das fortificações, mantendo-os providos de munições e de víveres.
Principalmente devem ter cuidado em que as paliçadas e estacadas sejam conservadas, pois aqui dificilmente se encontrará um forte que, se caírem por terra aquelas obras, não possa ser tomado de assalto, por serem secos os fossos.
Entre outras cousas recomendarei a V. Sa. o jardim de "Aryburch" e os viveiros situados junto dele, não por causa de meu particular interesse, mas porque em tempo de penúria se pode tirar daí uma notável quantidade de refrescos, ao passo que em outras ocasiões foi necessário procurá-lo alhures com grande perigo e perda de gente.
Outrossim, tomem em consideração se não é necessário pôr um reduto diante da ponte da Boa Vista, do outro lado do rio, para conservar aberta a passagem para a Várzea.
A ponte entre o Recife e a ilha de Antônio Vaz é de grande importância, não tanto pela comodidade dos moradores e proveito das taxas, que rende anualmente, como pela junção desses dois lugares e facilidade de auxiliarem-se reciprocamente em tempo de aperto.
Cumpre que a Companhia se resolva a conservar a ponte, bem como tome em consideração cuidar do mato cortado e do descobrimento do campo que fica entre o forte do "Bruyn" e o das "Cinco Pontas".
Não convém desgostar o governador da Bahia por cousas de pouca monta, pois a nação portuguesa tem muito em atenção correspondências e cortesias, embora vão e de pouca importância. Ponderem V. Sa. a vantagem que ele tem contra este Estado, quão desejosos os seus soldados se mostrem de correrias e pilhagens nas capitanias, quão grande é seu poder e que em um momento e com uma palavra se pode formar com os nossos moradores um exército, ao qual não faltaria o sustento e a munição necessária.
Devem V. Sa. proceder com todo o rigor contra os portugueses que forem convencidos de traição.
Queiram pôr muito cuidado para que os portugueses não sejam exacerbados ou irritados.
Para o mesmo fim aconselho a V. Sa. que não permitam o uso de armas, salvo aos que tiverem documentos assinados do meu próprio punho, na maioria "holandeses, franceses e ingleses" que vão ao interior cobrar as suas dívidas, ou portugueses que aí residem e são atacados pelos negros dos matos, pelos tigres e outros animais.

II

Quanto à matéria civil, cumprem V. Sa. autorizar a um do Conselho de V. Sa. para despachar e assinar o despacho das petições e se não fizerem assim, cairão no ódio e no descrédito público.
Os portugueses serão submissos se forem tratados com cortesia e benevolência. Sei por experiência que o português é uma gente que faz mais caso da cortesia e do bom tratamento do que de bens.
Convém que V. Sa. tenham por suspeitas as informações dadas contra os portugueses pelos militares, pois os da milícia são, em geral, ciosos e a eles desafetos.
Devem V. Sa. abster-se de lançar novos impostos, pois os tributos geram indisposições no povo.
O povo é um rebanho de carneiros que se tosquiam, mas quando a tosquia vai até à carne, produz infalivelmente dor e, como esses carneiros
raciocinam, por isso mesmo se convertem muitas vezes em terríveis alimárias.
O país não deve ser esgotado de dinheiro corrente porque este é o músculo e o nervo, sem os quais este corpo nenhuma força pode ter.

III

No eclesiástico ou em cousas da Igreja, a tolerância ou condescendência é mais necessária ao Brasil do que entre qualquer outro povo a que se tenha concedido a liberdade de religião.
Não convém por agora que a prática da nossa religião seja abertamente introduzida entre os portugueses com abolição dos seus ritos e cerimônias, pois nada há que mais os exacerbe.
Também não convém agora que V. Sa. se envolvam em suas disciplinas eclesiásticas e no que disto depende; deixem essa matéria, servatis servandis, a seus padres e vigários, porquanto o contrário disto é prematuro, sem utilidade à reputação, e V. Sa. acharão de fato que nada há que mais lho doa do que meter-se o governo secular e ter que ver com os seus sacerdotes.
Cumpre que V. Sa. não admitam queixas particulares em matéria de religião.
Podem V. Sa. estar certos de que nada avancei neste papel que eu mesmo não tenho posto em prática, salvo no concernente a alguns pontos acima mencionados, cuja reforma, por causa da minha partida, deixo a V. Sa. Queiram crer que por isso fui respeitado e amado por ambas as nações, que testemunharam gratamente e de bom coração o seu reconhecimento pelo meu comportamento sem que eu tenha exigido, desfrutado ou me tenha sido dada alguma coisa para meu proveito por graças, favores ou despachos por mim concedidos, e posso na verdade e sã consciência (Deus seja louvado!) declarar e jurar que nunca recebi favor ou emolumento como confio que V. Sa. procederão do mesmo modo.
Peço a Deus Onipotente que abençoe e tome sob sua divina proteção o governo de V. Sa.
Dedicado a V. Sa.

J. Maurice, Conde de Nassau
Recife de Pernambuco, 6 de maio de 1644.

NOTA: Johann Mauritius van Nassau-Siegen nasceu em Dillenburg (Alemanha) em 1604 e morreu em Kiev (Alemanha), em 1679. Era sobrinho-neto do príncipe Guilherme I de Orange, governador provincial da Holanda. Coronel de cavalaria, ele governou o Brasil holandês de 1637 a 1644. Notável administrador, Nassau modificou o sistema das câmaras municipais, substituindo-o pelo dos conselhos de escabinos, dividiu o Brasil holandês em administrações distritais, desapropriou e alienou os engenhos de açúcar abandonados pelos seus proprietários, proibiu os juros extorsivos ao setor agrícola e instaurou um clima de relativa tolerância religiosa. O Recife substituiu Olinda como capital pernambucana e a cidade foi inteiramente remodelada, com o aproveitamento dos rios, a abertura de canais, construção de pontes e novos palácios. Da Europa vieram pintores, como Franz Post, Albert Eckhout e Zacarias Wagener; cartógrafos, como Cornelius Golijath; astrônomos, como Georg Marcgrave. Em razão de divergências com a Companhia das Índias - sobretudo contra o rigor na cobrança dos financiamentos aos senhores de engenhos - Nassau partiu para a Europa em maio de 1664. E deixou, ao sucessor, recomendações para seu governo.

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