este

src="http://www.google.com/friendconnect/script/friendconnect.js">

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

JOAQUIM NABUCO

DISCURSO AOS ARTISTAS DO RECIFE NO CAMPO DAS PRINCESAS


A 29 de novembro de 1884

A

fração pequena, quase insignificante, do eleitorado das cidades, no Recife como na Bahia e no Rio.
Eu vejo que os candidatos contrários recomendam-se quase sempre ao comércio e à lavoura, como se neste país quem não tem negócio ou não possui terras não merecesse em eleições a honra de ser mesmo lembrado.

Joaquim Nabuco falando às multidões

Vós sabeis que, para eles, o comércio são os grandes negociantes de açúcar, e a lavoura não compreende os cultivadores, mas somente os proprietários do solo. Mesmo nas capitais não há recomendação igual à de candidato dessa aristocracia do comércio e da lavoura, dois aliados que em tempo de paz se detestam e não cessam de mostrar a má opinião que um tem do outro.
Pois bem, eu se pudesse, do eleitorado todo, invocar o auxílio de uma só classe e identificar-me com ela, não o faria nem com o comércio e a lavoura, poderosos pela sua riqueza e sua clientela, nem com os funcionários públicos, formidáveis pelo número, nem com os proprietários e os profissionais; fá-lo-ia com a mais insignificante de todas as parcelas do eleitorado – com os operários que vivem do seu trabalho de cada dia. (Aplausos.)
Eu sei bem que vós não pesais pelo número, e não influís pela fortuna, e, além disso, estais desarmados por falta de organização; mas, como na frase revolucionária de Sieyés, podeis desde já dizer: “O que é o operário? Nada. O que virá ele a ser? Tudo.” (Aplausos.) É que o futuro, a expansão, o crescimento do Brasil está em vós, depende de vós, e enquanto não fordes um elemento ativo, enérgico, preponderante, vós que sois a democracia nacional (aplausos), enquanto grandes correntes de idéias não vos moverem e não tiverdes consciência da vossa força, não teremos chegado ainda ao nível das nações emancipadas.
Comparado convosco, é imenso o número dos funcionários eleitores.
O funcionalismo afogaria o trabalho, mas quem não prefere estar identificado com os artistas a representar os funcionários? Entre nós o funcionalismo é uma doença, e doença mortal. Todos querem ser empregados públicos; artistas de talento estão prontos a deixar a oficina pela repartição.

Joaquim Nabuco, o abolicionista 

A esse respeito circulam as noções mais extravagantes e promessas escandalosas.
Como tive ocasião de dizer em Afogados, onde essas promessas, para quando o Partido Conservador subir, são oferecidas em maior escala ao aceite de eleitores necessitados e crédulos, se todo o mundo fosse empregado público cada qual teria que pagar a si mesmo o seu próprio ordenado...
Vós compreendeis que quem sustenta os empregados públicos são os produtores, os contribuintes: se o funcionalismo chegasse para quantos o procuram, o ordenado de cada empregado teria que sair da sua própria algibeira. (Riso aprobativo.) Mas nós temos um tão pequeno número de empregos disponíveis que é duro ver o jogo que se faz com eles para desmoralizar e corromper os que deviam viver do seu trabalho manual, os que deviam ser forçados às artes. Vós tendes interesse na barateza de todos os artigos e cômodos necessários à vida, e, portanto em que os impostos sejam brandos e não elevem os preços acima das vossas posses. O funcionalismo, pelo contrário, ou melhor, a empregomania só pode viver com um grande orçamento, grandes impostos e grandes déficits. No entanto, senhores, a representação dos artistas é quase nenhuma, e a dos funcionários públicos é enorme. Não serei eu, porém, quem se preste a desmoralizar as artes e as profissões mecânicas, prometendo empregos públicos e estimulando assim uma propensão nacional, que é uma forma da incapacidade moral para o trabalho e da inferioridade em que ele é tido, ambas efeitos da escravidão... e que efeitos! De que tristes, duradouras e multiformes conseqüências! Que terrível causa de atraso e de retrocesso!
É por isso que vos repito: se eu tivesse que escolher uma classe com a qual devesse identificar a minha candidatura, não procuraria nem os proprietários do solo a quem chamam – a lavoura; nem os descontadores de safras, a quem chamam – o comércio; nem os empregados públicos, que representam a enfermidade nacional por excelência; nem as profissões científicas, que formam uma aristocracia intelectual, grande demais para um povo tão deprimido como o nosso; escolheria, sim, o insignificante, o obscuro, o desprezado elemento operário, porque está nele o germe do futuro da nossa pátria; porque o trabalho manual, somente o trabalho manual, dá força, vida, dignidade a um povo, e a escravidão inspirou ao nosso um horror invencível por toda e qualquer espécie de trabalho em que ela algum dia empregou escravos. (Aplausos.)
Mais de uma vez tenho mostrado, nesta campanha, a simpatia que sinto pela principal classe de nossa comunhão, a que cultiva a terra, ou sem salário, como os escravos, ou sem garantia de ordem alguma, como os moradores livres do interior. Por uma série de circunstâncias serão precisos, talvez, 30 anos para se fazer compreender a essa classe, a qual é uma população, que ela também tem direitos. Vós, porém, artistas das cidades, não levareis todo esse tempo a adquirir a noção da vossa dignidade e dos vossos direitos, e em minha opinião não há neste momento medida mais urgente do que a de educar-vos para a posição que ocupais – não somente de cidadãos a cujo alcance a Constituição pôs todos os cargos públicos, mas também de classe chamada nada menos do que a salvar o país pela reabilitação do trabalho. (Aplausos.)
Para isso o primeiro passo é abolir a escravidão. Escravidão e trabalho repelem-se tanto como escravidão e liberdade. O que é a escravidão senão o roubo do trabalho e a degradação, desde o berço, do trabalhador?
O que é o senhor de escravos senão um patrão que reduziu a coisas, e possui como coisas os seus operários? Vede, bem, vós homens do trabalho, que a escravidão é um atentado contra vós mesmos! Além disso, o trabalho manual que existe em nosso país é quase todo de descendentes de escravos, de homens em cujo sangue cristalizou algum sofrimento de escravo. Ora, vós sabeis que a escravidão passa de geração em geração: que ela força os músculos da primeira, paralisa os movimentos voluntários da segunda, enerva o coração ou deprime o cérebro da terceira, e assim por diante. (Aplausos.)

Joaquim Nabuco, o pensador
A escravidão, a história natural o mostra, não é uma instituição exclusivamente humana. Há outra espécie animal que a adotou nas suas repúblicas subterrâneas: é a formiga. (Riso.) Pois bem, entre as formigas, como entre os homens, ela produz os mesmos efeitos. Os observadores das formigas descobriram que as espécies dentre elas que empregam escravos não podem sequer alimentar-se por si mesmas... Nesses pequenos animais, que são, entretanto, o símbolo da atividade incessante, a qual nada desanima, a escravidão produziu durante séculos esse mesmo efeito infalível: o de inabilitar os que se acostumaram a ela para viver sem socorro estranho... É assim nas sociedades humanas: os povos que vivem da escravidão não sabem, não podem trabalhar, e os povos que não trabalham vivem por favor alheio... (Aplausos.)
Eu sei bem que em tais condições, abolida a escravidão no Brasil, o organismo paralisado não adquiriria de repente a energia que levou gerações a consumir, mas, já que a salvação, única possível, está no trabalho, quanto antes começar a reação e quanto menos adiantada estiver a decomposição da vontade e da força, mais esperança haverá de que os efeitos da doença não sejam mortais...
Mas não é somente essa enervação que prejudica o desenvolvimento do trabalho já emancipado. É o estigma lançado sobre ele. Esse estigma precisa, não de anos, mas de séculos para apagar-se. Ainda hoje na Europa, em países mesmo onde a escravidão acabou na Idade Média, a causa de certos desprezos e inferioridades, de preconceitos e desigualdades, entre ramos diversos do trabalho, é um resto da escravidão sepultada entretanto sob profundas camadas sociais... Por muitas gerações ainda a nódoa infamante que a escravidão lançou sobre o trabalho em toda a América, e principalmente no Brasil, há de continuar a ser a maldição da nossa pátria. Mas, por isso mesmo, quanto antes revogarmos a condenação do trabalho manual, quanto antes ferirmos de morte o poder que a fulmina, mais cedo teremos libertado as classes operárias da inferioridade em que estão colocadas. (Aplausos.)
Vede, senhores, que passos agigantados vai dando essa repulsão pelo trabalho, conseqüência da escravidão. Já entre nós muitos preferem mendigar a trabalhar. A mendicidade, chaga dos governos despóticos e dos países congestos, começa a aparecer em nossas capitais. Em parte na aparência a mendicidade é de emprego, breve sê-lo-á exclusivamente de dinheiro.
Nessa mendicidade têm caído descendentes de antigas famílias, netos de morgados. Para a aristocracia, educada na escravidão, quando não hoje, gerações atrás, pedir é menos humilhante do que trabalhar. (Aplausos.)
Vós sabeis como as artes nasceram entre nós e que vida difícil elas têm tido. O seu nível pouco tem subido do que era no tempo colonial, a sua organização é ainda rudimentar. As altas tarifas necessárias para sustentar a fantasmagoria das nossas finanças não bastam para dar-lhes impulso, para habilitá-las a lutar com a indústria estrangeira. Os altos preços da vida, a falta de economia, a frouxidão dos princípios sociais, tudo opera para elevar o custo da mão-de-obra, e isto, junto a nenhuma educação mecânica do operário, impossibilita o que todos devêramos tanto desejar – a nacionalização das indústrias essenciais à vida.
Pensou-se muito tempo entre os artistas, mesmo do Recife, que a nacionalização do comércio a retalho produziria o milagre de espalhar entre eles a abundância. Não há maior erro. Qualquer restrição à liberdade de comércio só teria o efeito de arruinar este país. Seria uma desonra e uma calamidade, ainda que não fosse mais do que uma restrição ilusória.
Afastar o estrangeiro estabelecido, repelir o capital, criar um privilégio para alguns brasileiros à custa da comunhão toda, quem pensaria hoje em cometer tal suicídio? Mas a nacionalização do comércio não deixa de ser um ideal patriótico, uma vez que seja realizada naturalmente, por meio da livre concorrência, pela vitória da atividade, do espírito mercantil, da solidez do crédito, do comércio nacional. Assim também com as artes, nada mais patriótico do que todos concorrermos para que os artigos produzidos em nossas oficinas possam substituir e dispensar a importação estrangeira. Para este fim, senhores, estou pronto a promover todos os meios de proteção às artes que eu julgar legítimos e eqüitativos.
Começarei por dizer-vos francamente que não acredito na proteção das tarifas. Pelo nosso sistema tributário, que apoiando-se sobre as fraquezas psicológicas do nosso povo, sobre a ignorância e a covardia do contribuinte, o qual só paga impostos não sabendo quanto paga, os impostos do Brasil são na sua maior parte indiretos. Em tal sistema a tarifa é sempre protecionista, e a nossa está caminhando para ser proibitiva. Não creio que se pudesse mudar de repente a incidência geral da nossa taxação e recorrer a outros impostos, e por isso não pedirei que se tire às artes e indústrias nacionais a proteção de que já gozam, mas também não concorrerei para constituir monopólio e criar indústrias de falsificação tornando a tarifa proibitiva. Essa espécie de proteção é o roubo do pobre, e num país agrícola é um contra-senso. Não, senhores, não será elevando o preço de todos os produtos, tornando a vida mais cara, obrigando a população a pagar impostos exagerados a cada fabricante, que eu me hei de prestar a proteger as artes... A proteção que prometo reclamar é outra, e quase que toda indireta.
As indústrias a que devemos entregar-nos são as indústrias naturais do país, aquelas em que o estrangeiro não possa competir conosco, as que deixem ao produtor lucro razoável saído do produto mesmo e não da equivalência aos direitos da tarifa que obrigam o consumidor a pagar-lhe. Mas, senhores, criado o mercado de salário no país, aberta a terra ao pequeno cultivador, nascendo os centros locais, começando-se a destruir o estigma lançado sobre o trabalho, o progresso das artes acompanhará a transformação do país e elas crescerão com ele. (Aplausos.)
Do que vós precisais é principalmente de educação técnica, e, se eu entrar para a Câmara, tratarei de mostrar que os sacrifícios que temos feito para formar bacharéis e doutores devem agora cessar um pouco enquanto formamos artistas de todos os ofícios.(Aplausos repetidos.) É tempo de pensarmos na educação do operário de preferência à educação do bacharel. (Riso.) É tempo de cuidarmos do nosso povo, e pela minha parte pelo menos não pouparei esforços para que o Estado atenda a esse imenso interesse do qual ele parece nem ter consciência. (Aplausos.)
É essa a dupla proteção que vos prometo promover: a primeira, leis sociais que modifiquem as condições do trabalho, como ele se manifesta sob a escravidão, e façam da indústria nacional a concorrente vitoriosa da estrangeira em tudo que for seu legítimo domínio, e, a segunda, o que o Estado vos deve e tem tardado demais a vos dar: a educação de cidadãos e de artífices. (Aplausos.)
Mas vós também, pelo vosso lado, podeis ajudar-vos muito, unindo-vos, associando-vos. Não sois muitos, é certo, mas ligados um ao outro pelo espírito de classe e pelo orgulho de serdes os homens do trabalho, num país onde o trabalho ainda é malvisto, sereis mais fortes do que classes numerosas que não tiverem o mesmo sentimento da sua dignidade.
Vós sois a grande força do futuro, é preciso que tenhais consciência disso, e também de que o meio de desenvolver a nossa força é somente a associação.
Para aprender, para deliberar, para subir, é preciso que vos associeis. Fora da associação não tendes que ter esperança.
Amanhã, meus senhores, falarei ainda uma vez antes da eleição sobre a minha candidatura. Vós sabeis o alcance imenso que teria vosso pronunciamento a favor dela. Homens do trabalho, mostrai que a escravidão, se ainda possui as senzalas, já não possui as oficinas (aplausos); protestai contra esse poder implacável que tendo feito ouro com o sofrimento e a vida de trabalhadores, como vós, quer empregar esse ouro manchado de sangue em corromper o voto de homens livres. (Aplausos.) Há entre vós homens de cor, mas neles não haverá um só desses Judas que por 30 dinheiros vendeu a sua raça, a sua Mãe. (Aplausos.) Esse último ultraje da escravidão à dignidade humana não partirá de vós, artistas pernambucanos. Identificados com a causa da liberdade, o vosso voto será no dia 1o de dezembro, ao mesmo tempo uma petição e uma ordem ao Parlamento convocado, para que liberte, levante e proteja o trabalho em toda a extensão do país sem diferença de raças nem de ofícios...; a escravidão retardou de dois séculos a emancipação do proletariado nacional, mas hoje, que ele começa a pensar e a querer, é preciso que a sua primeira intimação aos poderes delegados seja a favor dos escravos, de cuja classe em sua maior pane ele saiu... (Aplausos.)
Sim, senhores, é preciso que as primeiras palavras desse proletariado, que hoje surge em nossa política, sejam de liberdade, de justiça e de igualdade, porque nenhum povo pode ser grande sem ser livre, feliz sem ser justo, unido sem ser igual. (Aplausos unânimes e repetidas aclamações.)

NABUCO, Joaquim. Campanha abolicionista no Recife: Eleições 1884. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005, p. 132-139.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PESQUISA NO SITE