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terça-feira, 12 de julho de 2011

O EL-DOURADO MARANHENSE


O texto transcrito abaixo é parte do Diccionario Historico, Geographico, Topographico e Estatistico da Provincia do Maranhão’, publicado por Cezar Augusto Marques, em 1864. Preservou-se a grafia original para tirar a sua originalidade.


A
 quantas desgraças e miserias não deo causa essa extravagante e ridicula fabula da existencia, no Brazil, d'um paiz, a que se dava este nome: fabula inventada por um aventureiro inglez, chamado Raleigh, depois do saque praticado no Recife pelos piratas da mesma nação, Jayme Lancaster e John Venner, em 1593! O que se vai ler é mais uma prova do que acabamos de dizer.
Em 12 de fevereiro de 1759 o governador Gonçalo Pereira Lobato e Souza participou a sua magestade, que em 11 de janeiro desse anno lhe communicara muito em segredo o dezembargador ouvidor geral da capitania, ter-lhe participado na noite antecedente uma pessoa, cujo nome não podia nomear por lhe referir debaixo de segredo natural, que no sertão do Iguará se haviam descoberto umas minas d'ouro na fazenda dos Angicos, onde servia o pardo Francisco da Silva Passos, as quaes na secca proxima tinha descoberto um seu vaqueiro em um riacho, casualmente, por occasião dabrir umas cacimbas para o gado beber, que tinham li legoas de comprimento e se estendiam pelos campos dos lados do dito riacho, (cujas nascentes eram em um muritinzal) até a uma serra visinha, affirmando ter visto meia oitava d'ouro ali achado.


Deram-se mais a este respeito as seguintes occurrencias.
No dia seguinte voltou o ouvidor dizendo, que suppunha ter já vindo d'aquelle lugar algum ouro em pó, o qual fora fundido pelo ourives Aurelio Gomes, que morava visinho do convento das Mercêz; que o armeiro Pedro da Cunha estava fazendo por encommenda algumas alavancas e seis almocafres (instrumentos de mineração); e que o clerigo in minoribus José Vivardo tinha instado com Marcos d'Araujo Pitta para vender-lhe dois pretos, muito entendidos em trabalhos de minas.
O governador incumbio ao ouvidor o emprego de todas as diligencias para saber quem era o auctor de tal descobrimento, ao que este se recusou por ser isso faltar ao segredo, que tinha promettido, mais como não desejava embaraçar os passos do governador propunha passar para a vara de Santo Antonio d'Alcantara, vindo para a capital o capitão-mór d'essa villa, o que se realisou.
Chamado á presença do governador o armeiro Pedro da Cunha declarou que a encommenda, já dita, lhe fora feita pelo mulato Manoel Henriques do Canto, o qual por sua vez confessou ter sido por pedido d'outro mulato o padre José de Souza Machado, ha pouco chegado de Pernambuco e das terras de Minas ou da Bahia.
Como n'estas questões se achassem involvidos dois padres officiou ao bispo requisitando-lhe a presença d'elles, e pedindo-lhe poderes para a ambos deferir juramento. Não lhe respondeo o bispo e apenas mandou-lhe a capa do officio, e “com este procedimento, pela primeira vez havido para com elle, mostrou-se o governador muito afflicto pela falta de attenção ao seu caracter, pessoa e annos”.
Mal soube d'isto o padre Machado foi ter com o prelado queixando-se do governador, que, segundo disse, estava instaurando um processo summario contra elle e o padre Vivardo. Depois d'ouvi-lo o bispo mandou-o á presença do governador, sem lhe dar ordem para prestar juramento, ao qual disse haver recebido uma carta de Manoel Moreira, do sertão da Parnahiba, assegurando-lhe ter descoberto ouro em bastante quantidade n'um riacho, que fica do Brejo dos Anapurús para a parte do Iguará, e pedindo-lhe que lhe comprasse ferramentas e negros proprios para mineração, o que estava deliberado a faser.
O padre Vivardo declarou ter sido convidado pelo companheiro a minerar com igual parte n'essas terras, e incombido de varias encommendas, promettendo-se-lhe muitos lucros, que sempre julgou fabulosos por conhecimento que tinha d'esses lugares.
Resolveo-se afinal no dia 13 o bispo, que então era D. frei Antonio de S. José, a dar ao governador a licença pedida “por lhe asseverar um ministro de sua magestade (o desembargador ouvidor geral) de muito credito e litteratura que esses juramentos não se dirigem para criminar ou infamar pessoa alguma”, e com estas palavras deo-se formal rompimento de relações entre o prelado e o governador.
Em outra conferencia declarou ainda o padre José Machado, que junto ao riacho, já fallado, havia mais dois, um chamado dos Moquens, e outro sem nome, vindos da fasenda dòs Angicos até o rio Parnahiba, onde existia tambem ouro em muita quantidade.
Derramou-se pelo povo a noticia de taes minas, das quaes, disia o padre Machado, “se tirava ouro ás arrobas em qualquer cava feita em um dos tres riachos, tapados com uns ramos, com leves diligencias, e em quantidade de encher saccos”.
Andavam todos muito crentes n'estes contos, que pela exageração deviam ser suspeitosos, quando o governador na noite de 24 de janeiro desconfiou d'elles, por não lhe ter o padre Machado apresentado o vaqueiro descobridor das minas, como promettera.
Desejou o governador mandar prender o dito padre, mas entendendo-se para isto o ouvidor com o bispo, este se opposera muito á tal diligencia chamando-a absoluta e com expressões violentas.
Por ordem do governador na manhan de 26 partio para esses lugares do Icatú o dezembargador ouvidor geral, como intendente das minas, com quatro pretos mineiros, um homem branco, como pratico de minas, que havia na bandeira do Mearim, uma escolta militar, officiaes de justiça e outras pessoas, tudo á custa da fazenda real.
Mal partio o intendente principiou o clerigo a espalhar, que o havia enganado por desconfiar, que lhe queriam roubar a gloria de tal descobrimento.
Bem vontade teve o governador, como confessa, de castigar “tão ludibriosos enganos e escandalosa falta”, mas como achava prudente por ora ir dissimulando, incumbio-o á vigilancia do dezembargador juiz de fora, o qual com muita industria pedira ao padre que lhe dissesse o jazigo das minas, promettendo até sob juramento fazer-lhe tudo quanto elle quizesse, e offerecendo-lhe finalmente canoas, pretos e instrumentos para minerar.
Respondeo o padre debaixo de juramento, que era verdade a existencia das ditas minas, e que alem d'ellas havia em uma densa matta outro riacho, d'onde se tirava ouro aos saccos, e que quando passou de viagem pela visinhança d'aquelle sitio, lhe venderam a troco de algumas patacas uns homens uma perna de pelle de viado cheia d'esse metal, de que já tinha fundido onze mil crusados, restando-lhe ainda 12 libras enterradas, o que não declarou nas conferencias passadas “por julgar desgraça ter a fortuna de saber do descobrimento e manifestal-o sem primeiro elle se encher e aproveitar”.
O dezembargador juiz de fora disse ao governador, que para a todo o tempo constar a sua pureza lhe requeria a sua presença na seguinte conferencia, no que concordando sahio uma noite disfarçado e conduzido quasi nos braços de um criado, pelo seu estado de molestia e numero crescido de annos, á casa de Lourenço Belfort hoje dos herdeiros do barão do Coroatá, occultando-se em um guarda-roupa e d'ahi ouvio o padre dizer que dividia o ouro, que já tinha, em tres partes, uma para si, outra para o juiz, e a ultima para o dono da casa, seus fmgidos socios, ajustando todos tres de irem buscar mais ouro no dia 1º de fevereiro.
No dia aprasado a tudo faltando o padre, conheceo o governador o embuste, mormente quando soube que algum dinheiro e barras de ouro, que se tinham visto, pertenciam a José da Silva, capitão de um dos navios da frota.
Quiz o governador castiga-lo, mas receiando novas questões com o bispo, embora se desconfiasse que o embusteiro não era clerigo, officiou-lhe pedindo-lhe permissão para recolhe-lo a uma prisão “por parte de sua magestade e por importantissimos respeitos de seu real serviço”» e por cautella mandou lavrar pelo escrivão Francisco Ignacio de Aragão, na falta de notario apostolico, um protesto perante o padre vigario frei José da Natividade, do convento do Carmo, assignado por elle governador, pelo juiz de fora dezembargador Ignacio Barbosa Canaes de Abreu e outras pessoas, no qual dizia, que tendo de mandar prender alguns ecclesiasticos, e receiando que o bispo lhe fulminasse censuras, não as esperando, desde já appellava perante o dito prior ante omnia et post omnia para o exm. rvm. capellão-mór de sua magestade ou para a santa sé apostolica, a que prestava toda a obediencia e fidelidade.
Concordou o bispo, e o padre Machado foi preso pelo juiz de fora, e como clerigo entregue á sua jurisdicção, mas ficando responsavel por elle a sua magestade, mandou-o recolher á cadeia publica até que fosse para Lisboa na frota, que estava a sahir.
Partiram os navios em 1 de março e o clerigo aqui ficou, por suppor o bispo não poder elle partir sem ser primeiro aqui julgado o seu estado, posto em duvida, diligencia guardada para a ultima hora, diz o governador, insinuando assim que o prelado protegia esse homem por elle chamado revoltoso, sedicioso, perturbador e pharisaico.
Demorando-se a frota por molestia do mestre, houve tempo sufficiente para que o capitão general do estado Manoel Bernardo de Mello de Castro escrevesse do Pará em 19 de abril do mesmo anno ao bispo, pedindo-lhe para que remettesse quanto antes para Lisboa o padre sedicioso.
Achamos depois um officio com data de 19 de janeiro de 1760, assignado por Francisco de Mendonça Furtado e expedido pela secretaria do estado ao governador d'esta capitania, no qual sua magestade prohibia expressamente que aqui se fisesse o menor descobrimento de minas, ordenavalhe que prendesse e castigasse como embusteiros todos os que se applicassem a taes descobrimentos, e estranhava que José Machado fosse tratado como clerigo não o sendo.
Na mesma data foi extranhado ao bispo “por ter rompido com o governador e os ministros do estado” pelo conflicto de jurisdicção já dito.
Em quanto se passavam estas cousas o desembargador ouvidor geral Gaspar Gonsalves dos Reys, que tinha ido para o Icatú, officiou ao governador em 26 de fevereiro de 1759, disendo ter durante 30 dias de perigos e sustos explorado os sertões entre os rios Iguará e Parnahiba e os riachos Mangabeiras e Moquens, e não tendo “descoberto uma só faisca de ouro julgava o dito Sousa Machado homem diabólico, digno d'um exemplarissimo castigo pela grandissima perturbação em que poz toda esta capitania”.
Em 15 de fevereiro desse mesmo anno morreo o dezembargador juiz de fora e provedor da fazenda Ignacio Barbosa Canaes d'Abreu, cheio de desgostos por ser illudido tão grosseiramente.
Assim terminou-se esta farça, que tendo principio em 11 de janeiro de 1739 motivou a prisão dalgumas pessoas, a inquirição de muitas testemunhas, o conflicto de jurisdicção entre o bispo e o governador, a censura da corte ao procedimento destes funccionarios publicos, as despesas e trabalhos, perigos e desespero dó ouvidor geral, a morte do juiz de fora, e por ultimo a demissão do governador, que tão bons serviços prestou!
Não nos admiremos de tanta credulidade, porque quando o hespanhol Martinez declarou ter descoberto entre o Orenoco e o Amazonas um paiz abundantissimo d'ouro, pelo que o chamou El-dorado, foi esta esplendida ficção firmemente acreditada na Europa, como diz Parley, no seu Compendio de Historia Geral.

FONTE:
MARQUES, Cezar Augusto. Diccionario Historico, Geographico, Topographico e Estatistico da Provincia do Maranhão. Maranhão: José Maria Correa de Frias, Edictor, 1864, pág. 138-144.

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