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sábado, 9 de junho de 2012

H. CASTRICIANO, CEM ANOS DEPOIS


Gumercindo Saraiva

Henrique Castriciano de Souza, escritor, jornalista, crítico, ensaísta, é, a nosso ver, um dos marcos principais na formação da literatura no nosso Estado. Nascido a 15 de março de 1874 (alguns biógrafos citam 1873) em Macaíba, logo cedo viajou à Europa, onde conviveu com personalida­des da mais alta cultura do Velho Mundo.
H. CASTRICIANO

Criando a Escola Doméstica de Natal e fundando a Academia Norte-Riograndense de Letras, Henrique Castri­ciano ainda possuía os méritos de irmão da poetisa Auta de Souza, João Câncio e decano do jornalismo Eloy de Souza. Na vida pública, foi vice-governador do Estado e Procurador onde desempenhou com dignidade e apreço, esses manda­tos, além de outros de pouca importância.
Possuidor de uma cultura invejável, erudito, sóbrio, modesto, como poeta, Henrique Castriciano espelhava um estilo elegante, fluente, preciso. Antes dos cinqüenta anos, seus livros IRIAÇÕES (1889), RUÍNAS (1893), MÃE (1899), VIBRAÇÕES (1903), EDUCAÇÃO DA MULHER NO BRA­SIL (1911), ensaios, algumas pecas para teatro, sobres­saindo-se SUPREMA DOR, A PROMESSA, O ENJEITADO, enriqueceram sobremodo a cultura do país, onde seu nome resplandecia, como um jardim de rosas perfumadas. Por isso, conforme nos informou o prof. Antonio Soares Filho, foi considerado o príncipe da poesia norte-riograndense.
Dentro de sua geração, Henrique Castriciano mostrou à cultura de sua terra que o homem tudo realiza, objetivando seus ideais, numa época muito difícil, sem possibili­dade de alargar a obra proposta pelo devotamento às letras como era seu desejo. Convivendo no Rio de Janeiro com um grupo de intelectuais brasileiros, apreciado como filho pri­mogênito da poesia potiguar, o nosso conterrâneo emoldurava-se na corrente literária de Emiliano Perneta, da Costa e Silva. Alphonsus Guimarães, Cruz e Souza, e outros vates, ilu­minando a cultura brasileira. Mantenedor de uma amizade íntima com Olavo Bilac, Martins Fontes, Raul Braga e ou­tros poetas dessa época, o autor de O ABÓIO, foi um estilista brilhante, obedecendo a doutrina parnasiana, com a rapidez de um mestre das Musas.
Visitando a Suíça, observou um modelar estabelecimen­to de ensino doméstico, e logo chegou a Natal, planificou essa monumental instituição que é a ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, com sua tradição, irradiando para toda parte do mundo o seu currículo, onde a honestidade, honradez, probidade, decência e decoro servem de lema na formação da mulher no lar, na sociedade, enfim, onde quer que ela se encontre, como ex-aluna da notável fundação, atual­mente integrada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Filho do comerciante Eloy Castriciano de Souza e d. Henriquieta Leopoldina de Souza, H. Castriciano em tenra idade começou a escrever crônicas e poesias, que eram transcritas em jornais e revistas do Rio e São Paulo. Com os pre­paratórios no Ateneu Norte-Riograndense, o poeta iniciou o curso jurídico na Faculdade de Direito do Ceará, indo ter­miná-la no Rio de Janeiro, bacharelando-se no ano de 1908.

COMO CONHECEMOS HENRIQUE CASTRICIANO

Henrique Castriciano ao completar cinqüenta anos de idade, lamentavelmente parou suas atividades literárias, mas era um assíduo freqüentador de recitais e concertos, sentando-se geralmente na primeira fila de cadeiras do Teatro, a fim de ouvir melhor e ver a posição das mãos dos artistas, conforme informava aos amigos.
Logo após a fundação do Instituto de Música do Rio Grande do Norte, Henrique Castriciano começou a visitar o estabelecimento, mantendo palestras agradáveis com os professores Tomaz Babini, Tota Andrade, Câmara Cascudo, José Monteiro Galvão e Waldemar de Almeida, mostrando-se interessado nas composições de caráter nacionalista des­te último, muitas vezes interpretando ao piano trechos das afamadas músicas de ‘Paisagens de Leque’.
Como aluno do tradicional estabelecimento musical muitas vezes tocamos para o poeta, na saleta onde recebía­mos lições do violinista José Monteiro Galvão. Nesse tempo, mantendo um ‘Curso de Violino’, mas para ‘ganhar o pão’, ensinamos a algumas alunas da ‘Escola Doméstica de Natal’ e ‘Colégio Nossa Senhora das Neves’. Sempre en­contrávamos Henrique Castriciano, nos incentivando para que não abandonássemos nosso estudo. E nessas ocasiões, solicitava para que executássemos a ‘Meditação’, de ‘Thais’, uma das suas peças prediletas, relembrando Massanet, o grande músico francês.

PRIMEIRO PRESIDENTE DA ACADEMIA DE LETRAS

O Instituto de Música do Rio Grande do Norte criado pelo decreto 425, de 31 de janeiro de 1933, foi sempre nos primeiros tempos, um celeiro de artistas, e, por isso, quando Câmara Cascudo, Luiz Gonzaga do Monte, H. Castriciano e Aderbal de França, resolveram fundar a ‘Academia Norte-Riograndense de Letras’, escolheram este estabeleci­mento musical. Assistimos de perto todas as ‘transas’. Vi­mos o esforço desse quarteto, para conseguir os acadêmicos e patronos, nas divergências de alguns fundadores. Cascudo já reverenciado naquela época falou mais alto, apresentan­do com seus pares os vinte e cinco imortais, começando por Adauto da Câmara, sendo Patrono - Frei Miguelinho (1768/1817) e terminando com Aderbal de França, sendo Patrono o grande poeta Ponciano Barbosa (1889/1919).
Uma espécie de guerra interna, houve na escolha do Presidente. Indicado primeiramente Cascudo, este recusou­-se, com aquela modéstia e timidez dos homens de valor. “Não!... Não!... Não!...” disse o mestre. Outro nome apareceu, na figura gregoriana do cônego Luiz Gonzaga do Monte, mas ele empalideceu logo em seguida. Nomes vieram em demasia: Nestor dos Santos Lima, Sebastião Fernandes, Matias de Araújo Maciel Filho, sem que eles aceitassem tamanha incumbência. Depois de uma pausa para medita­ção, um grupo de fundadores, liderado por Waldemar de Almeida, que inicialmente não constava na lista dos Imor­tais, indicou Henrique Castriciano, figura das mais repre­sentativas da cultura brasileira, a nosso ver ainda no trono, como Príncipe dos poetas norte-riograndenses.
Henrique Castriciano, ocupante da Cadeira número 2, cujo Patrono é a renomada poetisa Nísia Floresta (1810/18835), inicialmente relutou em aceitar o cargo, mas por insistência dos confrades resolveu aquiescer, apesar de já doente, alquebrado - em disponibilidade como dizia sem­pre aos amigos. Sete anos mais tarde, em 22/7/45, por su­gestão da Federação das Academias de Letras, sua filiada aumentou o número de Acadêmicos para trinta, quando entraram festivamente para a Imortalidade os intelectuais José Augusto Bezerra de Medeiros, Américo de Oliveira Costa, Paulo Pinheiro de Viveiros, Esmeraldo Siqueira e Manoel Rodrigues de Melo, hoje presidindo a maior insti­tuição cultural do Estado. Anos mais tarde a instituição novamente aumentou o número de Acadêmicos, com a entrada de uma turma da jovem guarda, intelectuais dos mais ilustres que atualmente honram a Casa de Henrique Cas­triciano, como é conhecida.

HENRIQUE CASTRICIANO NA CANÇÃO POPULAR

Quando Waldemar de Almeida chegou da Europa, ja­mais tivera intenção de ficar em sua terra. Aqui viera, ape­nas para rever seus pais, mas o Governador Juvenal La­martine, homem sensível às artes, prestigiando toda espécie de cultura induziu a um grupo de senhoras da nossa socie­dade, no sentido de ‘prender’ o pianista e compositor, obrigando-as a fundar um Curso de Piano.
O autor de ‘Normas Pianísticas’, começou a compor sobre temas regionais, e também aproveitar versos de con­terrâneos como ‘Palma da Ressurreição’, de Palmira Wan­derley, ‘Noivos’, de Antonio Soares (readaptação na música de Evangelina Barros) e orfeonizando a ‘Viagem dos Pescadores’, de Henrique Castriciano, a primeira revelação do Cante Orfeônico em nosso Estado, quando da noite de 5 de fevereiro de 1953, 150 vozes selecionadas interpretaram magníficamente esse canto, que passamos a publicar alguns versos:

VIAGEM DOS PESCADORES

Amanhece: a claridade
Nos abençoa a sorrir.
Chega o dia da saudade
Chega a hora de partir.

Rema, rema companheiro,
Rema, rema sem temor
Pois o Mar é brasileiro
Rema, rema, pescador.

Eis distante a Fortaleza
Dos Magos de onde o farol,
Já não tendo luz acesa
Nos acena com a do sol.

Rema, rema, noite e dia
Rema, rema com valor...
Brasileira é a ventania
Rema, rema pescador.

POESIAS TRANSCENDENTAIS DE HENRIQUE CASTRICIANO

A poesia de Henrique Castriciano, como muitos pensam, não era toda simbolista, escola do final do século XIX, ini­ciada na França por Baudelaire, que teve grandes adeptos no Brasil, como Cruz e Souza e o grande Alphonsus Gui­marães, ligando-se em alguns poemas do nosso conterrâneo, que tinha independência e personalidade própria. O Simbo­lismo, reagindo contra o Parnasianismo, trouxe em nossa terra um clima duvidoso iludindo alguns intelectuais que não aceitaram a maneira de expressar os sentimentos, na escola de Baudelaire.
Henrique Castriciano, influenciado, deixou transparecer em alguns versos o Símbolo, eternizando mais nos sons, do que no significado da palavra, do qual se despregou e 1irmou-se em sua personalização, escrevendo a seu modo, sem nenhuma filiação, como atestam seus poemas, hoje esquecidos, mas de um conteúdo rico de imaginação, rima e categoria gramatical. Publicaremos dois sonetos clássicos da literatura brasileira.

MISSA DO MAR

Eis-nos sós, companheiro! Amargurado oceano
Deixa-me descansar ao pé de ti, meu velho...
Depois de ter ouvido o Ritual Romano
Quero aprender de cor o seu Santo Evangelho.

Abre o verde Missal! Como um Padre, de joelho,
Põe nos ombros azuis o manto soberano;
E do Sol preso ao Céu de seu disco vermelho
Faze uma hóstia de luz, faze um símbolo humano.

Sobe o dia no Azul. Tontas de amor, no Espaço
Gaivotas vão subindo... Ergue se, ao longe, o braço
De Em monte secular, entre nimbos, risonho.

E, ao ver ascendendo, eu procuro o infinito
De tua alma sem fim, para esconder num grito,
Minhas queixas! meus ais! minhas penas! meu sonho!

* * * *

MONÓLOGO DE UM BISTURI

Primeiro, o coração. Rasguemo-lo. Suponho
Que esta mulher amou: tudo está indicando,
Que morreu por alguém, este ser miserando,
Misto de Treva e Sol, de Maldade e de Sonho.

Isso não me comove: adiante! Risonho
Fere, nevado gume! e ferindo e cortando,
Aço, mostra que tudo é lama e nada, quando
Sobre os homens desaba o Destino medonho...

Fere este braço grego! E as pomas cor de neve!
 E as linhas senhoris que a pena não descreve!
E as delicadas mãos que o pó- vai dissolver!

Mas pousa o ventre nu, onde repousa um feto:
Por que hás de macular o sono fundo e quieto
Desse verme feliz que morreu sem nascer?

Por falta de espaço deixamos de publicar uma das maiores poesias da literatura brasileira, O ABOIO, uma cena do Nordeste brasileiro, oferecida ao Sr. Clovis Bevila­qua, divulgada ao público na edição de ‘A REPÚBLICA’, de 9 de junho de 1904. O ABOIO, integra páginas de uma das maiores enciclopédias internacionais, findando o poema assim:

É isso o que nos diz, às horas da trindade
A voz do sertanejo, ansiando de saudade,
Cuja letra ninguém adivinha ou conhece
Nessa triste canção, doce como uma prece,
Mas cujo pensamento, ungido de emoção,
Se coubesse num ritmo, era o do coração.

Henrique Castriciano ainda menino atingido por uma tremenda pneumonia, andou como um judeu errante pelos sertões de seu Estado, à procura de ares salubres, sem contudo conseguir resultado satisfatório. A conselhos médi­cos, viajou à Europa, indo, alojar-se na Suíça, contudo, muito pessimista, jamais recuperou a saúde. Portugal, Es­panha, França, Bélgica, foram visitados pelo poeta que não perdia oportunidade de freqüentar seus museus, bibliotecas, e conversar com figuras famosas, radicadas nas principais cidades por onde andou.
O Rio Grande do Norte possui três marcos, relembran­do a figura de Henrique Castriciano - O ESCOTEIRISMO, A ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL e o REVERENCIAMENTO DO POETA LOURIVAL AÇUCENA. O Escoteirismo, conti­nua com aquela vitalidade de civismo, amparada pelos poderes públicos, educando a juventude de nossa terra. A ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, um modelo de estabelecimento, integrada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E LOURIVAL AÇUCENA, reverenciado, na Academia Norte-Riograndense de Letras, na Cadeira nº 04, ocupa­da pelo historiógrafo prof. Enélio Petrovich, atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico.
Caso não houvesse Henrique Castriciano estudado a figura de Lourival Açucena, dando-lhe nova roupagem, defendendo-o da forma com que seus conterrâneos espelha­vam uma vida boêmia, repleta de vadiagem, bebericagem e outras ‘patotas’, o autor de POLÍTICA, sátira inofensiva, hoje estaria esquecido, como sempre vem acontecendo com intelectuais apagados, por falta de uma clarinada como fez o notável poeta, cujo centenário de nascimento estamos comemorando.
Escrevendo em vários jornais natalenses, Henrique Castriciano, entretanto, destacou-se em artigos publicados n‘A REPÚBLICA’, numa secção com o título CRÔNICAS, com o pseudônimo de Mário do Vale. Na data do centenário de nascimento deste nosso notável homem de cultura, o Rio Grande do Norte deve curvar-se, reverenciando aquele, que, em cinqüenta anos, trabalhou mais para o Estado do que centenas de políticos, que ao contrário, viveram apenas para conseguir proveitos para si, afilhados e compadres privile­giados...

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Publicado no jornal Tribuna do Norte’, Natal-RN, edição de 17 de março de 1974 e posteriormente transcrito na Revista da Academia Norte-Riograndense de Letras, Ano XXIII, nº 11, Natal-RN, 1974, págs. 133-140.

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