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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

SILVINO PIRAUÁ DE LIMA

O POETA ENCICLOPÉDICO
José Ozildo dos Santos

Nome de grande destaque na história da literatura popular do Nordeste brasileiro, Silvino Pirauá de Lima nasceu na próspera Vila de Patos, sede da Freguesia de Nossa Senhora da Guia, em 1860 (1). Filho de agricultores, teve uma infância pobre e distante da escola. No entanto, possuidor de uma grande vivacidade, cedo aprendeu a versejar.
Tocador de viola admirável e repentista exímio, considerado o mais notável de todos os discípulos do famoso repentista Francisco Romano, do Teixeira, de quem era grande amigo, Silvino Pirauá foi depois de seu mestre, o maior cantador do Nordeste (2).
Venceu inúmeros cantadores, jamais foi vencido e “aprendeu a cantar no tempo das cantorias em quatro linhas. Talentoso, sentindo falta de espaço nas quadras para a expressão das idéias, introduziu a sextilha e a obrigação de o adversário compor rimando com o último verso deixado pelo contendor - a regra da deixa”(3).
Silvino Pirauá foi uma grande de violeiro, que soube honrar as lições do mestre, e sempre cultuou a sua memória. Falecendo Romano, “o discípulo das preferências, distinguido na confiança do mestre, fez longo e sentido necrológico do repentista excepcional, concluindo seu pleito de admiração como este estrofe:Conhece, desde esse dia,/Cantador entusiasmado.../Todo mundo quer contar,/Cada qual dá seu recado,/Porque quem se respeitava/Já está em cinzas tornado!”(4).
Glosador e poeta popular, viveu a primeira fase de sua vida, cantando pelas feiras livres do sertão paraibano. E, foi “um homem que sofreu/ uma horrenta inclemência/ sem se maldizer da sorte/ sem faltar-lhe a paciência”(5).
Silvino Pirauá era irmão do também cantador José Martins. Certa vez, os dois, na companhia do celebre violeiro Germano da Lagoa, encontravam-se em Patos, a glosarem entre si, quando um dos circunstantes, sugeriu-lhe o seguinte tema: ‘Tudo são honras da Casa’. Ao seu tempo, Pirauá glosou:

“A honra mais importante
Que na casa dá um dom,
É um homem honesto e bom,
Com uma esposa brilhante;
O poeta vigilante
Faz o verso e não se atrasa,
Glosador não me enviasa,
Nem me faz sair da linha;
Quarto, ‘secreta’, cozinha,
Tudo são honras da casa”.

Poeta andarilho, Silvino Pirauá vivia exclusivamente de sua arte e rimava para arranjar o pão. Na companhia de seu discípulo Josué Romano, anualmente percorria os Estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco, cantando nas feiras do interior.
Em 1898, fugindo dos efeitos maléficos de uma grande estiagem, que assolava o sertão paraibano, deixou a Vila de Patos e transferiu-se para Recife, onde fixou residência num bairro pobre e passou a exercer seu ofício, cantando nas feiras e praças da capital pernambucana.
Foi nessa época, que levado por dificuldades econômicas, iniciou a publicação de seus versos, tornando-se o percussor do romanceiro popular. Homem pobre - a exemplo da maioria dos cantadores nordestinos - falecendo sua esposa, “ele não tendo dinheiro, foi cantar, a firma de ganhar o necessário para fazer o enterro” (6).
Foi na capital pernambucana, que Silvino Pirauá consagrou-se como poeta e cantador de viola. Formando parceria com José Galdino da Silva Duda e posteriormente com o cantador pernambucano Antônio Batista Guedes (seu discípulo), percorreu as mais importantes feiras do interior nordestino, cantando e vendendo folhetos, difundindo a Literatura de Cordel.
Possuidor de uma memória prodigiosa, Silvino Pirauá tinha conhecimentos rudimentares de Geografia, História Universal e Sagrada. Cognado por seus colegas como ‘o poeta enciclopédico’, celebres são suas ‘descrições’ sobre a Paraíba e o Amazonas (7). Pirauá, “viveu nos sertões da Paraíba em plena época da deslumbrante aventura amazônica da borracha e de conseqüente migração dos sertanejos, acossados pelas secas, para a Hiléia, com seus êxitos e fracassos”(8). Descrevendo esse estado brasileiro, assim diz:

“Nunca fui ao Amazonas
Para descrevê-lo bem,
Mas sempre dou um sentido
Daquilo que por lá tem,
Tudo por informação
Segundo me diz alguém.

O Amazonas é composto
De imensas grandezas.
Tem nele grande Recurso
Para amparo da pobreza
A borracha e a castanha
São as primeiras riquezas.
.............................................
Descrevo do Amazonas
Os seus rios principais
Com os seus igarapés
Deles conto menos, ‘mais’
Também direi alguns nomes
De diferentes animais:

Dos rios que lá existem
Pelo que me dão roteiro
Tem o rio Amazonas,
Que este é de primeira,
Tem o rio Tocantins
Rio Negro e rio Madeira;

Tem o rio Solimões,
O grande rio Juruá,
Rio Branco e rio Acre
E o forte rio Japurá,
Rio Purus e Riozinho
E o rio Tarauacá;

Rio Gregório e rio Xingu
Tem o rio Pauini
E o rio Apurina
De movimento sem fim,
Rio Javari, Tapajós
Rio Copiar é assim [...](9).

Essa descrição do Amazonas, feita por Silvino Pirauá de Lima foi baseada nas informações fornecidas pelo seu conterrâneo Silvino Lustosa Cabral, aventureiro, senhor e proprietário do seringal ‘Redenção’, no alto Juruá, em território acreano. Lamentavelmente, essa longa descrição perdeu-se com o tempo. Apenas se conhece os versos esparsos, transcritos pelo professor Alfredo Lustosa Cabral, em seu livro ‘Dez anos no Amazonas’.
Nela, o ‘poeta enciclopédico’, fala sobre os peixes, bichos da selva, aves e árvores. E, após descrever o modo difícil de vida do seringueiro, no Amazonas, assim termina:

“Do Amazonas, senhores,
As condições dizem tudo.
Lá só iria pobre besta
Ou por outra cabeçudo,
Iluda-se lá quem quiser
Que eu mesmo cá não me iludo.

Silvino Pirauá de Lima
Chamado – o Paraibano,
Compositor desta obra,
Espera em Deus Soberano
Nunca ir ao Amazonas
Nem Deus lhe dar este plano”(10).

Em meados de 1913, Silvino Pirauá encontrava-se cantando em Bezerros, no interior de Pernambuco, quando contraiu varíola e prematuramente faleceu, aos 53 anos de idade. À semelhança de muitos cantadores, era tido como um indivíduo jogador e mulherengo. Certa vez, vendo uma bela mulata passar pela calçada, declarou:

“Eu dava pra unir meu corpo
À pele dessa mulata,
Um conto de réis em ouro,
Um conto de réis em prata”(11).

Silvino Pirauá escreveu e publicou inúmeros folhetos, entre os quais, os mais conhecidos são: ‘História do Capitão do Navio’ e ‘Peleja da Alma’, ‘Verdadeira Peleja de Francisco Romano e Inácio da Catingueira’, ‘A Vingança do Sultão’, ‘As Três Moças que Quiseram Casar com um só Moço’, ‘História do Capitão do Navio’, ‘História de Zezinho e Mariquinha’, ‘Desafio de Zé Duda com Silvino Pirauá’, ‘Descrição da Paraíba’, ‘E Tudo Vem a Ser Nada’, ‘Descrição do Amazonas’, ‘História de Crispim e Raimundo’ e ‘Peleja da Alma’. Esta, transcrita por Rodrigues de Carvalho, em seu ‘Cancioneiro do Norte’.
Os romances de Pirauá, que, ao longo dos tempos vinha sendo “reeditados e consumidos pelo homem do campo”, hoje, juntamente com a obra de Leandro Gomes de Barros e outros expoentes da Literatura de Cordel, a exemplo de Patativa do Assaré, são objetos de estudos nos meios universitários.
Numa pequena amostra de sua poesia, transcrevo, na íntegra, o folheto ‘E Tudo Vem a Ser Nada’:

“Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa,
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida;
Oh! Que idéia perdida,
Oh! Que mente tão errada,
Dessa gente que enlevada
Nessa Fingida grandeza
Junta montões de riqueza,
E tudo vem a ser nada.

Vemos um rico pomposo
Afetando gravidade,
Ali só reina bondade,
Nesse mortal orgulhoso,
Quer se fazer caprichoso,
Vive de venta inchada,
Sua cara empantufada,
Só apresenta denodos
Tem esses inchaços tudo
E tudo vem a ser nada.

Trabalha o homem, peleja
Mesmo a ponto de morrer
É somente para ter,
Que ele se esmoreja,
Às vezes chove e troveja
E ele nessa enredada,
Alguns se põem na estrada
À lama, ao sol ao chuveiro,
Ajuntam muito dinheiro,
E tudo vem a ser nada.

Temos palácios pomposos
Dos grandes imperadores,
Ministros e senadores,
E mais vultos majestosos;
Temos papas virtuosos
De uma vida regrada,
Temos também a espada
De soberbos generais,
Comandantes, marechais
E tudo vem a ser nada.

Honra, grandeza, brasões;
Entusiasmos, bondades;
São completas vaidades
São perfeitas ilusões,
Argumentos, discussões;
Algazarra, palavreada,
Sinagoga, caçoada,
Murmúrios, tricas, censura,
Muito tem a criatura,
E tudo vem a ser nada.

Vai tudo numa carreira
Envelhece a mocidade,
A avareza e a vaidade
E quer queira ou não queira;
Tudo se torna em poeira,
Cá nesta vida cansada
É uma lei promulgada
Que vem pela mão divina,
O dever assim destina
E tudo vem a ser nada.

Formosura e ilusões,
Passatempos e prazeres;
Mandatos, altos poderes,
De distintos figurões,
Cantilenas de salões;
E festa engalanada,
Virgem-donzela enfeitada
No gozo de namorar,
Mancebos a flautear,
E tudo vem a ser nada.

Lascivas, depravações
Na imoral petulância,
São enlevos da infância,
São infames corrupções,
São fingidas seduções
Que faz a dama enfeitada
Influi-se a rapaziada
Velhos também de permeio,
E vivem nesse paleio,
E tudo vem a ser nada.

Bailes, teatros, festins,
Comédia, drama, assembléia,
Clube, liceu, epopéia,
Todos aguardam seus fins,
Flores, relvas e jardins,
Festas com grande zuada,
Oiteiro e campinada
Frondam, copam e florescem,
Brilham, luzem, resplandecem;
E tudo vem a ser nada.

O homem se julga honrado,
Repleto de garantia,
De brasões e fidalguia,
É ele considerado;
Mas quanto está enganado
Nesta ilusória pousada
Cá nesta breve morada,
Não vemos nada imortal
Temos um ponto final;
E tudo vem a ser nada.

Tudo quanto se divisa
Neste cruento torrão,
As árvores, a criação
Tudo enfim se finaliza,
Até mesmo a própria brisa,
Soprando a terra escarpada,
Com força descompassada
Se transformando em tufão
Deita pau rola no chão
E tudo vem a ser nada.

Infindo só temos Deus,
Senhor de toda grandeza
Dos céus e da natureza,
De todos os mundos seus,
Do Brasil, dos europeus,
Da terra toda englobada
Até mesmo da manada
Que vemos no arrebol,
Nuvem, lua, estrela e sol
Tudo mais vem a ser nada (12).

Poeta original, iniciador do romance em versos (13), no Brasil, embora não lhe caiba a maior glória de nosso romanceiro popular, Pirauá é lembrado na história de nossa literatura de cordel, por seu pioneirismo. Por mais e cem anos, seus romances “vêm seno reeditados e consumidos”(14).
Criador de mitos e inventor de pelejas fictícias, Silvino Pirauá de Lima foi “um gênio no seu universos sócio-cultural”(15). Em sua produção, abordou os mais variados temas, dando uma grande contribuição à literatura popular nordestina. Lamentavelmente, é um nome ignorado na cidade, que lhe serviu como berço.

NOTAS
1. Muitos pesquisadores que trataram da vida de Silvino Pirauá, afirmam que o mais talentoso poeta popular patoense nasceu em 1848. No entanto, encontrei o termo de seu casamento religioso, realizado em 26 de julho de 1902, na antiga Matriz de Nossa Senhora da Guia, de Patos, onde consta, que ele, naquela época, tinha 42 anos de idade. Assim, tendo com base o citado documento, Silvino Pirauá nasceu em 1860 e não em 1848, como até agora vem sendo divulgado. Eis o citado documento na íntegra: Livro de Casamentos da Matriz de Nossa Senhora da Guia, de Patos nº 04, fls. 17, registro nº 62. “Aos vinte e seis de julho de mil novecentos e dois, nesta Matriz, em virtudes de licença de sua Excia. Revdo. Sr. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, receberam-se em matrimônio os nubentes Silvino Pirauá de Lima e Edvirgens Maria de Lima, ambos pardos, tendo ele 42 anos de idade, ela com 40 anos de idade e não havendo impedimento algum, lhe dei as benções nupciais ‘servatis servandis’, sendo testemunhas João César de Melo e Francisco Machado Toscano da Nóbrega. Pe. Joaquim Alves Machado”.
2. CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Porto Alegre: Globo, 1939. p. 16.
3. ALMEIDA, Átila Augusto F. de; SOBRINHO, José Alves. Dicionário Bio-Bibliográfico de repentistas e poetas de bancada (I). João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1978, pág. 164.
4. BARRETO, Guimarães. Excursão pelo reino das trovas. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores, 1962, pág. 108.
5. BATISTA, Sebastião Nunes. Antologia da literatura de cordel. Natal: Fundação José Augusto, 1977, pág. 385.
6. BATISTA, F. Chagas. Cantadores e poetas populares. 2 ed. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1997, p. 91
7. BATISTA, F. Chagas. Op. cit., p. 91.
8. QUEIROZ, Octacílio. Anotações. In: CABRAL, Alfredo Lustosa. Op. cit., pág. 144.
9. CABRAL, Alfredo Lustosa. Op. cit., pág. 123-124.
10. CABRAL, Alfredo Lustosa. Op. cit., pág. 125.
11. BARRETO, Guimarães. Op. cit., 98.
12. BATISTA, Francisco das Chagas. Cantadores e poetas populares. 2ª edição com notas de Sebastião Nunes Batista. João pessoa: SEC/CEC/Editora Universitária/UFPB, 1997, pág. 102-105.
13. Idem, pág. 91.
14. ALMEIDA, Átila Augusto F. de; SOBRINHO, José Alves. Op. cit., pág. 164.
15. Idem, idem.

Um comentário:

  1. Parabéns por mais esse brilhante trabalho. Siga em frente. Beijos. Rosélia.

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