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terça-feira, 24 de agosto de 2010

PADRE JOÃO MARIA CAVALCANTI DE BRITO

O APÓSTOLO DA POBREZA

Moura Neto

Devotos ainda recorrem ao padre João Maria em busca de amparo espiritual

Um homem simples, de cabelos grisalhos e olhar cansado, anônimo entre os transeuntes que circulam em sua volta, faz o sinal da cruz e acende uma vela diante do busto modelado pelo escultor Hostílio Dantas, em 1919, na praça que leva o mesmo nome da pessoa que o monumento homenageia, no centro da cidade. Ao pé da estátua já está uma mulher de meia idade, concentrada numa oração silenciosa, com o terço nas mãos. Quase 97 anos depois do falecimento do padre João Maria Cavalcanti de Brito, em 16 de outubro de 1905, muitos devotos ainda recorrem à memória daquele que ficou conhecido como o ‘apóstolo dos pobres’ em busca de proteção e conforto espiritual.
A figura do religioso que nasceu em 23 de junho de 1848 na zona rural de Caicó, numa localidade que hoje pertence ao município de Jardim de Piranhas, ao longo de todo esse tempo continua alimentando a fé de gerações que sequer o conheceram pessoalmente, mas que certamente não ficaram imunes ao mito que envolve uma das personalidades mais admiradas da pequena Natal do final do século 19 e início do 20.
Para se ter uma idéia da popularidade do padre que durante 24 anos residiu em Natal, seu velório reuniu cerca de cinco mil pessoas, mais da metade da população daquela época. No cortejo até ao Cemitério do Alecrim, onde foi sepultado, estavam presentes também o então governador do Rio Grande do Norte, Augusto Tavares de Lira, e o pastor protestante da cidade.
Além de sacerdote, ele era tido como médico e assistente social dos necessitados, a quem sempre atendia com presteza e solicitude. Percorria a pé ou montado num jumento os bairros mais pobres de Natal para transmitir mensagens de esperança aos miseráveis, levar remédios homeopáticos preparados por ele mesmo aos doentes e prestar conforto aos moribundos, para os quais era comum, naquela época, conceder a extrema unção na hora final. O lema do padre João Maria era Ser tudo Para Todos. E ele cumpriu seu lema a risca.

Seridoense

Filho do professor primário Amaro Cavalcanti e Ana de Barros Cavalcanti, Padre João Maria nasceu na fazenda Logradouro, no Seridó do Rio Grande do Norte, onde desde cedo, ao lado de quatro irmãos mais novos (Militana, Ana, Josefina e Amaro Cavalcanti, o caçula que se tornou renomado jurista e ocupou os Ministérios da Justiça e da Fazenda), acompanhou o drama das vítimas da estiagem que ainda hoje assola a região.
Sua família era pobre, mas respeitada na vizinhança. Aprendeu as primeiras letras com o pai. O ambiente católico que reinava na sua casa contribuiu para que despertasse nele a vocação religiosa. Fazendeiros amigos da família custearam seus estudos no Seminário de Olinda (PE), para onde viajou a cavalo aos 13 anos, acompanhado do pai, para fazer o curso eclesiástico. Levava na pouca bagagem uma carta de apresentação do vigário de Caicó, padre Francisco Rafael Fernandes.
Logo conquistou a admiração de colegas e professores pelas virtudes que ostentava. Cursou o último ano de teologia no Seminário de Prainha, em Fortaleza (CE), cidade na qual seu irmão morava e já gozava de prestígio. Ordenou-se aos 23 anos. Rezou sua primeira missa no domingo dia 10 de agosto de 1871, em Caicó, onde ficou trabalhando como auxiliar do vigário. Depois foi vigário de Jardim de Piranhas, Santa Luzia do Sabugi (PB), Acari, Papari (Nísia Floresta) e, por fim, Natal, onde tomou posse da paróquia de Nossa Senhora da Apresentação em 7 de agosto de 1881, substituindo o padre José Hermínio, que adoeceu.
Sua aparência era de um sertanejo. Pele morena, sempre queimada do sol pelas caminhadas que empreendia em nome de qualquer pessoa que precisasse de sua ajuda - um doente, um moribundo. Andava sempre de batina preta. Tinha olhos vivos e penetrantes, segundo os inúmeros cronistas da época que fizeram registro de sua inestimável obra de caridade em favor dos aflitos. Sorria pouco, mas tinha bom humor. Gostava de fazer trocadilhos com as palavras. Era extremamente simples e afetuoso.

Bondoso ao extremo, era chamado de João de Deus

Quando chegou a Natal para assumir sua paróquia, padre João Maria já era conhecido de muitos pelo trabalho que havia realizado em Papari, época em que a região sofria as conseqüências de uma grande seca que se prolongava por dois anos. Levas de flagelados abandonavam suas terras em busca de trabalho e comida na cidade, muitas vezes em vão. Encontravam, porém, um porto seguro: a paróquia do religioso a quem muitos chamavam de João de Deus.
O Padre atendia a todos, sem distinção. Improvisou palhoças para abrigar os flagelados, a quem dava de comer com o que recebia de ajuda do resto da população. Ministrava medicação natural para os males dos enfermos, cuidava das crianças. Tinha uma preocupação especial com a higiene destas pessoas, orientando sobre os modos de prevenir as doenças. Seu prestígio fez com que o governo enviasse roupa, dinheiro e comida para suprir as necessidades desse rebanho desgarrado.
Em Natal, residiu na esquina da praça que hoje tem seu nome e a estátua erigida em sua homenagem, à época conhecida como Praça da Alegria. Também ali virou o destino final da romaria dos infelizes que buscavam algum tipo de consolo­ material ou espiritual. Era comum o padre João Maria dar o seu próprio almoço para quem estava com tome. Muitas vezes, conforme registram as crônicas da época, dava a quem não tinha o que vestir o tecido que recebia para uma batina nova. Dava aos pobres a rede em que dormia e passava a dormir no chão, até ganhar uma nova rede que acabava dando novamente. A mesada que recebia do irmão bem sucedido, que então morava no Rio, a capital do país, distribuía com os necessitados.
Padre João Maria celebrava missa às cinco horas da manhã. Depois disso, atendia no confessionário. O resto do dia, da noite e da madrugada era dedicado ao trabalho de assistência. Empenhou-se na construção de uma nova Catedral, na Praça Pio X, que não conseguiu concluir. Comandava aos domingos procissões até a Praia do Meio, de onde ele mesmo e cada fiel trazia nos braços as pedras que eram usadas na obra da sua igreja.
Em 1905, época em que grassava uma peste de varíola na cidade, e sobretudo nas regiões mais miseráveis, e que por conta disso ele redobrava os esforços para atender as necessidades do povo sofrido, começou a demonstrar sinais de debilidade orgânica. Era o resultado das noites passadas em claro, nos casebres das pessoas doentes: do cansaço pela luta incessante. O diagnóstico do médico apontava para diabetes. Pior: a doença já estava em estado avançado. Por orientação médica, que recomendou clima sadio e puro para ajudar no tratamento, ele foi removido para um sítio de propriedade da família Moreira Brandão, no Alto Juruá­ hoje Petrópolis.
Foi neste sítio, para onde o povo acorreu a fim de rezar pelo seu restabelecimento, que o padre João Maria morreu às 8 horas do dia 16 de outubro de 1905, aos 57 anos. Na casa em que faleceu ergue-se hoje a Igreja Nossa Senhora de Lourdes, construída pelo monsenhor Eymard L'E. Monteiro, que conta esta história no livro Esboço Biográfico do Pe. João Maria (publicado em Natal em outubro de 1979). Como disse Veríssimo de Melo, um dos mais conceituados escritores do Rio Grande do Norte, padre João Maria, em vida, só possuiu como riqueza “o amor ao próximo, a prática da virtude, o exercício do bem”. Precisava mais?
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Artigo publicado em ‘O Potiguar’, Ano V, nº 39, Natal-RN, edição de agosto/setembro/2002, págs. 8-9.

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