O MISSIONÁRIO
Cônego Joaquim de Assis Ferreira
Missionário pelos sertões nordestino e, em nosso caso, na Paraíba, sempre os tivemos e extraordinários, embora raros.
Missionários, exímios pregadores do Evangelho, homens cheios de renúncia e vida santa, fundadores de comunidades religiosas, construtores de igrejas, sempre os mereceu o nosso povo, ainda de tempos em tempos.
Só a presença desses homens incomuns representou uma graça eleita do Senhor à nossa gente, sofrida mais cristã.
A sua pregação valia por um estimulo à fé, um ânimo nos sofrimentos, um grito de reprovação aos desmandos dos costumes, um alento para as reformas da vida, uma elucidação das verdades da Igreja, um aprimoramento da vida cristã.
A mensagem, que transmitiam, era autêntica, embora variasse nos métodos.
Ainda que com o timbre pessoal de cada missionário, a sua mensagem, por ser genuinamente evangélica, impressionou vivamente, em todas as épocas, o espírito do nosso povo.
Nenhum pregador de verdades tem tido maior receptividade no Sertão do que o missionário.
Todos lhe dão cobertura total com um crédito absoluto de confiança.
O povo vê no missionário um homem de Deus, uma lama pura, luminosa, reta, uma vida santa. Por isso, aceita e guarda a sua palavra.
A vivência da palavra, que prega, dá em favor do missionário um testemunho indiscutível.
Quando, por isso ou aquilo, os fiéis descobrem desacordo ou incoerência entre a vida e a palavra do pregador, entra em pânico e perdem o ardor religioso. Têm razão, por que negar, pois, em matéria de fé, só a palavra quente de vida convence.
Grande sorte há sido nossa a santidade dos nossos missionários. Varões de Deus é que eles têm sido.
Assim, através dos tempos, Ibiapina, Herculano, Martinho e, agora, neste quase meio século, o maior de todos, ao meu ver, Frei Damião.
Conheci Frei Damião, em 1936, ao tempo da sua primeira missão na cidade de Cajazeiras, quando Cajazeiras e Patos eram a mesma diocese.
Vinha ele do seu jornadear apostólico no Ceará. Nas cidades do vizinho Estado, onde havia feito grandes movimentações de massa, grandes concentrações de fiéis, a fama começava a espalhar-se, mas, para as nossas bandas de cá, do Sertão da Paraíba, era muito pouco conhecido.
Lembro-me muito bem da chegada dele, em Cajazeiras. Tudo estava certo e previsto pelo então vigário Pe. Fernando Gomes, atual arcebispo de Goiânia: hora, local da recepção, restante do cerimonial.
Duas horas passadas e nada do missionário. A partida de Lavras do Mangabeira, no Ceará, tinha sido difícil pelo motivo de grande ajuntamento de pessoas que acorreram às despedidas de Frei Damião.
Em palácio, na companhia de Dom Mata, procurávamos adivinhar as razões da demora, quando se ouviram cânticos religiosos pelas ruas, e, dentro em pouco, passava às nossas vistas, acompanhado de um pequeno cortejo de meninos e vários adultos, um religioso baixinho, passo apressado, em direção à catedral, em cuja praça fronteiriça iriam dar-se as missões.
Era Frei Damião, que havia descido do automóvel, à entrada de Cajazeiras, e vinha arrebanhado o pessoal.
Estranhamos o método mas ficou nisso.
À noite, começaram as missões. O missionário impressionava fortemente.
Dia a dia, aumentava a afluência do povo, sequioso de ouvir a palavra do pregador e os seus conselhos prudentes.
Éramos vários sacerdotes, trabalhando todos dia e noite, às vezes, a noite inteira, e não dávamos atendimento aos fiéis.
As missões agradaram e repercutiram de tal modo que a procissão de encerramento ultrapassou todas as expectativas e cálculos. Foi um deslumbramento não só pela incontável massa humana como pelo entusiasmo e fervor religioso do povo. Todos, brandindo ramos, davam a impressão de uma floresta em movimento. Dom Mata, vibrante como era, não se continha e exultava. Cousa tanta nunca vista em Cajazeiras.
Daí por diante, à medida que se multiplicavam as missões pelas diversas paróquias da Diocese, crescia o nome e a fama do missionário.
Na paróquia de Catolé do Rocha, ao tempo, em que fui vigário, Frei Damião pregou missões por duas vezes.
Com Dom Mata, ajudei nas missões de várias paróquias.
Sempre me interessou pedir notícias de Frei Damião, em suas intermináveis andanças e correrias apostólicas.
Nunca muda. Sempre o mesmo homem extraordinário em todas as idade, em todas épocas, em toda parte, em todas situações.
Hoje, quase aos 71 anos, aos 46 de sacerdócio e de missionário, é o mesmo Frei Damião dos primeiros dias de Cajazeiras.
A mesma cousa. Madrugador, lépido e apressando no andar, quando sai pela manhã; tranqüilo e concentrado nas outras horas; incrivelmente incansável, pois nem sei se dorme; paciente e tratável com o povo; delicado e caridoso com os penitentes; prestimoso e jovial com os colegas; humilde e obediente aos superiores; sério e pontual com os compromissos; extremamente zeloso com os enfermos e com os pobres; solícito no púlpito ou no confessionário; solícito no catecismo ou administração dos sacramentos; solícito, quando prega, admoesta ou verbera; solícito, quando ensina ou instruir; solícito, quando repreende; solícito em tudo.
Vezes, sentido mas nunca zangado; vezes, impetuoso mas nunca violento; vezes, sonolento mais nunca cansado; vezes, teimoso no trabalho, mas só pelo desprendimento de si mesmo, por amor às almas, pela glória de Deus.
Se vergasta, não é descaridoso; se lhe sai a apóstrofe em chamas, é só para o convencimento da verdade; se chicoteia o pecado e o vício, recebe sorridente o pecador; se adverte, não é com ares de profeta; se ameaça, não é com iras de apóstolo.
Quando fala, convence; se não fala, impõe respeito.
Inteligente, culto, sua palavra é luminosa e inflamada; sua doutrina, segura e substanciosa; sua argumentação, contundente e arrasadora; sua exposição, clara e acessível.
A mesma, que transmite, é autêntica, não é outra, é a mesma de Cristo.
Se um homem desses não é santo, ai de nós! Que cousa somos!
Se o povo reconhece naquele que lhe fala de Deus, que ele vive de Deus, se confirma a sua virtude invulgar - que mal faz que este povo ame ardorosamente o seu missionário, que o admire, respeite e estime, que queira bem ao velhinho.
Se há cordões policiais de isolamento, em derredor de astros e estrelas, de líder e heróis, para protegê-los do entusiasmo vibrante dos seus fãs, devotos e admiradores - com que razões se condenaria o fervor e a exultação dos fiéis na presença do seu missionário!
Sobretudo, quando esse fervor ajuda eficazmente na aceitação e convencimento das verdades proferidas pelo pregador.
Somos realmente levados a receber com facilidade a palavra daquele, a quem amamos. E as sentenças do missionário são palavras de Deus.
Quem procura inflamar de amor o mundo, merece o amor dos homens.
Por que também pretender criticar, como antiquado, o método de apresentação da doutrina, seguido por Frei Damião?
O método é o meio de transmissão da verdade ou mensagem. Não é a própria verdade, não se identifica com a mensagem.
Se o mestre ou pregador consegue transmitir a doutrina, contida nas suas preleções ou prédicas, excelente é o seu método.
Quem melhor do que Frei Damião atinge a mente dos seus ouvintes! O próprio exagero, segundo Jackson de Figueiredo, na base do espírito é um perigo mas já, com elemento de convencimento, é insuperável.
Por que azedar-se ainda com a pregação do missionário, fundamentada nas duras verdades eternas! Quer cousa diferente, destrua o Evangelho. O novo, só por ser novo, não é carismático, seja palavra ou sistema.
A humanidade adquire, em cada época, o colorido do tempo mas não muda em sua essencialidade, para que continue humanidade.
O novo só e o velho só são visões unilaterais e deturpadas do conjunto. Misturem-se os dois, e haverá harmonia e beleza.
Diga-se só a título de ilustração. Que cousa mais bela do que o ecumenismo! Bela e cristã! No entanto, o ecumenismo não carismático.
Veja-se aí, em pleno século vinte, na super-politizada Europa, em pleno coração da Irlanda, essa guerra santa e sangrenta entre irmãos separados - católicos e protestantes.
A grande virtude de Frei Damião, como autêntico missionário e pregador da palavra de Deus - é a coragem de dizer ao seu auditório não as verdades que ele quer ouvir mas as verdades que ele deve ouvir.
Paremos aqui, que já vai longa esta crônica, sem nos esquecermos de que é graça extraordinária de Deus uma missão e, por ser singular e rara, ninguém dela abusa inutilmente.
Muitíssima cousa a mais tinha a dizer com agrado e simpatia sobre Frei Damião, o Missionário.
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FONTE: ‘Crônicas das
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