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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A ORIGEM DO TOPÔNIMO MOSSORÓ

Olavo de Medeiros Filho


Na noite de 24 de agosto de 1990, a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e outras instituições culturais prestaram uma significativa homenagem a Vingt-Un Rosado, pela proximidade do transcurso do seu 70º Aniversário, a ocorrer em 25 de setembro. Na ocasião, pronunciamos as seguintes palavras:
“Nesta noite de confraternização, algumas das mais representativas instituições culturais do Estado homenageiam a pessoa de Jerônimo Vingt-Un Rosado Maia, por motivo do seu 70º aniversário natalício, a ocorrer no próximo dia 25 de setembro.
O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte também compartilha desse sentimento de júbilo, de que se acham possuídos os admiradores, amigos e familiares do notável filho de Mossoró. Incumbiu-me o Dr. Enélio Lima Petrovich, presidente daquele Instituto, de debuxar um escorço da contribuição prestada por Vingt-Un Rosado aos estudos históricos potiguares, tanto no que tange à autoria de trabalhos de tal natureza, como também no plano de sua editoração.
Compulsando-se os registros do Instituto Histórico e Geográfico, constata-se que Ving-Un ingressou naquela instituição no ano de 1959, eleito que foi para compor o seu quadro de sócios-efetivos. Desde então, o ilustre filho de Mossoró tem honrado e dignificado a sua condição de co-participante do esforço desenvolvido pelo Instituto, cujo objetivo maior é a preservação, valorização e divulgação do patrimônio histórico e cultural do nosso Estado.
A atuação de Vingt-Un, no campo dos estudos históricos e genealógicos, se manifesta através de diversos livros, e artigos publicados em revistas e jornais. Os temas abordados pelo autor mossoroense versam principalmente sobre ocorrências verificadas na região Oeste do Estado.
Através da leitura da obra literária de Vingt-Un, relacionada com história, genealogia e biografias, percebe-se nitidamente a preocupação do autor em utilizar-se de fontes idôneas, do que resulta uma exposição precisa e imparcial dos fatos históricos por ele abordados.
Vingt-Un estudou a presença indígena na antiga Ribeira do Mossoró, ali representada pelos tapuias Paiacus, da nação Tarairiú. Descreveu ele as milenares inscrições rupestres, vestígios de desaparecidas culturas indígenas pré-históricas.
Dedicou-se à tarefa de interpretar a toponímia regional.
Vingt-Un estudou, com profundidade, a presença holandesa nas salinas de Guamaré, Açu e Mossoró, ocorrida no século XVII.
Pesquisou as datas e sesmarias concedidas na Ribeira do Mossoró, no século XVIII, as quais deram origem a fazendas, capelas, vilas e cidades.
Ressuscitou velhos e olvidados patriarcas de antanho, formadores de tradicionais famílias do Oeste. Pesquisou as descendências daqueles velhos troncos genealógicos, publicando trabalhos a respeito das mesmas.
Vingt-Un descreve a presença e a atuação de viajantes e cientistas, nacionais e estrangeiros em Mossoró, a partir do século XIX.
Dedicou-se também ao estudo da Revolução de 1817, da Confederação do Equador, de 1824, e dos reflexos causados por esses movimentos revolucionários na zona Oeste da então Província do Rio Grande do Norte.
Vingt-Un também estudou o Motim das Mulheres, episódio do Movimento do Quebra-Quilo. Fixou a saga da Abolição em Mossoró, e a brilhante trajetória do Jornalismo naquela cidade.
Não ficou esquecido o episódio do ataque de Lampião a Mossoró.
A Escola Superior de Agricultura de Mossoró, da qual Vingt-Un é o cérebro e o coração, teve o seu perfil histórico registrado pelo nosso homenageado, através de diversos livros.
Vingt-Un é o responsável pelo surgimento da Coleção Mossoroense, um verdadeiro fenômeno editorial que já conta com 1.570 títulos publicados, o que coloca Mossoró em uma posição invejável no campo da cultura nacional!
Aquela Coleção Mossoroense já havia publicado - até o ano passado - 270 títulos relacionados com a bibliografia de História do Rio Grande do Norte, uma vitoriosa contribuição de Vingt-Un à campanha por ele iniciada, a denominada Batalha da Cultura!
A título de homenagem a Vingt-Un e à terra mossoroense, farei algumas digressões sobre a origem do topônimo Mossoró, à luz de relatos históricos e de documentos pesquisados em diversas fontes:
JOHANNES DE LAET, cronista do período do domínio holandês, em seu livro História ou Anais dos Feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais desde o seu começo até ao fim do ano de 1636, ao mencionar os cinco grandes rios senhoreados pelos tapuias de Janduí e Caracará, na Capitania do Rio Grande, nos dá notícia do rio Ocioró, hoje conhecido por Mossoró (1).

Primeira página do livro XVI (Brasilia Septentrionalis) da obra Novus Orbis seu descriptionis Indiae Occidentalis (1633), de Johannes de Laet. O capítulo trata da "língua comum brasileira" -- o Tupinambá ou Tupí Antigo. A obra de Laet é uma importante fonte de informações históricas e etnográficas sobre os índios do Brasil, particularmente as tribos do território então controlado pelos holandeses

Em 1712 a Fazenda do Monxoró, na ribeira do mesmo nome, local hoje ocupado pela cidade de Mossoró, pertencia ao capitão Teodósio da Rocha e a Bonifácio da Rocha, ambos integrantes do Terço dos Paulistas do mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro (2).
No vizinho território cearense existia o rio Wuychoró (hoje Choró), já mencionado em 1628 pelos indígenas Gaspar Paraupaba e seus companheiros, em depoimento prestado em Amsterdam, perante o notário Kilian van Renselaer. Segundo o depoimento dos indígenas, o Wuychoró era um pequeno rio de água salgada, desabitado (3).
Aos 13 de outubro de 1680, Estêvão Velho de Moura recebia terras no rio Xoró (Choró), na capitania do Ceará(4). Em 2.1.1682 o capitão-mor do Rio Grande, Antônio da Silva Barbosa, nomeava Estêvão para o posto de capitão de infantaria das ordenanças da ribeira do Açu, cujo Regimento estendia  a sua jurisdição desde o riacho Paraibu, cabeceiras do Piató, no Rio Grande, até os rios Jaguaribe e Choró, no território cearense (5).
Aos 14 de julho de 1737, Amaro Rodrigues Moreira, ao requerer uma sesmaria na ribeira do Choró, capitania do Ceará, informava às autoridades que o topônimo Choró pertencia à  “LÍNGUA DO TAPUIO PAIACU”(6).
Tal informação é de muita importância para aqueles que pretendam penetrar o significado do étimo Choró, com o qual, evidentemente, teria correlação o topônimo Monxoró.
Estudiosos têm tentado explicar o significado dos topônimos Choró e Monxoró, através da utilização do idioma Tupi, o que tem sido um lamentável equívoco. O idioma falado pelos tapuias Paiacus, antigos moradores daquelas regiões, desapareceu com o passar dos anos, em virtude de não ter aparecido um dicionarista que o preservasse, o que não aconteceu com o Tupi e o Cariri.
Os Paiacus pertenciam ao grupo línguo-cultural tarairiú, cujo idioma representava uma das chamadas línguas  “travadas”, que eram absolutamente distintas da Língua Geral falada pelos Tupis...
Assim, permanecem à espera de uma cabal interpretação, os topônimos Wuychoró e Monxoró, ambos vinculados ao termo básico Choró, expresso no desaparecido idioma dos Tarairiús.
Surge agora uma indagação: como teria ocorrido a transformação do topônimo Monxoró em Mossoró? Darei dois exemplos de modificação toponímicas, ocorridas no Açu e no Caicó:
Jacob Rabbi, delegado dos flamengos junto aos tapuias do rei Janduí, foi o autor de um relatório sobre os ditos indígenas, material que foi aproveitado por Jorge Marcgrave, no seu livro História Natural do Brasil, publicado em Amsterdam em 1648. Segundo Jacob Rabbi, o rei Janduí habitava no rio Otschunogh (7). Os potiguares pronunciavam tal topônimo à sua maneira: Otschunogh transformou-se em Açu, que no idioma tupi tem o significado de Grande...
Na região do Seridó corria o rio Queiquó, termo pertencente à linguagem dos tapuias Janduís e Canindés. Quei significava Rio, e Quó uma certa ave, a que os tupis denominavam de Acauã. Queiquó, Rio Acauã. O rio era considerado como sendo o principal da região e, no entendimento vigente à época, fazia barra no rio Piranhas. Com a chegada das tropas governamentais engajadas no combate ao Levante do Gentio Tapuia, pelo final do século XVII, apareceu o arraial do Queiquó, à margem do rio do mesmo nome (8). Os potiguares logo transformaram o topônimo tapuia Queiquó em Caicó, palavra pertencente ao idioma tupi e cujo significado talvez fosse - Roçado Queimado...
O mesmo fenômeno lingüistico deve ter ocorrido com Monxoró.
A pronúncia tupi prevaleceu, perdeu-se o significado original do termo Monxoró, e surgiu o belo topônimo: Mossoró...
Finalizando estas palavras, faço votos para que no vindouro Ano 2000, estejamos todos aqui reunidos para comemorar os 80 anos de vida do Acadêmico Vingt-Un Rosado!...

FONTE: Aconteceu na capitania do rio grande


NOTAS
(1) LAET, Joannes de · História ou Anais dos Feitos da Companhia das Índias Ocidentais, &, p.461.
(2) LIVRO DO ESCRIVÃO DO TERÇO DOS PAULISTAS DO MESTRE DE CAMPO MANUEL ÁLVARES DE MORAIS NAVARRO, fls.87 e verso.
(3) GERRITSZ, Hessel · Jorneaux et Nouvelles, &, p.173.
(4) STUDART, Dr. Guilherme · Datas e Fatos para a História do Ceará, 1º, p.85.
(5) LIVRO 2º DE CARTAS E PROVISÕES DO SENADO DA CÂMARA DO NATAL (1673-1690), fls. 62 e verso.
(6) POMPEU SOBRINHO, Thomaz · Sesmarias Cearenses, p.51.
(7) MARCGRAVE, Jorge · História Natural do Brasil, p.269.
(8) MEDEIROS FILHO, Olavo de · Índios do Açu e Seridó, pp.141-144.


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