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terça-feira, 24 de agosto de 2010

DJALMA MARANHÃO


DJALMA MARANHÃO: MORTE E PAIXÃO
Celso da Silveira

Para atender a um convênio com a Prefeitura Municipal de Natal, o Instituto de Pesquisas Sociais Juvenal Lamartine, da Fundação José Augusto, me solicitou um depoimento sobre o homem público Djalma Maranhão, que foi prefeito de Natal de fevereiro de 1956 a dezembro de 1958 (nomeado pelo governador) e de novembro de 1960 a 2 de março de 1964 (prefeito eleito). Deposto pela Revolução de 31-03-64, foi preso e deportado para Fernando de Noronha.
Eis a seguir o que posso afirmar com certeza, por conhecimento próprio, porque fui seu auxiliar na administração, servindo nos cargos de chefe de Gabinete, diretor da Fiscalização, diretor do Ensino (ele instalou o Ginásio Municipal João XXIII e a Escola Municipal de Comércio), diretor da Secretaria de Negócios Internos e Jurídicos, oficial de Gabinete, diarista de obras e assessor de divulgação, além de permanente e assíduo companheiro em suas vilegiaturas diárias a todos os pontos da cidade.
Djalma Maranhão foi um apaixonado pela sua Cidade do Natal. Foi esse grande amor maior que lhe deu inspiração para superar a si mesmo como administrador.
Com recursos limitados patenteou o pioneirismo administrativo em vários setores: introduziu o ensino não convencional com programa “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler” (cujo nome surgiu por acaso, dentro do seu Gabinete, quando se discutia a estrutura e o modus faciendi das escolinhas, por palpite do jornalista Expedito Silva, que trabalhava no jornal de Djalma (Folha da Tarde). Restaurou as manifestações da cultura popular, prestigiando os folguedos tradicionais e foi o doador do terreno da sede da Sociedade Araruna de Danças Antigas nas Rocas, cuja solenidade de lançamento da pedra fundamental eu o representei. Construiu a Concha Acústica, a Galeria de Arte e a Biblioteca Pública, que funcionaram na Praça André de Albuquerque; estimulou o teatro popular fazendo encenar na mesma praça o Auto da Cidade do Natal (cantorias de Frei Marcelino de Santana, do Convento Sto. Antônio). No elenco estavam Edson Lyra, Wilson Maux e eu. Deu ênfase à cultura, realizando feiras de livros, congressos de escritores, instalando a Diretoria de Documentação e Cultura, por onde se aposentou como Diretor.
Quando Natal ia só até a Av. Alexandrino de Alencar, ele já estendia a ação da Prefeitura à periferia, ajudando a instalação da Clínica Pedagógica Heitor Carrilho e, depois instituindo a Semana do Excepcional, através de decreto.
Criou a Sociedade Amigos dos Bairros (seria o precursor dos atuais Conselhos Comunitários). O primeiro asfalto lançado numa rua da cidade foi em sua administração. Restaurou praças, dotando-as de fontes luminosas (muito antes de Jayme Lerner dotar Curitiba deste equipamento). Foram seus os primeiros passos para a construção do Machadão e a ele se deve o primeiro ginásio coberto - o Palácio dos Esportes Djalma Maranhão, e o primeiro Terminal Rodoviário da cidade no bairro da Ribeira.
Fez as galerias pluviais da Av. Afonso Pena, construiu os primeiros metros de muro de arrimo da Av. do Contorno. Começou o revestimento à pedra do Canal do Baldo e deu início à Via Costeira, criando um acesso à Praia de Miami (final de Areia Preta). Deu todo o apoio à formação do Horto Florestal e criou as primeiras hortas municipais. Como ‘ecologista’ (não havia essa nomenclatura) encetou a campanha ‘Um coqueiro em cada casa’, incentivando o plantio de árvores pela população.
Foi Djalma Maranhão que, com sua criatividade, botou na rua um trator com caçambas atreladas, para coletar o lixo, antes dos carros kukas e dos basculantes.
Criou o Coral da Cidade do Natal - 1º do gênero aqui surgido (regência do maestro Garibaldi Romano). Criou o serviço de documentação, que foi o embrião de um museu da cidade, onde locou um acervo numeroso de peças de Chico Santeiro (o artesão era visitado freqüentemente por Djalma Maranhão em sua casa de Areia Preta e foi Djalma que construiu e doou uma casa ao saudoso Chico). Prestigiou Zé Menininho (sanfoneiro, autor da música ‘Caixão de Gás’) e Caldas Moreira, que dominava os arraiás folclóricos da cidade com pastoris, bambelôs (os mais famosos eram o de Guedes e o de Calixto) e cuidou do Ciclo Natalino, instituindo concursos de vitrine, melhor árvore de Natal, além de exibição em palanques de Bumba-Meu-Boi, Congos de saiotes e de calçolas e a famosa Festa de Iemanjá, com a participação dos terreiros de umbanda. No São João ia a todas as quadrilhas.
Comparecia à da Vila Teixeira (a mais famosa da época) e as das ruas Antônio China, Aristides Lobo e Clóvis Bevilaqua, em Lagoa Seca, onde ia dançar no meio do povo. Prestigiava o Carnaval, realizando bailes populares (no Teatro Carlos Gomes, depois no Palácio dos Esportes), acompanhando o Rei Morno (Paulo Maux, Severino Galvão, Luizinho e Zé Areia), organizando comissões julgadoras e a Federação Carnavalesca (Joaquim Victor de Holanda foi um dos mais atuantes presidentes com a sua experiência de ex-presidente do Brasil Clube) e comparecendo ao Baile dos Cronistas Carnavalescos (ex-presidente: eu, Berilo Wanderley, Benivaldo Azevedo, indo ao palanque para ver o desfile de índios, escolas de samba, sociedades Jardim de Infância, Os Cafajestes, Sputnik).
Todos os anos ia à Taba dos Guaranis beber ‘cauim’ com o Cacique Bum-Bum. No seu Gabinete da Prefeitura se fundou a Associação dos Cronistas Carnavalescos, comigo, Berilo, Woden, Adalberto, Chagas, Paulinho Oliveira, Serquiz Farkatt, Benivaldo Azevedo, Expedito Silva, a quem cabia escolher a Rainha do Carnaval (Socorro Gurgel, ex-miss RN foi uma delas) e realizar o Baile dos Cronistas, no aeroclube, todos os anos, sendo esta festa a abertura oficial da temporada carnavalesca da cidade.
Sua presença se fazia sempre ativa nas Cheganças, Fandangos (apresentados nas Festas dos Santos Reis, na Limpa), Bambelôs, Pastoris, Danças Antigas (Araruna, Jararaca, Caranguejo). Resgatou o Forte dos Reis Magos, relegado ao abandono, realizando um festival com a presença do beneditino D. Nigris, especialista de histórias das fortificações portuguesas no Brasil, e Câmara Cascudo.
Nesses eventos havia sempre a presença de alguém com renome nacional, como Jorge Amado, Eneida Morais, José Condé, Ênio Silveira, Dinah Silveira de Queiroz, Waldemar Cavalcanti, Milton Pedroza, Ascenço Ferreira, Mauro Motta, Marli Motta, Waldemar de Oliveira, teatrólogo Isaac Gondim Filho e vários outros.
Seu pioneirismo se manifestou em todas as frentes: realizou o Festival da Lagoa Manoel Felipe, iniciou o teatrinho do Alecrim, instalou o primeiro telefone público, no bairro das Rocas, largo da feira; abriu uma Feira de Livros na Praça Kennedy, então Praça da Imprensa, e reuniu cantores de viola num Festival de Violeiros, no Teatro Alberto Maranhão, no qual o violeiro José de Souza, adolescente, estreou com 17 anos de idade. Em sua administração surgiram os bairros Alto da Aparecida, atual Mãe Luíza, e Brasília Teimosa, que tomou o lugar de um loteamento que o prefeito tinha marcado e foi proibido pela Lei de Servidão do Forte. Também é do seu tempo, as demarches para construção do Cemitério Bom Pastor, do Canal e Centro Comercial das Rocas, acesso à igrejinha do bairro.
Foi ele quem restaurou o policiamento ostensivo denominado Guarda Montada Joca do Pará, cujas armas - espadas e lanças acham-se no almoxarifado da PMN, algumas ornamentando o Gabinete do prefeito. Prestigiou pintores, poetas, seresteiros, folcloristas, cantores da velha guarda e associações de estudantes - Centro Estudantil (presidido pelo jornalista Serquiz Farkatt) e a Associação Norte-rio-grandense de Estudantes (presidida por Érico de Souza Hackradt).
Djalma Maranhão foi um homem múltiplo e sempre presente.
Como político foi deputado estadual e como tal, autor do projeto de autonomia política da capital (no seu Gabinete havia uma placa com os dizeres: "Aqui vencemos a batalha da autonomia"). Depois de deputado e prefeito eleito, foi deputado federal, com reconhecida atuação nacionalista, tendo abordado, em seus discursos parlamentares, questões do algodão, pesca, sal, minérios e da invasão das multinacionais na economia brasileira.
Fez campanha, ao lado de Edna Lott, pela eleição do general, Henrique Dufles Teixeira Lott, ex-ministro da Guerra do conterrâneo e correligionário Café Filho, que sucedeu Getúlio Vargas na presidência da República.
Teve posições patrióticas na votação do caso do Vidro Plano, que foi um dos grandes escândalos deste país na época. Ele votou contra o monopólio do Vidro Plano que se queria entregar ao então deputado-empresário e multimilionário Sebastião Paes de Almeida, representante de Minas Gerais (o projeto visava colocar nas mãos do deputado mineiro o monopólio do fornecimento de vidros para construção de Brasília, o que levantou suspeitas de uma negociata memorável). Neste caso, Djalma rejeitou uma proposta de suborno por alta quantia que lhe foi oferecida por intermédio de um parlamentar potiguar, no apartamento do Rex Hotel, onde se hospedava no Rio de Janeiro, episódio que testemunhei e sei a quantia oferecida, o mandante e o ofertante (que por sinal ainda é vivo e atuante na política do Estado).
Como jornalista, DM era virulento, corajoso. Foi diretor do Jornal de Natal, fundado por João Café Filho, e da Folha da Tarde e um dos fundadores do Diário de Natal. No jornalismo e no corpo-a-corpo era combativo e forte, pois fora lutador de boxe e professor de educação física do velho Atheneu Norte-rio-grandense. Como boxeur foi o segundo no ranking estadual, só perdendo para Manu Celestino, do Açu, que lhe quebrou o pau da venta numa luta no Cine Teatro Pedro Amorim, naquela cidade. Ficaram célebres suas brigas corporais com Romildo Gurgel e Erivan França e sua rusga com D. Eugênio Sales, arcebispo metropolitano.
Não posso deixar de registrar que foi no Rex Hotel que DM me apresentou ao seu amigo Aparício Torelli - o Barão de Itararé - antigo diretor do jornal humorístico A Manhã, que já não existia ao tempo do meu conhecimento com ele.
Djalma Maranhão sempre fez as coisas com paixão pelas coisas. Foi sempre mais um amador, do que um profissional. Fazia, pelo gosto de fazer. Não pensava em glória, nem em ficar na história, para a qual entraria no futuro, sem favor nenhum. Era um voluntarioso, quando se convencia da sua verdade. Nunca se submeteu ao poder autoritário de ninguém.
Sem canivete no bolso, sem sequer uma espátula dessas de abrir folhas de livros, teve coragem de desafiar o comando geral da Revolução de 64, instalando o seu QG da Resistência na Prefeitura, e disso deu ciência ao coronel Mendonça Lima, que substituía o general Ornar Emir, comandante da ID7 e Guarnição de Natal, no momento gozando férias.
Pode ter sido um CLOW chapliniano, mas nunca um funâmbulo. Resistir, resistiu. Resistiu como pôde: não se acovardando, não aderindo, não abrindo as pernas.
Morreu no exílio, sustentando o estandarte de suas bandeiras.
Morreu de muito sofrer, de saudades, não de outros padecimentos.
Nisso ele converteu a sua cidade - em sua paixão e morte.

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Artigo publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Volume LXXXVII, Anos1994-95-96, Natal-RN, 2001, págs. 19-23.

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