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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES GERAIS REALIZADAS NO BRASIL

Manoel Rodrigues Ferreira


E
m 1820, quando D. João VI ainda se achava no Brasil, dois movimentos revolucionários irromperam em Portugal, dando origem a duas juntas, que coexistiam harmonicamente. Uma, tinha o objetivo de governar, e a outra, de convocar as cortes, no menor prazo de tempo possível.
Foram esses movimentos que levaram D. João VI, em 1821, a voltar a Portugal, deixando o Brasil. Uma das juntas, a Junta Provisional Preparatória das Cortes, ficara encarregada de providenciar a eleição dos deputados que iriam compor as “Cortes Gerais de Lisboa”. Os deputados seriam eleitos pelos povos de Portugal, Algarve e Estado do Brasil, e, nas cortes, deveriam redigir e aprovar a primeira carta constitucional da monarquia Portuguesa.


Seria essa a primeira eleição geral a ser realizada no Brasil, pois, as eleições em nosso país tinham um caráter puramente local, isto é, eram realizadas somente para eleger governos locais, ou, melhor dizendo, os oficiais das câmaras. Pela primeira vez, iriam ser realizadas eleições gerais, que abrangeriam todo o território brasileiro, com a finalidade de eleger representantes do povo a um parlamento: as Cortes de Lisboa.
A junta portuguesa encarregada de convocar as eleições, devido à premência do tempo, viu-se em dificuldades para organizar uma lei eleitoral que servisse aos seus objetivos. Resolveu, por isso, adotar a lei eleitoral estabelecida pela Constituição espanhola de 1812. Pequenas modificações foram introduzidas, unicamente com o objetivo de adaptá-las às particularidades do reino português.
Ainda no Brasil, D. João VI assinou decreto, de 7 de março de 1821, convocando o povo brasileiro a escolher os seus representantes às Cortes de Lisboa. Juntamente com esse decreto, foram expedidas as “Instruções para as eleições dos deputados das Cortes, segundo o método estabelecido na Constituição Espanhola, e adotado para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve”, conforme rezava o título do decreto referido.

O número de deputados

As Instruções constituíam o que denominamos modernamente de lei eleitoral. O capítulo I dispunha sobre o modo de formar as cortes, e o seu art. 32 determinava: “(...) cada província há de dar tantos deputados quantas vezes contiver em sua povoação o número de 30.000 almas e que se por fim restar um excesso que chegue a 15.000 almas, dará mais um deputado, e não chegando o excesso da povoação a 15.000 almas, não se contará com ele.”
Desde que o Brasil, pelo último recenseamento, de 1808, possuía 2.323.366 habitantes, seriam 77 deputados. Como as frações das províncias ficaram desprezadas, o número total ficou reduzido a 72 deputados.
A lei não fazia referência a partidos políticos, que não existiam nessa época. Também não havia qualificação prévia de eleitores. O capítulo II, art. 34, estabelecia que “se deverão formar Juntas Eleitorais de Freguesias, Comarcas e Províncias”. Como veremos, esse sistema permitia a eleição em quatro graus, o que era um verdadeiro absurdo, comparado com o código eleitoral das Ordenações, que determinava somente dois graus.
As Instruções de 7 de março de 1821 estabeleciam um sistema de eleições em quatro graus: o povo, em massa, escolhia os compromissários; estes, escolhiam os eleitores de paróquia, que, por sua vez, escolhiam os eleitores de comarca; finalmente, estes últimos procediam à eleição dos deputados. Descreveremos, a seguir, os processos de eleição adotados em cada grau.

Juntas eleitorais de freguesias

Não havia qualificação prévia de eleitores, nem partidos políticos; todos os habitantes de uma freguesia seriam eleitores (a província dividia-se em comarcas; e estas, em freguesias). O artigo 35 determinava: “As juntas eleitorais de freguesias serão compostas de todos os cidadãos domiciliados e residentes no território da respectiva freguesia (...).”
O povo votava em massa, inclusive os analfabetos, não havendo qualquer restrição ao voto. Esse era o eleitorado de primeiro grau, que iria escolher um certo número de concidadãos denominados compromissários. Quantos compromissários seriam eleitos? Para sabê-lo, seria necessário conhecer, antes, quantos eleitores da paróquia seriam eleitos pelos compromissários. Procedia-se, então, da seguinte maneira: “Nas juntas ou assembléias paroquiais, será nomeado um eleitor paroquial para cada 200 fogos.” (Art. 39.) (Por fogos, subentendem-se moradias, ou mesmo famílias.) O resto, excedendo de cem, daria mais um eleitor paroquial. Conhecido o número de eleitores paroquiais, calculava-se o número de compromissários. O art. 42 dizia que, para cada eleitor paroquial, deviam ser eleitos 11 compromissários; para dois paroquiais, 21 compromissários; para três, 31. Esses 31 compromissários eram o limite, pois a lei estabelecia que “nunca se poderá exceder este número de compromissários, a fim de evitar confusão”. Esses números eram diferentes para as freguesias pequenas, mas deixamos de mencioná-los, a fim de abreviar esta exposição. Em resumo, dividindo-se o número de fogos por 200, tinha-se o número de eleitores paroquiais a eleger. Sabendo-se este número, calculava-se o total de compromissários que seriam escolhidos pelo povo.
No dia da eleição, o povo reunia-se na Casa do Conselho (Câmara Municipal), sob a presidência do juiz de fora ou ordinário, ou vereadores, e também com a “assistência do pároco, para maior solenidade do ato”. Inicialmente, toda a assembléia eleitoral deveria dirigir-se à igreja Matriz, onde seria celebrada missa solene do Espírito Santo. O pároco faria “um discurso análogo às circunstâncias”. Terminada a missa, a assembléia (o povo) volta à Casa do Conselho, e organiza-se a junta eleitoral dentre os presentes. Além do presidente, que era o juiz ou um vereador, eram escolhidos dois escrutinadores e um secretário. Em seguida, não havendo denúncias de subornos ou conluios, que eram proibidos, passava-se à eleição dos compromissários. Os cidadãos chamados ditavam ao secretário da mesa os nomes das pessoas nas quais votavam para compromissários, mas ninguém podia votar em si mesmo. A seguir, a mesa proclamava os compromissários eleitos à “pluralidade de votados”. Imediatamente, os compromissários retiravam-se para um recinto separado e, ali, procediam à eleição do eleitor ou eleitores paroquiais, que deveriam ser maiores de 25 anos, “ficando eleitos aqueles que reunirem mais de a metade dos votos”. Voltavam os compromissários à assembléia e entregavam o resultado à junta eleitoral.
A seguir, era lavrada a ata (ou termo), cada eleitor paroquial (de 3º grau) ficando de posse de uma cópia, que seria a sua “nomeação”, como dizia a lei. Após, a junta dissolvia-se. Então, “os cidadãos que formavam a junta, levando o eleitor ou eleitores (paroquiais), entre o presidente, escrutinadores e secretário, se dirigirão à igreja Matriz, onde se cantará um Te Deum solene”.
Os eleitores de paróquia (de 3º grau), de posse dos seus diplomas (cópias da ata), dirigiam-se, após a eleição, às cabeças das respectivas comarcas. A eleição que eles iam agora proceder realizava-se no domingo seguinte ao da eleição anterior.

Juntas eleitorais das comarcas

Os eleitores de paróquia iriam eleger os eleitores de comarca.
Quantos seriam estes? Segundo as Instruções, os eleitores de comarca seriam o número triplo dos deputados a eleger (em cada província).
No dia da eleição, os eleitores de paróquia reuniam-se no Paço do Conselho (Câmara Municipal), sob a presidência do corregedor da comarca, e, “a portas abertas”, nomeavam, dentre eles, um secretário e dois escrutinadores. Em seguida, a mesa recebia os diplomas dos eleitores de paróquia para verificação. No dia seguinte, havia nova reunião. Estando tudo em ordem, “os eleitores de paróquia com o seu presidente se dirigirão à igreja principal, onde a maior dignidade eclesiástica cantará uma missa solene do Espírito Santo, e fará um discurso próprio das circunstâncias”.
Terminada a cerimônia religiosa, voltavam todos ao Paço do Conselho. Procedia-se, então, à escolha dos eleitores de comarca. “Por escrutínio secreto, por meio de bilhetes, nos quais esteja escrito o nome da pessoa que cada um elege”, dizia a lei. Depois da apuração, “ficará eleito aquele que tiver, quando menos a metade dos votos e mais um”. Se não houvesse essa maioria absoluta, haveria segundo escrutínio para os mais votados. Lavrada a ata, cada cidadão eleito (eleitor de comarca, a de 4o grau) recebia uma cópia da ata, que seria a sua diplomação. Estava terminada a eleição, dirigindo-se a assembléia eleitoral incorporada à igreja Matriz, onde seria cantado o Te Deum solene. E os eleitores de paróquias voltavam às suas casas.

Juntas eleitorais das províncias

Os eleitores de comarca (de 4º grau) de todas as comarcas seguiam, agora, para a capital da província. No domingo seguinte à eleição anterior, eles se reuniriam sob a presidência da autoridade civil mais graduada, apresentando-lhes os seus diplomas (cópias da ata). Marcavam o dia da eleição dos deputados às Cortes de Lisboa. Eram nomeados um secretário e dois escrutinadores. Os diplomas eram recebidos para exame. No dia seguinte, estando tudo em ordem, “os eleitores das comarcas com o seu presidente se dirigirão à igreja Catedral, na qual se cantará uma missa solene do Espírito Santo; e o bispo ou na sua ausência a maior dignidade Eclesiástica fará um discurso análogo às circunstâncias”. Voltavam ao Paço do Conselho e procedia-se à eleição. Cada eleitor de comarca, chegando-se à mesa, declarava os nomes daqueles em que votava, e que o secretário anotava. Em primeiro escrutínio seriam eleitos os que obtivessem “a metade dos votos e mais um”; os que não o conseguissem, entrariam em segundo escrutínio, e seriam eleitos os que alcançassem “pluralidade de votos”, simplesmente.
Eleitos os deputados, passava-se à eleição dos seus suplentes. A seguir, lavrava-se ata. Terminados os trabalhos, a assembléia eleitoral dirigia-se à igreja principal onde seria cantado solene Te Deum. E estava findo, dessa maneira, o processo eleitoral.
Dessa forma, foram eleitos os 72 deputados brasileiros às Cortes de Lisboa.

FONTE: FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2001 (Coleção biblioteca básica brasileira).

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